Refém

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--- 17h e 41 minutos.

"A minha vontade é de sumir. Eu fracassei. Não tenho amor e nem ninguém em minha vida que possa me acolher, abraçar e me dar amor. Sou frustrada como mulher. Frustrada como mãe. Eu fracassei. A minha vontade é de acabar com tudo isso de vez. Não posso seguir como estou. O que é uma mãe sem um filho? Desde que o meu Daniel partiu, não consigo me encontrar dentro de mim mesma. Tenho a sensação de estar ficando louca. Talvez esteja mesmo! Só estava relutante em assumir. É ruim olhar o mundo lá fora e ver que as pessoas estão aleatórias ao meu sofrimento. Ao mesmo tempo é egoísta de minha parte esperar que os normais me notem quando os mesmos estão cheios de problemas para resolver. Fracassada e egoísta. Acho que posso acrescentar o termo iludida na minha lista de não-qualidades. Sempre me achei melhor que grande parte das pessoas, mas não sou isso tudo. Hoje reconheço que sou mais uma pessoa sem atrativos. Um tipo comum. Isso me dói, porque é me aceitar menos do que eu poderia ter sido. Meu ex-marido costumava dizer que eu era fria, resistente aos carinhos, uma pedra de gelo. Achei que fosse porque sou capricorniana. Mas, nos últimos anos eu notei que eu sou do tipo de pessoa mais prática, racional e menos emotiva. Acho que tive um bom homem, um bom marido ao meu lado que com o tempo eu desperdicei. Me sinto sozinha. Talvez, seja melhor eu voltar para ele. Ou melhor, não voltar seria a opção mais assertiva. Pra que fazer sofrer duas vezes a mesma pessoa? A morte é a melhor saída. Talvez ela amenize a dor da perda de meu Daniel. Já são 9 dias que ele sumiu. Algo aconteceu com ele naquela explosão. Sinto que as pessoas escondem isso de mim. O episódio do extraterrestre saindo do guarda-roupa dentro da minha casa é muito surreal. Aquilo não é verdade e nem foi verdade. Eu realmente estou louca. Me dói saber disso. O pior foi inventar um amigo imaginário pelo qual pudesse contar. Quem é Cohen? Essa tal de Vanessa! Que absurdo! Pessoas que chegam do nada. Estou mesmo maluca! O que me resta é o medo do chinês. Talvez esse seja real. Um médico que me colocou aqui. O único corajoso o suficiente por me fazer enxergar a realidade. É com pesar que escrevo essas últimas palavras. Mas eu sei que meu filho não vai mais voltar. Sozinha eu não dou conta. Não posso ser feliz sem ele. Eu sei que não o fiz feliz, mas ele me fazia feliz. Mais uma vez estou sendo egoísta. Talvez ele não volte. Ou volte, mas depois de analisar tudo, tenho a convicção de que seguir sem mim, seria o melhor para ele. Um dia, se ele aparecer, digam a ele que a mãe dele pediu desculpas pelo abandono em vida e que se arrependeu muito na hora da morte. Adeus, meu filho que eu tanto amei. Com carinho; Inês".

Cohen leu a carta com lágrimas nos olhos. Tinha dentro de si um sentimento de que poderia ter feito algo para ajudar Inês. Nesse momento acompanhava Brandão e Ulysses no corredor rumo a UTI.

Cohen se sentiu egoísta. "Deveria ter aberto a verdade a Inês naquele dia do abraço" -, lamentou Cohen. "Isso poderia tê-la salvo" -, disse.

Ulysses parou e segurou os seus ombros como quem quisesse encerrar a situação: "Sua missão pedia segredo e sacrifícios. Não tem culpa dela ser emocionalmente frágil. Vamos fazer de tudo para salvá-la. Fique em paz e siga com o que tem que fazer" -, disse Ulysses se virando e saindo ao alcance de Brandão.

Cohen não tirava a imagem de Inês com os punhos cortados. Assistiu a triste cena dela caída ao chão na poça de sangue.

Não entendia como ela pudera agir com tamanha violência contra si. Cortara-se com a faca plástica do café da tarde. A caminho do quarto dela quis rever tudo para elaborar o fato. O quão doloroso fora aquela situação para a mulher já que o objeto não tinha lâmina.

"Pobre Inês! Deve ter sofrido até conseguir retalhar a carne e veias para ver sua alma sair do corpo" -, pensou alto.

Deparou-se com a porta do quarto e se conteve com a mão na maçaneta imaginando o quão forte fora ela de manter-se ferida esperando a morte gota a gota naquele quarto.

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