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Inspirada pela inclusão de uma personagem feminina não existente na obra original O Hobbit (1937), de J. R. R. Tolkien, no filme O Hobbit: A desolação de Smaug (2013), de Peter Jackson, resolvi abordar um pouco da participação feminina na mitologia da Terra Média.
Parando para analisar, temos pouquíssimas personagens femininas em Tolkien. Sobrariam dedos nas mãos se fossemos contá-las. Porém, elas são de grande importância e não representam apenas adornos às histórias. Vou me ater a O Senhor dos Anéis, obra mais difundida do autor. Galadriel, uma das grandes líderes dos elfos, forte, compadecida, sábia. Resistiu às tentações do Anel (coisa difícil, veja como quase todo mundo se encantava com a corrupção oferecida por ele). A Arwen, mesmo sem as características “guerreiras” no livro, não é apenas a elfa filha do Elrond. Ela vai contra as determinações (conselhos?) do pai e abre mão da imortalidade por um mortal, que mesmo sendo de uma linhagem importante e eventualmente assumindo o trono de Gondor, é um mortal. Nos filmes de O Senhor dos Anéis, já houve um aumento da participação e importância da Arwen. Tolkien não a escreveu ajudando no resgate de Frodo.
Mas a minha preferida, a que, para mim, é uma das melhores coisas escritas pelo Tolkien, é a Éowyn. Ela foi criada como qualquer filha de nobres, mas ela mostra, no decorrer da história, ser muito mais que isso. A moça fica lá, cuidando do tio Théoden, que estava tomado pelas forças do mal, e ainda tem que aguentar todo o assédio do servo de Saruman, Grima Língua de Cobra. Apaixona-se por Aragorn, mas logo supera porque, afinal de contas, o sujeito é comprometido e ele não apoia a vontade que ela tinha de ir à guerra, não apenas ficar cuidando do castelo e daqueles que ficaram ali abrigados.

– Todas as suas palavras querem dizer apenas isto: você é uma mulher, e seu papel é na casa. Mas, quando os homens estiverem mortos na batalha e com honra, você tem permissão para ser queimada na casa, pois os homens não mais precisarão dela. Mas eu sou da casa de Eorl, e não uma serviçal. Posso cavalgar e brandir uma espada, e não temo o sofrimento ou a morte.
– O que teme, senhora?
– Uma gaiola – disse ela. – Ficar atrás das grades, até que o hábito e a velhice as aceitem e todas as oportunidades de realizar grandes feitos estejam além de qualquer lembrança ou desejo.

Pois bem, ela se veste como homem e vai, sim, à batalha. Acaba matando o Rei Bruxo de Angmar, quando ele vira e fala que nenhum homem pode matá-lo, ao que ela tira o elmo e manda um “Eu não sou um homem” e mata o infeliz, desempenhando, assim, um papel de extrema importância na luta entre bem e mal que é explorada na obra.

i am no man

Copio e colo, neste momento, um trecho de um trabalho acadêmico feito sobre Éowyn: “Ela ainda destaca-se pela inconformidade com seu destino pré-determinado – e determinado simplesmente pelo fato de ser mulher – e por romper preconceitos de gênero.”
A posição social da mulher na época do Tolkien é totalmente distinta do que é hoje (não que hoje estejamos vivendo um sonho de reconhecimento e respeito, mas enfim), portanto, infelizmente, a representação feminina não era algo tão forte e presente. Mas mesmo com poucos destaques, ele acabou contribuindo com ótimas e fortes personagens para o universo ficcional. Mesmo sem aparecer no foco da ação, elas nunca são colocadas como coitadas, fracas ou desimportantes.
Tauriel, a elfa inventada para o filme O Hobbit, é valente e hábil, e tem seu valor reconhecido, apenas enquanto guerreira, pelo Elfo Rei da Floresta das Trevas. A personagem acaba envolvida em interesses românticos provenientes de um elfo e de um anão, raças com histórico de convívio turbulento. Mesmo com a amizade entre Legolas e Gimli em O Senhor dos Anéis, vejo a importância dessa tolerância/simpatia de Tauriel para com outros povos. Mesmo terminando na velha história de “uma personagem mulher sempre vai aparecer ligada a uma história de amor”, não diminui em nada a importância e a força demonstrada por ela e pelo o quê sua presença significa. Ok, ela se deixa levar por sentimentos, mas continua sendo uma elfa extraordinária e mortal, mostrando que uma mulher não serve apenas para enfeitar um ambiente.
Então, acho que Peter Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens fazem sim um bom trabalho aumentando a participação de mulheres em meio àquele monte de homem, mago, hobbit e anão. Não vou eliminar o fator rentabilidade aqui (afinal estamos falando da Liv Tyler e da Evangeline Lilly), mas que fez muito bem aos filmes, fez.
Não vou entrar profundamente no mérito de “ah, mas o Peter Jackson está inventando coisas, é preciso respeitar o cânone”. Quanto a isso, digo apenas o seguinte: liberdade poética. Se fôssemos nos limitar a assistir adaptações cinematográficas dos nossos livros preferidos apenas se estivessem 100% fieis à obra, não assistiríamos a absolutamente nada.