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Ensinar uma criança é ajudá-la a perceber a beleza do mundo, diz Celso Antunes

Entrevistei, via e-mail, o professor Celso Antunes que completou 80 anos de vida, em 5 de outubro, e tem mais de 50 anos de livros publicados. Livros, em sua maioria, que viraram referência no ensino. Os primeiros livros didáticos que o professor Celso Antunes escreveu foram publicados pela Editora do Brasil, no início da década de 60. Eu mesmo, Gilberto da Silva, usei livros do professor Celso Antunes nas minhas aulas de Geografia no ensino fundamental do rede pública do estado de São Paulo. Os livros de Geografia que escreveu se destinavam a alunos dos Cursos Ginasiais, e mais tarde os nomes foram alterados para Ensino Fundamental.

Do blog do professor, extraímos uma fala significativa: “Fiz Geografia e depois o mestrado em Educação, dei aula em toda parte e para toda gente, virei o mundo atrás de escola e professor e depois escrevi livros didáticos e um montão de outros destinados a professores e pais, professoras e mães ou ao contrário. Fiz palestras em escolas, teatros, boates, igrejas, churrascaria e praça pública, tive um montão de livros traduzidos no exterior. Já estive em tudo quanto é lugar, jamais recusei convite, viajei até em carroça e para minha felicidade hoje estou aqui com vocês”.

Após muitos anos e sempre com resultados editoriais extremamente significativos, o professor resolveu mudar sua linha de produção. O autor passou a escrever livros sobre temas educativos, não mais centrados na especificidade de uma disciplina escolar. Embora destinados agora a outro público-alvo, essas obras foram e ainda são editadas pelas principais editoras do país e, muitas delas, traduzidas para demais países da América do Sul, da América do Norte e Europa.

Leia a entrevista abaixo:

 

Partes: O que é ser criança neste mundo sem fronteiras colocadas pela multiplicação de canais de comunicação?. Nesse contexto, como como permitir que cada criança conheças suas finalidades e competências para obter um educação plena?

Celso Antunes: Toda criança é, potencialmente, uma “usina de aprendizagens”, uma mente admiravelmente “gulosa” à espera de estímulos que possam faze-la produzir a luz plena da criatividade, mas que para essa “usina” funcione plenamente necessita de estímulos diversos e constantes proporcionados por educadores (profissionais ou não) que a convidem para conversas intrigantes, desafios de natureza lógico matemática e linguísticas, brincadeiras que a fazem imaginar o impossível e sonhar sonhos nos quais se faz plena protagonista.

Quem verdadeiramente educa uma criança “abre” as portas de um cérebro inquisidor, curioso, ávido em superar dificuldades. Uma criança é fonte inesgotável de consciência intrapessoal, interpessoal e existencial, mas as portas desse guloso saber não se abrem sem adultos que conversem, desafiem, proponha e, plenamente, embarquem no “tapete mágico” em que vivem e que anseiam conduzir pelo mundo da fantasia.

Como estas mudanças estruturais de uma sociedade em transformação afetam os processos de aprendizagem? O que deve ser realizado na relação aluno-professor?

Ensinar uma criança não significa “entulhar” sua mente criativa e desafiadora de informações conceituais e que pode, sem necessariamente fazer uso da memória, as obter a um toque de mouse.

Ensinar uma criança é ajudá-la a perceber a beleza do mundo, o correr do tempo, as múltiplas linguagens da natureza e com esse seu saber, usar sempre a ousadia de recriar.

Ensinar uma criança é convida-las diariamente ao passeio pelo imaginário e pelo impossível, perguntando o que se quiser perguntar as fazendo de suas respostas vigorosas estímulos para mais perguntas. Ensinar uma criança não significa aprisiona-la da restrição do “certo” ou do “errado”, mas faze-la arquiteta dos sonhos que ousa sonhar, na ilimitada ampliação das veredas que busca a cada dia construir. 

Se o educador não nasce pronto, que ações ele deverá tomar na sua caminhada profissional? Ao repensar sua prática cotidiana o que o professor deve fazer para evoluir na sua profissão?

Ler muito e imaginar formas de transformar o que aprende em ações que propõe, conversar com seus colegas convidando-os a vigorosa prática de “trocas” sobre procedimentos estratégicos.  Não permitir que um único dia possa se esvair, sem abrigar conversas íntimas e profundas sobre o que aprendeu, que estratégias realmente vale a pena reaplicar, que novos horizontes buscar.

Uma verdadeira sala de professores pode abrigar momentos de lazer, distração e conversa descontraída sobre os momentos que se vive, mas deve também guardar instantes para se revelar experimentos, propor caminhadas intelectuais, refletir sobre os desafios que cada cotidiano nos impõe.

O educador, brasileiro, infelizmente parece ainda não perceber a verdadeira dimensão de sua representatividade e, assim, descobrir-se como um efetivo semeador de amanhãs, construtor de futuros.

Os quatro pilares essenciais da educação – aprender a conhecer, aprender a viver com os outros, aprender a fazer e aprender a ser – continuam válidos? Como fazer com que a família tome parte mais efetiva nesse processo?

Uma família verdadeiramente educadora não pode jamais abrir mão de possuir seu “vinte a trinta minutos semanais” da “meia hora de bate-papo” em que com a televisão desligada, os celulares temporariamente mudos, mergulhem em relatos, experiências, desafios.

Momentos alegres de conversas soltas e livres, mas autênticas, sobre o que se é, os planos que abriga, os sonhos que agasalha. Nesses mágicos minutos desfaz-se a hipocrisia da “mascara” de nossa condição de mãe, pai, irmão e filhos, mas como se reconstrói a certeza de que “amigos vigorosos” sempre trocam pensamentos e sugerem a ousadia oportuna de também trocar em saberes, apresentar relato de experiências, explicação dos sonhos ousados que se ousa imaginar e, assim, construir momentos que, mais tarde, serão lembrados como “fundamentais” para uma nova construção de cada “eu”.

Enfim, fortalecer-se no pilar educacional decisivo de transformar o nosso “saber “ na ousadia de propostas de mais “ser”. 

 

O Celso Antunes é um educador brasileiro, formado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Ciências Humanas e Especialista em Inteligência e Cognição. Membro consultor da Associação Internacional pelos Direitos da Criança Brincar, reconhecido pela UNESCO. Embajador de La Educacion – Organización de Estados Americanos. Membro Fundador da Entidade “TODOS PELA EDUCAÇÃO” e Consultor Educacional do Canal Futura. Pró-reitor do Centro Universitário Sant’Anna (SP), Palestrante e Escritor. São mais de 180 livros sobre educação e cerca de 60 livros didáticos publicados. Possui obras traduzidas na Argentina, México, Peru, Colômbia, Espanha, Portugal e outros países.

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