A importância da mediadora, o relato da mãe de um garoto autista

Patricia_Trindade.jpgEu procurei a jornalista Patrícia Trindade para dizer que estava com saudades dos textos dela sobre as experiências com o filho Luca, que é autista. E disse ainda que os nossos leitores sempre me pedem para publicar artigos com dicas sobre a educação inclusiva, a sala de aula, a relação com a mediadora… enfim, estamos permanentemente em busca de experiências… como sempre faz, a Patrícia nos presenteia com textos que são mais do que relatos de experiência:  Ela é daquelas mães que aliam a busca por informação e conhecimento à sensibilidade e à adaptação para viver momentos desafiadores. Pode haver um monte de clichê nessas frases para falar do texto que segue, mas é exatamente assim que me sinto quando leio essas experiências, carregadas de informação que ajudam não só famílias de autistas, mas todas as famílias de crianças que precisam de acompanhamento especial em sala de aula. Confiram o artigo da Patrícia…
A experiência da inclusão, por Patrícia Trindade
Meu nome é Patrícia Trindade Bortoletto Gonçalves, sou jornalista, tenho 41 anos, e sou mãe de Thiago, de 7 anos, e Luca, de 5 anos e 10 meses. Luca é autista. Quer conhecer um pouco mais o autismo? Acesse o meu blog:http://enfrentandooautismo.blogspot.com.br/
Minha experiência com inclusão, agora, é de alívio. Mas nem sempre foi assim. Quando comecei a procurar uma escola para o Luca, no final de 2012, depois de ele ter passado já por duas instituições, achei que iria surtar. Fui a pelo menos sete escolas particulares e públicas do Rio de Janeiro, ouvi todo tipo de asneiras, vi estruturas que não deveriam receber nem alunos considerados normais, vi vagas sumirem depois de mencionar o diagnóstico de autismo do Luca e salas com 40 alunos de 4 anos de idade sem auxiliar e sem ninguém para sequer levar os pequenos ao banheiro. “Aqui eles têm de saber se limpar desde cedo, mãe. Não temos gente para isso”, disse uma diretora de uma escola pública do Rio, constrangida, coitada. A culpa não é dela, a gente sabe…
Muitas lágrimas e sola de sapato depois, encontramos uma escola que o acolheu. O Luca está bem, graças a Deus. Adaptado e gostando de ir para as aulas, o que é importante. E a escola abraçado o desafio, o que é mais importante ainda. Sem isso, não tem inclusão. Mas, a peça mais importante para a inclusão no Brasil, eu acho, ainda é a mediadora e, junto com ela, os materiais adaptados, que fazem toda a diferença. Sem a mediadora, os colégios costumam nem aceitar alunos autistas, mesmo os de grau mais leve. Entendo o lado das escolas. Já é difícil uma professora dar conta de 15, 20 alunos – muitas vezes sem uma auxiliar. Dependendo do grau do autismo da criança, ela pode ter de sair da sala para se acalmar, ou fazer uma atividade mais tranquila, quando a sala está muito agitada. E quem faz isso é a mediadora. Ela é a certeza de que seu filho vai aproveitar cada atividade que será dada em sala, que não vai ficar isolado e distraído enquanto os outros amiguinhos estão aprendendo e participando. São quatro horas preciosas, que você tem tudo que um autista precisa: socialização, aprendizado cognitivo e sensorial e atividades motoras.
Mas, a mediadora não pode ser confundida com babá. Precisa interferir apenas quando sente que a criança vai perder o equilíbrio, quando o aluno não está prestando atenção ou deixando de fazer os traballhinhos com o resto da turma. Aí, acho que rola uma certa sensibilidade da profissional para entrar no grupinho, inserindo a criança como se fosse uma professora auxiliar, e não como uma professora particular. Como se estivesse convidando as outras crianças a explicarem para a que tem dificuldade como é que se faz. Você planta a sementinha do outro de querer ajudar quem aprende de maneira e em tempo diferentes. E, em contrapartida, o aluno se sente acolhido. Foi uma preocupação que eu tivemos quando começamos a busca por uma mediadora. Acho importante que o Luca não sinta que tem uma pessoa só para ele. E que os coleguinhas também não pensem que ele precisa de uma “babá”. Eu brinco que pago a mediadora para ela ser “fantasminha”… Sumir na maioria do tempo e só intervir quando a professora não der conta de resolver o “problema” com o resto da turma. Os “problemas” podem ser: agressividade – principalmente em crianças não-verbais, a força física, a birra e os gritos costumam ser a única forma de comunicação -, a falta de atenção ou o fato de o aluno querer sair da sala toda hora, para fugir do que não lhe interessa.
A boa mediadora identifica logo os momentos de dificuldade dessa criança e se antecipa. A nossa mediadora leva atividades que o Luca gosta e sabe fazer, para os momentos de pânico. Então, quando ele estiver seguro e feliz, fazendo algo que gosta e domina, ela entra com o material novo. O Luca começou a falar com a gente frases muito fortes: “eu não consigo, eu não consigo, mamãe, é muito difícil”. Isso para qualquer dever de casa, por mais fácil que fosse. E vimos que isso pode ter vindo da comparação dos desenhos ou das atividades dele com os desenhos dos coleguinhas. Reforçamos então os trabalhinhos que ele gosta, elogiamos qualquer avanço nos desenhos e hoje ele voltou a tentar. Existem vários tipos de materiais adaptados. Muitos podem ser feitos em casa. A mediadora fez uns por conta própria, vendo o que o Luca mais precisa naquele período e com os seus personagens preferidos. Outros, eu comprei em seminários e congressos sobre autismo. Tem muitos bons à venda em sites também. Vários vídeos no youtube ensinam às mamães mais habilidosas (não é o meu caso) a fazer em casa mesmo. Impressora, internet, cola, tesoura, velcro e depois mandamos plastificar na papelaria mais próxima e pronto! você tem uma infinidade de materiais possíveis de se fazer, desde pareamento de cores, de formas, vogais, separação de sílabas, jogo da memória, ligação de objetos ao nome…
Existe muita coisa legal para alfabetização, fase em que eu acho que os materiais adaptados são mais necessários, e também para tornar a matemática mais fácil. Para as crianças não-verbais, os PECS ((Picture Exchange Communication System) podem ser uma óptima forma de se iniciar a comunicação. Usei com o Luca durante um tempo e, aliado à outras terapias, ele começou a falar. Hoje, faz frases. Não tem a mesma fluência nem o mesmo vocabulário de uma criança de 5, quase 6 anos, mas deu um salto grande de um ano para cá. Levar um jogo/brinquedo que a criança goste de jogar é uma óptima forma de o manter em sala e de chamar os amiguinhos para a brincadeira.
Fazer atividades aliando os interesses da criança é fundamental. Entrar no mundo dela. O Luca gosta de desenhos com o Dora, a Aventureira; Equipe Umizumi, A Casa do Mickey Mouse e Peppa Pig. Os personagens dos trabalhinhos são, então, desses desenhos. Se quero falar de um assunto que eu já vi nestes desenhos, faço ele lembrar, como no dia em que a Peppa foi ao dentista. E ele também foi e ficou incrivelmente quieto. Ou quando a Dora respondeu o primo Diego em francês e ele começou a responder “ça va, merci” para nós, em casa, quando perguntávamos se ele estava bem. Claro que ele não sabe francês. Mas entendeu o contexto e o aplicou no momento certo da conversa. Não existe receita de bolo. Cada pai/mãe, em companhia da escola e da sua mediadora precisa ver o que o aluno precisa aprender naquele momento. As escolas não vão fornecer material adaptado. É mãos à obras para produzir o próprio material, seja no tablet, na internet, com papel, tesoura e cola, ou com desenhos animados, na TV. Para os mais velhos, vale cobrar um tempo maior na escola para fazer as provas. Ou um calendário diferente, com provas mais espaçadas, com mais tempo para estudar em casa. Já vi um aluno autista adolescente conseguir esses benefícios em uma escola regular aqui no Rio.
Alguns autistas conseguem se alfabetizar, mas não conseguem, por exemplo, escrever com a letra cursiva. A escola precisar ser flexível nesse aspecto. Para os novinhos, vale usar muito a imaginação. Recentemente, fiz um quadro de atividades e recompensa em casa (tem uns bem legais à venda, mas dá para fazer com um quadro branco mesmo). Cada um dos meus filhos ganha uma estrelinha para várias actividades (fez o dever de casa sem reclamar, comeu carne, experimentou alimentos novos, fez trabalhando extra, ajudou o papai e a mamãe nos afazeres de casa, não brigou com o irmão, etc). A cada 10 estrelinhas (eles perdem estrelas também se não se comportarem), ganham R$1 para o cofrinho. E isso tem funcionado muito bem em casa. Falei que, com o dinheiro, ele pode comprar a pelúcia da Peppa ou um novo homem-aranha. O Luca, que um belo dia acordou e disse que era um “dinossauro herbívoro”, e que não comeria mais carne, voltou a comer. E temos conseguido alguns avanços com as benditas “estrelinhas”! A chave é adaptar a escola aos nossos filhos, já que elas ainda não sabem como fazer o contrário.