Efeito da Operação Lava-Jato esvazia mercado de luxo no Rio

Clientela fiel e que pagava em dinheiro quase não é mais vista em lojas e restaurantes da cidade

por Ludmilla de Lima

No Antiquarius, queda no movimento é de mais de 20%: o ex-governador Sérgio Cabral, que está preso, era frequentador assíduo - Agência O Globo / Domingos Peixoto

RIO - Nos bastidores dos mais finos restaurantes, salões e lojas da cidade, o assunto do momento é o sumiço de parte da clientela. Está todo mundo sofrendo com a crise financeira e a falta de segurança no Rio, mas, nesses estabelecimentos considerados top (e caros), há mais um vilão: os escândalos políticos. Citados ou não pela Lava-Jato, engravatados de Brasília e do Rio que circulavam com desenvoltura por casas como Antiquarius, Laguiole, Gero e Satyricon desapareceram quase que por completo. Reuniões, conspirações e papos ao pé do ouvido, vistos em mesas de endereços nobres, foram virando cenas cada vez mais raras, até que a prisão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) afastou quase todos.

As denúncias envolvendo o presidente Michel Temer foram a pá de cal. No Antiquarius, a queda no movimento é de mais de 20%. Um funcionário conta que as pessoas estão com medo de sair à noite no Rio, e que isso influencia, mas lamenta também a ausência dos políticos. Vizinho da casa de Cabral no Leblon, o restaurante sofreu um baque com a prisão de seu cliente habitué. O prato preferido de Cabral é arroz de pato (R$ 115, que serve mais de um), coincidentemente o mesmo do ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, tucano hoje na mira do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

— Os políticos que frequentavam estão presos ou recuados. Tudo piorou quando levaram o Cabral. O Pezão (Luiz Fernando Pezão, governador) mesmo, que vinha sempre, não aparece mais — conta um funcionário.

Valores não importavam

A fachada do salão Crystal, em Ipanema: corte e hidratação podem custar até R$ 800 - Agência O Globo / Domingos Peixoto

Aécio, mesmo antes de cair no grampo da Polícia Federal, já não era visto no Rio com tanta frequência.

— Aécio era figurinha fácil. Este ano, nas três vezes em que fui ao Gero, eu o vi lá. Mas já tem um tempinho que anda sumido — conta um renomado chef da cidade, entregando um detalhe: — Em comum, os políticos não se importam com valores de contas e pagam em dinheiro.

No Laguiole, no Museu de Arte Moderna, pessoas que trabalham ou já passaram por lá relatam contas astronômicas, pagas em dinheiro vivo. O ex-deputado do PMDB e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aparentemente nunca ficou melindrado em ser visto: até ser preso, circulava pelos melhores restaurantes da cidade, como o Satyricon. No Laguiole, chegou a dividir mesa com um ministro atual, na semana do impeachment de Dilma Rousseff. Lá, dependendo do vinho, a conta pode chegar a R$ 2 mil por pessoa. Perto do Aeroporto Santos Dumont, tem forte clientela de políticos e do mundo corporativo.

O Eça, restaurante da H.Stern na Avenida Rio Branco, também tem esse perfil. Era lá que costumava almoçar com amigas a ex-primeira-dama do estado Adriana Ancelmo, que tem escritório no mesmo prédio.

Um dos sócios do italiano Antica Osteria Dell’Angolo, prestes a fechar as portas, em Ipanema, o milanês Luciano Pessina reconhece que o movimento caiu muito nos últimos meses. Entre os clientes mais assíduos, a “turma da Lava-Jato”:

— Não eram a parte mais importante (do total da clientela), mas eram fiéis.

Na lista de razões que levaram o Atrium, no Paço, a encerrar sua cozinha também estão os políticos presos, como já disse ao GLOBO a proprietária, Vera Helena Carneiro. O D’Amici, no Leme, também teve perdas:

— Aqui somos cegos, surdos e mudos — disse um maître, encerrando o papo.

As lojas mais caras da cidade tentam superar a fase. Adriana Ancelmo e Cláudia Cruz, mulher de Cunha, já não vão mais às compras na Garcia D’Ávila:

— Adriana Ancelmo vinha à Louis Vuitton, mas era discreta. Comprava uma sapatilha (de R$ 1.800), um presente. Cláudia Cruz gastava mais, mas não vinha tanto. Compra muito no exterior — diz uma vendedora da marca de luxo francesa.

A gerência das lojas Ermenegildo Zegna, que fornecia ternos a Cabral, que os pagava com depósitos fracionados em dinheiro para impedir o controle de autoridades financeiras, segundo investigação, afirma apenas que a frequência de seus clientes caiu nos últimos meses de um modo geral. No Village Mall, na Barra, uma gerente diz que, nos três primeiros meses deste ano, a queda nas vendas, em boa parte das lojas, chegou a quase 20%. A Zegna e as joalherias H.Stern e Antonio Bernardo — citadas no esquema do ex-governador — seriam as mais afetadas. Nenhuma das joalherias comentou o assunto.

Na grife Ricardo Almeida, que fornece ternos sob encomenda a muitos políticos, como o ex-presidente Lula e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), a filosofia atual é afastar a imagem da marca da classe.

— Alguns políticos encomendaram ternos e não vieram buscar após serem envolvidos em escândalos. O dono de uma empresa denunciado no esquema de corrupção do Maracanã fez uma compra rápida com a gente, de mais de R$ 25 mil, e seguiu para Portugal — afirma uma funcionária da grife. — O crème de la crème, que pagava em dinheiro, sumiu. Por isso, focamos agora em clientes de outros estados.

Em salões de beleza, não é muito diferente. O Crystal, em Ipanema, é frequentado por Moreira Franco, ministro da Secretaria-geral da Presidência. Geralmente, quem corta também faz hidratação, o que dá entre R$ 500 e R$ 800. Os pagamentos em cash são comuns, dizem os funcionários. Os clientes nem sempre gostam de deixar registro de sua passagem por lá, por exemplo, marcando a hora do atendimento.

— Eles não passam por constrangimento aqui, porque já vêm para serem atendidos pelas pessoas certas — diz Dea Arbex, gerente de marketing de relacionamento do Crystal.

Alvo de depilação

Outro dia, Cláudia Cruz se desesperou: esqueceu o laptop na sala da depiladora do Esmell, no Leblon. Pediu que a profissional levasse o note para casa, no subúrbio, e um motorista foi lá buscar, como contou o jornalista Ancelmo Gois. A mulher do empresário Eike Batista, Flávia Sampaio, hoje vai ao salão Care Body & Soul, em Ipanema, em horários de menor movimento. Outro cliente de lá é o conselheiro do TCE Aloysio Neves Guedes, em prisão domiciliar. Vizinho de frente, ele já atravessou até o salão para fazer depilação na orelha e na sobrancelha, sendo assunto também de nota de Ancelmo.