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    Cláudia Collucci

    Dias piores virão com o fim do gasto obrigatório em saúde

    24/05/2016 16h58

    Vamos imaginar que o Congresso, acatando a proposta do presidente interino Michel Temer (PMDB), acabe mesmo com as vinculações constitucionais, como gastos obrigatórios com saúde e educação. Qual o risco que corremos com essa desvinculação em saúde?

    Atualmente, a União é obrigada a aplicar na saúde ao menos o mesmo valor do ano anterior mais o percentual de variação do PIB (Produto Interno Bruto). Estados e municípios precisam investir 12% e 15%, respectivamente. Na educação, o governo federal deve gastar 18% do arrecadado e as outras esferas, 25%.

    Na área da saúde, o assunto divide opiniões. Há quem defenda que mudança decretaria a morte do SUS e há os que pensam que a atual regra já não garante uma boa aplicação do dinheiro, além de colaborar com a piora nas contas públicas.

    É verdade que os países mais desenvolvidos não costumam vincular o orçamento a gastos fixos, mas há outros tipos de garantias e fiscalização de modo que áreas prioritárias como saúde e educação sejam privilegiadas, mesmo em regiões mais pobres, com menos recursos para investir nessas áreas.

    Mas, segundo especialistas, por aqui, a desvinculação pode, de fato, levar a mais cortes no já combalido SUS e uma descontinuidade nas políticas públicas, principalmente nos municípios. Todos estão cansados de saber que, cada vez que há troca de prefeitos, tal como no Jogo da Amarelinha, as coisas voltam dez casas. Imagine acabando com a obrigatoriedade do gasto...

    Na noite do último domingo (22), aconteceu a abertura da 22ª Conferência Mundial de Promoção da Saúde, em Curitiba. No evento, o professor de economia política e sociologia da Universidade de Oxford, o inglês David Stuckler, defendeu que é na recessão que os governos mais deveriam investir em saúde.

    Ele alertou que o desinvestimento em épocas de menor crescimento coincide com a volta de epidemias e aumento de casos de suicídio.

    "O perigo é como os políticos respondem a isso [recessão]. Quando fazem cortes profundos, podem transformar adversidades [econômicas] em epidemias", completou. Ele explica que, desempregados, os trabalhadores e suas famílias são desvinculados de planos de saúde privados e há aumento da demanda na rede pública, que precisa estar preparada.

    Só lembrando que isso já está acontecendo por aqui. No último ano, houve uma debandada de 1,4 milhão de usuários de planos de saúde, a maioria motivada pelo desemprego.

    Autor do livro "Por que a Austeridade Mata? O Custo Humano das Políticas de Cortes", o professor de Oxford classificou de "desastre" a crise econômica grega de 2010. Segundo ele, em determinado momento, os profissionais de saúde ficaram sem material básico, como luvas e álcool. Lá, o impacto de corte em políticas de saúde resultou num surto de Aids e de malária. "Para economizar, não gastaram com spray de mosquito, o que se traduziu na maior epidemia de malária em três décadas", disse.

    Estejamos todos preparados: dias piores virão.

    cláudia collucci

    É repórter especial da Folha, especializada em saúde. Autora de "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'.
    Escreve às terças.

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