Páscoa no Tempo de Jesus
Como memória da saída do Egito e da manifestação de Deus nesta saída, a celebração da Páscoa era a festa por excelência, não só a mais importante mas também aquela cuja a profundidade e significado estabelecia uma identidade comum ao povo judeu.
Jerusalém, cidade santa, era o local central para a festa do “Dia de Javé”, tempo para a alegria da libertação, tempo de ação de graças.
A manifestação fundamental estava reservada para a refeição pascal, esta centrava-se no banquete em que era comido o cordeiro, que antes tinha sido imolado no Templo. O cordeiro tinha de ser adquirido quatro dias antes, 10 de Nizan, a sua imolação seria executada somente após o meio-dia do dia 14. Seguidamente iria efetuar-se a ceia pascal que se iniciava em entardecer do mesmo dia 14, ou seja início do dia 15 de Nizan, já que os dias iniciavam-se após o pôr-do-sol, e não á meia-noite.
O ritual iniciava-se com a preparação do primeiro cálice, em que se fazia a oração de louvor, e após tomarem os aperitivos dava-se a abertura da liturgia pascal que precedia o banquete. O pai de família ou o presidente da mesa dava uma explicação da ceia com base na seguinte passagem:
“Proclamarás, então, em voz alta diante do Senhor, teu Deus:
“Meu pai era arameu errante: desceu ao Egito com um pequeno número e ali viveu como estrangeiro, mas depois tornou-se um povo forte e numeroso. Então os egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos e impondo-nos dura escravidão.
Clamamos ao Senhor, Deus de nossos pais, e o Senhor ouviu o nosso clamor, viu a nossa humilhação, os nossos trabalhos e a nossa angustia, e fez-nos sair do Egito, com a sua mão forte e seu braço estendido, com grandes milagres, sinais e prodígios. Introduziu-nos nesta região e deu-nos esta terra, terra onde corre leite e mel. Por isso, aqui trago agora os primeiros frutos da terra de que me deste, Senhor!
Depois, colocarás isso diante do Senhor, teu Deus, e prostrar-te-ás diante do Senhor, teu Deus. Alegra-te por todos os bens que o Senhor, teu Deus, te der e à tua casa, tu, o levita e o estrangeiro que estiver no meio de ti!””
(Dt 25,5-11)
A partir deste texto eram feitas as diversas interpretações, no entanto dois elementos estavam sempre presentes: o cordeiro pascal, que obviamente os transportava para a lembrança de que Javé os havia poupado do extermínio, e também o pão ázimo que recordava a libertação da escravatura.
“Aleluia!Louvai, servos do Senhor,louvai o nome do Senhor.Bendito seja o nome do Senhor,agora e para sempre.Desde o nascer ao pôr-do-sol,seja louvado o nome do Senhor.O Senhor reina sobre as nações,a sua majestade está acima dos céus.Quem é como o Senhor, nosso Deus,quem tem o seu trono nas alturas?Ele se inclina, lá do alto,para observar o céu e a terra.Ele levanta do pó o indigente,e tira o pobre da miséria,para o fazer sentar entre os grandes do seu povo.Ele dá família à mulher estérilfaz dela a mãe feliz de muitos filhos.Alleluia!”(Sl, 113)
“Quando Israel saiu do Egito,e a casa de Jacob, do meio de um povo estranho,Judá torna-se santuário do Senhore Israel o seu domínio.Á vista disso, o mar afastou-see o Jordão voltou atrás.Os montes saltaram como carneirose as colinas, como cordeiros.Que tens, ó mar, para assim fugires,e tu, Jordão, para retrocederes?Montes, porque saltais como carneiros,e vós, colinas, como cordeiros?Treme, ó terra, com a chegada do Senhor,com a presença do Deus de Jacob,que transforma as rochas em lagoas,e as pedras, em fontes de água.”(Sl 114)
Após recitar a primeira parte do Hallel, que está transcrito em cima e que compreende os Salmos 113 e 114, bebia-se o segundo cálice e iniciava-se o banquete.
O pão ázimo era benzido pelo presidente do banquete, que em seguida partia e repartia por todos os participantes. Mais tarde realizava-se a bênção do terceiro cálice, o chamado “cálice da bênção” que assinalava o fim do banquete. Nesta altura recitava-se a segunda parte do Hallel (que pode ler-se em Sl 115-118) juntamente com o cântico de louvor sobre o quarto cálice. A ceia terminaria por volta da meia-noite, no entanto os participantes não deviam sair das suas casas ou tendas antes da manhã seguinte, continuando a festa por mais sete dias (Ázimos).
Qual o objetivo e conteúdo da festa?
Este é louvor da passagem da “não-vida à vida” é a primavera do povo, a sua origem. A evocação da saída do Egito em que Javé se manifesta de uma forma magnífica, é também um elemento agregador do povo para a realização de uma adoração e evocação em agradecimento profundo a Javé.
No entanto é importante salientar que o povo nunca associou a celebração, a comemoração ou o recordar a uma simples evocação de uma memória de um passado; segundo os doutores da lei, em cada geração existia a noção de que eram também “atores” concretos da saída do Egito. O Êxodo torna-se presente e vivo em cada pessoa e assim no povo, a simbologia do amargo da escravidão estava representado nas ervas amargas e a alegria da libertação para uma nova vida, apresentava-se no pão ázimo.
No olhar para o passado explica-se o presente, numa visão de passagem (Páscoa) da escravidão para a liberdade, no caminho para o futuro, que através da presença de Javé no passado se assegura a Sua presença para o que virá, enquanto lugar de esperança.
Desta forma a Páscoa era também uma celebração escatológica, em que interpelava à obediência e à fidelidade a Javé, enquanto razão, origem da vida e sustentação do destino do povo, Povo Eleito.
[Por Luís Carvalgo, ©No Encontro...]
[Imagem: Matzá, pão sem fermento utilizado na comemoração de Pessach.]