29/06/2015 07h14 - Atualizado em 29/06/2015 09h16

Demora da Justiça faz criança perder chance de adoção, mostra estudo

Em Belém, criança só é colocada para adoção após 1.561 dias, em média.
Pesquisa feita a pedido do CNJ revela burocracia em todo o país.

Thiago ReisDo G1, em São Paulo

Criança brinca em abrigo da Zona Sul de SP (Foto: Caio Kenji/G1)Criança brinca em abrigo da Zona Sul de SP (Foto: Caio Kenji/G1)
Adoção (Foto: Arte/G1)

Um estudo elaborado a pedido do Conselho Nacional de Justiça mostra que uma criança só é colocada para adoção após quatro anos, em média, nas principais cidades de três regiões do país (Norte, Centro-Oeste e Sul). No Sudeste, o processo de perda do poder familiar dura, em média, três anos e três meses.

Recife, a representante do Nordeste no estudo, é a única cidade onde esse processo leva menos de um ano. São, em média, nove meses – ainda assim, muito superior ao que preconiza a nova Lei de Adoção, aprovada há mais de cinco anos, que estipula um teto de 120 dias para a conclusão do procedimento.

Os dados fazem parte de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e obtida com exclusividade pelo G1. Para Marcelo Guedes Nunes, presidente da entidade e coordenador do estudo, os dados mostram “a face mais nefasta da morosidade do Judiciário”. “Uma coisa é um processo demorar e você não receber uma dívida. Outra coisa é o processo demorar e uma criança perder a chance de ter uma família. A criança entra no sistema em condições de ser adotada e devido à burocracia atinge uma idade em que ninguém mais a quer.”

 

Trata-se de uma corrida contra o tempo. Apenas 10% aceitam uma criança com mais de cinco anos de idade, segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção. Ou seja, com a demora nos processos, as crianças se tornam o que o estudo chama de “filhos do abrigo”. Há estimativas que apontam que apenas 10% das crianças espalhadas pelos abrigos do Brasil estão aptas à adoção.

Como uma criança só pode ser adotada se o vínculo com os pais biológicos for desfeito, o processo de destituição é um dos grandes problemas hoje. Segundo o presidente da ABJ, o que mais preocupa é o tempo que se leva para notificar os pais biológicos antes de colocar a criança formalmente para adoção.

“Há um artigo do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] que diz que o juiz é obrigado a esgotar todos os meios de citação. Então o juiz vai e pede ofício a todas as companhias telefônicas para tentar encontrar os pais. Se há alguma notícia de um parente, expede também ofício para tentar obter um endereço. Só essa etapa já leva muito tempo. Às vezes, um ano, mostra o estudo. E eu pergunto: por que o Estado deve ficar excessivamente preocupado em localizar uma pessoa que deixou um filho abandonado há quatro meses em um abrigo?”

Por que o Estado deve ficar excessivamente preocupado em localizar uma pessoa que deixou um filho abandonado há quatro meses em um abrigo?"
Marcelo Guedes Nunes, presidente da Associação Brasileira de Jurimetria

Para chegar aos resultados da pesquisa, foi feita uma coleta de dados por amostragem em varas de oito municípios (Belém, Recife, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianópolis e Porto Alegre), os que apresentam o maior volume de processos de todo o país. Os processos analisados foram distribuídos entre janeiro de 2007 e novembro de 2013.

Tempo de adoção
A pesquisa também mostra o tempo médio que uma criança leva para ser adotada assim que fica apta para o processo. No Centro-Oeste, no Sul e no Norte, por exemplo, uma criança que já teve o poder familiar destituído e aguarda uma família em um abrigo leva mais de dois anos, em média, para ser adotada. Isso, claro, quando isso ocorre – já que o estudo só leva em conta os processos em trâmite.

Adoção (Foto: Arte/G1)

No Sudeste, o tempo aproximado é de um ano e oito meses. Já no Nordeste, a média de duração de um processo na Justiça é de pouco mais de seis meses.

“Do ponto de vista legal, os entraves do processo de adoção convergiram à sua burocracia. Os muitos recursos interpostos pela Defensoria Pública, a demora na busca de genitores (quando a criança ainda não está destituída) e demais burocracias causadas por barreiras culturais em relação às relações pessoais (adoções prontas, nas quais a mãe escolhe o adotante) fazem do processo de adoção um procedimento mais moroso do que o satisfatório”, afirma o documento.

Adoção (Foto: Caio Kenji/G1)

Infraestrutura
O estudo também fez um questionário para juízes, promotores, assistentes sociais e psicólogos para avaliar a situação das varas, dos abrigos, dos conselhos tutelares e até do Cadastro Nacional.

Todos consideram que há carência de profissionais e que as equipes são insuficientes para suprir a demanda atual. Em relação aos abrigos, em nenhuma das regiões foi dada uma avaliação “ótima” para os locais. A maioria listou os locais como “regulares”, citando, além das estruturas muitas vezes precárias, a alta rotatividade dos funcionários e a falta de investimento na formação do adolescente como desafios a serem supridos.

Quanto aos conselhos tutelares, foram apontados diversos problemas, como a falta de motivação e ausência de capacitação.

Os entrevistados também fazem críticas ao cadastro, que acabou sendo reformulado neste ano, após a realização do estudo. O novo cadastro tenta suprir algumas falhas apontadas, como a qualidade dos registros e um sistema de buscas mais aprimorado.

Soluções
Para melhorar a situação atual, o estudo sugere algumas soluções. Entre elas, estão agilizar a guarda da criança e cumprir prazos, aumentar o número de profissionais, aprimorar os cursos com adotantes, criar varas especializadas e reduzir a insistência em manter as famílias biológicas.

“Para mim, a medida número 1 é um acordo entre Defensoria, Ministério Público e Tribunal de Justiça a respeito do que é um esforço razoável de citação dos pais biológicos. Em segundo lugar, criar um sistema que permita meios eletrônicos de localização, em que o Judiciário fique conectado a companhias telefônicas”, completa Nunes.

Crianças fazem atividades em abrigo de SP (Foto: Caio Kenji/G1)Crianças fazem atividades em abrigo de SP (Foto: Caio Kenji/G1)

 

Shopping
    busca de produtoscompare preços de