Aos 67 anos de carreira, Ângela Maria lança 1º CD a sós com voz e violão
"Centésimo décimo sexto? Não, não, agora é mais. Com esse, são 118 discos", diz a mulher de cabelos esvoaçantes sentada no café da Sala São Paulo, enquanto faz as contas nos dedos devidamente manicurados. Ângela Maria é uma pessoa numérica: 86 são os anos de vida, 67 deles dedicados à música, e 60 são os minutos de atraso para a entrevista, tempo gasto entre o cabeleireiro e o trânsito.
Mas sua carreira agora, garante, é regida pelo número um: o instrumento único que a acompanha em "Ângela à Vontade", álbum que lança em agosto e em que pela primeira vez gravou acompanhada somente por um violão, o de Ronaldo Rayol, 61.
"Sempre fiz discos com grandes orquestras, sinfônicas, corais, convidados. Muita coisa. Foi a estreia da minha voz a sós com as cordas."
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
Retrato da cantora Angela Maria no saguao da Sala São Paulo, na Luz |
Ângela, que preferia boleros e sambas-canção à bossa nova até então, diz ter encontrado no desafio, proposto por um produtor, um novo gosto: o minimalismo.
"Eu quero cantar aquilo de que gosto. E é mais fácil fazer isso sozinha." Fácil, sim, mas com algum risco, como gravar canções inéditas em sua voz.
É o caso de "Só Louco", de Dorival Caymmi, "uma letra que estava lá e eu não tinha tido coragem para mexer".
DISCO EXPRESSO
Além das novidades, o disco foi a chance de "mostrar a novas gerações aquilo que elas pre-ci-sam conhecer".
Angela passeia pelas notas de "Amendoim Torradinho", eleita música do ano de 1955 na voz de Sylvinha Telles. E mostra ainda ter uma lágrima na voz em "Retalho de Cetim", de Benito di Paula
O alcance vocal, que nas palavras de Elza Soares "chega a ser indecente", continua indefectível ao vivo. "Eu já conheço as músicas, é uma coisa de intuição." O disco saiu após três dias enfurnada em um estúdio na Pompeia.
"Quer um disco? Gravo pra você agora. Gosto de fazer tudo rápido. Espera. Nem tudo! Depende...", e dá risada.
Décadas atrás, conta, rescindiu o contrato com a gravadora Copacabana, para quem "devia" ainda três discos. "Em uma semana, gravei os três. Pá-pá-pá", sonoriza, batendo palmas.
"Isso porque ela ainda inventou de gravar três músicas a mais", diz o produtor Thiago Marques Luiz. De dez canções, o repertório acabou com 13 –o número do azar. "Nada de má sorte. Treze, pra mim, é número de sorte!".
Foi num dia 13, inclusive, que ela se casou com Daniel D'Ângelo, um ex-fã que foi seu noivo por décadas e agora finalmente ocupa o posto de marido. "Casamos faz um tempinho, sem essa coisa de festona. Não precisa", diz ela.
UM CATATAU DE VIDA
Nas próximas semanas, é capaz que a cantora dê a sorte de se encontrar estampando capas em livrarias.
Está prevista para outubro sua biografia, um catatau de 800 páginas escrito pelo jornalista Rodrigo Faour, que já biografou Cauby Peixoto, 84, e Dolores Duran (1930-1959).
"O livro nasceu como a pesquisa para um musical que queriam fazer sobre a Ângela", conta D'Ângelo.
O espetáculo foi adiado, mas Faour decidiu ir adiante com o material e transformá-lo numa biografia, "mais ou menos autorizada".
O marido lê trechos do manuscrito em voz alta e ela, que perdeu parte da visão do olho esquerdo para a diabetes, comenta. "Em alguns capítulos, como o dos casamentos [foram seis], ela diz: 'Preferia que essa parte não estivesse'."
"Não é caso de censura", diz o autor, "mas, se ela estivesse desagradada com algo, não ajudaria na divulgação."
Procurado para falar sobre o livro, o biógrafo disse não poder comentar ainda. "Ou a editora me mata!"
As páginas devem abordar histórias que parecem inverossímeis, mas de fato aconteceram, como a origem do apelido Sapoti, cunhado por Getúlio Vargas. Ângela se apresentara numa festa na década de 1940 e, enquanto circulava pelo jardim, se deparou com o então presidente sentado em um banco. Vargas a cumprimentou e disse algo na linha de: "Você tem a voz doce e a cor do sapoti", diz a lembrança dela.
BABALU
Mas o momento de reflexão não quer dizer que Ângela Maria vá virar uma contemplativa. "Quero é gravar o meu segundo CD acústico", diz ela, que até cogita uma versão de "Babalu" à capela.
Num show em Santos (SP) na semana passada, um fã de 11 anos desmaiou ao se deparar com a cantora. "Tenho fãs jovens. São mais de 7.000 no Facebook", ostenta ela, usando outra numeralha.
A agenda de shows também é matemática: são 18 apresentações até outubro, numa turnê que cobre Norte e Nordeste. "Todo mundo parou. Eu não! Vou até... sei lá. Vou."
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