ordem-de-monges

  1. Por séculos, a religião na Índia foi dividida entre dois movimentos contrastantes, a tradição brahmânica ortodoxa e a tradição asceta (samana) não ortodoxa.

Os brāhmanas ensinavam que a salvação poderia ser alcançada sendo um bom filho e um bom pai, e executando certos rituais fielmente. Os brāhmanas eram casados, geralmente com várias esposas, bem educados no conhecimento sagrado e secular, e mantinham a si e suas famílias com as taxas que eles recebiam realizando os rituais que se acreditava serem essenciais para a prosperidade nesta vida e no céu, na próxima. A tradição asceta, por outro lado, ensinava que a salvação só poderia ser alcançada compreendendo e transformando a mente. Para facilitar isso, renunciar à família e às responsabilidades sociais era considerado uma ajuda para libertar a pessoa de desnecessárias distrações. Experiências com vários exercícios meditativos e de yoga, e também a prática da auto-mortificação foram comuns a esse movimento. Essa tradição era representada pelo asceta (samana, paribbajaka, muni, tapasa, etc) que vivia sozinho, ou em pequenos bandos em uma floresta, ou em uma caverna na montanha, evitando a sociedade e suas convenções. Enquanto alguns ascetas viviam nus, muitos usavam roupas simples, habitualmente tingidas de amarelo, uma cor que os identificava como renunciantes do mundo. Na Índia, o amarelo era a cor da morte ou renúncia porque antes de uma folha cair da árvore ela se torna amarela. Quando o Príncipe Siddhattha  renunciou ao mundo, parece que ele automaticamente assumiu que o caminho do asceta, em vez do caminho do brāhmana, poderia levá-lo à verdade.

  1. Depois que ele se tornou o Buddha, ele viu a necessidade de uma fraternidade de ascetas dedicados a ajudar os outros a alcançar a iluminação e para transmitir o Dhamma através do espaço e do tempo. Consequentemente, como outros professores, ele fundou uma comunidade de monges (bhikkhu sangha), uma entidade autônoma legal, com suas próprias regras e regulações. O Buddha mudou a estrutura e as regras da Sangha conforme novas circunstâncias surgiam e no Vinaya Pitaka temos uma imagem desta evolução gradual. Ao longo dos séculos, enquanto que grandes impérios surgiram e se foram, a Sangha sobreviveu e prosperou, atuando como uma quieta testemunha da forma como o Dhamma deve ser vivido e como um meio para a propagação da civilização em toda a Ásia.
  2. Para se tornar um noviço (samanera) na Bhikkhu Sangha, tudo que era preciso era se aproximar de um monge com no mínimo dez anos de ordenação e pedir para ser aceito. A constatação que levava à decisão de renunciar ao mundo frequentemente vinha como resultado de ouvir os ensinamentos de Buddha, que geralmente era expresso como: “A vida em família é confinada e empoeirada, abandonar o lar é libertador. Não é fácil para quem mora em casa viver a vida santa perfeitamente completa, perfeitamente pura e polida como uma concha do mar. Suponha que eu corte o meu cabelo e barba, coloque [43] o manto amarelo e passe a não ter casa? Depois de o candidato raspar a cabeça e colocar seu manto, ele tinha que viver de acordo com os Dez Preceitos. O Buddha permitiu que até mesmo jovens se ordenassem como noviços. Depois de um noviço receber formação suficiente e ter pelo menos 20 anos de idade, ele poderia tomar a sua ordenação completa (upasampadā) e tornar-se um monge (bhikkhu).

Para fazer isso, ele teria que convocar uma assembleia de dez monges ou mais, com pelo menos dez anos de ordenação e que fossem respeitados por seus conhecimentos e virtudes. Ao candidato seria então questionado onze perguntas para determinar a sua aptidão, seus motivos e sua preparação. (1) Você está livre da enfermidade? (2) Você é um ser humano? (3) Você é um homem? (4) Você é um homem livre? (5) Você está livre de dívidas? (6) Você tem obrigações para com o rei? (7) Você tem a permissão de seus pais? (8) Você tem, pelo menos, vinte anos de idade? (9) Você tem a sua tigela e seu manto? (10) Qual é o seu nome? (11) Qual é o nome do seu professor? Se o candidato respondeu a essas perguntas de forma satisfatória, depois requereu a mais alta ordenação três vezes, e se ninguém levantou qualquer objeção, ele era considerado um monge.

  1. Os monges buddhistas chamavam a si próprios e eram conhecidos por outros como ‘Os Filhos do Sakya (Sakyaputta). Um monge poderia usar bens de propriedade comum à comunidade monástica, mas ele próprio só poderia possuir oito essenciais (atthapirika). Eles eram (1) um manto externo (cāvara), (2) um manto interior, (3) um manto grosso para o inverno, (4) uma [44] tigela de alimentos com a qual ele coletava sua comida, (5) uma lâmina, (6) uma agulha e linha, (7), um cinto, e (8) um filtro de água para purificar a água e remover dela pequenas criaturas.

De um monge era esperado carregar tudo o que possuia quando viajasse “assim como um pássaro leva apenas suas duas asas para onde quer que seja”.

  1. Se as pessoas quiserem presentear um monge, ele poderia aceitar apenas alimentos ou qualquer um daqueles oito itens básicos, qualquer outra coisa – terreno, um edifício, roupa ou grãos, etc – só poderia ser aceita em nome de toda a comunidade e, assim, tornar-se-ia propriedade de todos. Ao se tornar um monge, a pessoa passa a ser obrigada a seguir o Pātimokkha, as duzentas e vinte e sete regras, que norteiam a disciplina e o funcionamento da Sangha. As regras foram divididos em oito categorias de acordo com a punição correspondente caso elas sejam violadas. As regras mais importantes eram as quatro pārājikas que, se um monge quebrasse, ele seria automaticamente expulso da Sangha e não poderia ser ordenado novamente no futuro. Elas eram: (1) relação sexual, (2) roubo, (3) assassinato, e (4) falsamente alegar ter poderes psíquicos ou realizações espirituais. A palavra pārājika significa literalmente ‘derrota’ e significa que a pessoa que quebrou qualquer uma dessas regras foi derrotada por seu desejo, ódio ou orgulho. Outras regras importantes foram os treze sanghadisesa, que em caso de violação, requer a confissão, e nissaggiya pacittiya, trinta regras relativas às posses que, se violadas, são punidos com perda dessas posses. Outras regras regem a etiqueta, resolução de conflitos e administração.

Devido ao fato de que essas regras, as quais estão todas registradas no Vinaya Pitaka, foram feitas para manter a disciplina e resolver os problemas que sempre surgem quando as pessoas vivem juntas, elas não são absolutas. O Buddha disse que poderiam ser alteradas ou modificadas de acordo com as circunstâncias. Antes de atingir o Nirvāna final, ele disse aos monges: “Se quiserem, a Sangha pode abolir as [3] regras menores depois da minha passagem”.

  1. Como todos os ascetas da época, monges buddhistas passavam a maior parte do ano vagando de lugar para lugar. Essa mobilidade dava aos monges a oportunidade de reunir-se com um grande número de pessoas para as quais eles podiam ensinar o Dhamma e também garantia que eles não pudessem acumular bens. No entanto, uma das regras para monges foi que eles tinham que se assentar e ficar em um local durante os três meses da sessão chuvosa (vassa). Esse período de ficar parado foi necessário em virtude do fato de que qualquer viagem era difícil durante a estação chuvosa, mas os monges usaram isso como uma oportunidade para a meditação intensificada. O número de tais períodos de meditação em retiro que um monge tinha tido era uma marca de sua maturidade e experiência e, em seguida, como agora, quando os monges se conhecem eles perguntam uns aos outros: “Quantas chuvas (vassa) você já teve?”
  2. Para manter a disciplina e reforçar na Sangha valores comuns, era necessário que os monges tivessem uma vida em comunidade, com a participação de todos. Algumas [46] áreas chamadas de sima eram demarcadas e todos os monges que viviam dentro dessa área se reuniam duas vezes por mês, sendo este encontro chamada de Uposatha.

Durante o Uposatha, o Pātimokkha era recitado, brechas na disciplina eram confessadas e a punição distribuída, questões concernentes à comunidade eram tratadas e, claro, o Dhamma era discutido. Se decisões tinham de ser feitas, cada monge poderia dar sua opinião e tinha o direito de votar nas decisões. O Uposatha tinha um papel importante na reafirmação da identidade da Sangha, fortalecendo o companheirismo e, em particular, preservando e transmitindo o Dhamma.

  1. No princípio não havia monjas, mas, à medida em que o Dhamma se tornou mais popular e disseminado, as mulheres gradualmente interessaram-se mais em adotar a vida monástica. Durante uma das visitas do Buddha a Kapilavatthu, brevemente após a morte de seu pai, Mahā Pajāpatī Gotamī, sua mãe adotiva, abordou-o e perguntou se poderia ser ordenada. O Buddha recusou-se e Mahā Pajāpatī Gotamī se partiu em lágrimas. Após a partida do Buddha de Kapilavatthu para Vesali, ela raspou sua cabeça, vestiu o manto amarelo e também partiu na direção de Vesali. Ela chegou coberta de poeira, com seus pés cortados e inchados e com lágrimas escorrendo pela face. Ela pediu que Ananda se aproximasse do Buddha e lhe perguntasse, mais uma vez, se poderia ser ordenada. E ele recusou de novo. Ānanda condoeu-se por Mahā Pajāpatī Gotamī e decidiu interceder por ela. Primeiro, perguntou ao Buddha se as mulheres tinham o mesmo potencial espiritual que os homens. Buddha respondeu: “Mulheres, saindo do lar para a vida sem lar no Dhamma e na disciplina ensinada pelo Buddha, são capazes de alcançar os frutos do Vencedor-da-Corrente, do Uma-Vez-Retornante, do Não-Retornante e do Estado de Arahant”. Então Ānanda pediu ao Buddha para considerar o quanto a sua madrasta o ajudou. “Senhor, se as mulheres também podem realizar os mesmos estágios dos homens, e como Mahā Pajāpatī Gotamī foi muito generosa com o senhor – ela é sua tia, sua madrasta, sua enfermeira, ela deu ao senhor o leite dela, e o amamentou quando sua mãe morreu – então, seria bom se as mulheres pudessem deixar o lar e entrar para o caminho do Dhamma e da disciplina ensinada pelo Tathāgata”.
  2. Por fim, o Buddha concordou, mas estipulou que as monjas deveriam seguir algumas regras adicionais. As regras especiais para as monjas eram: (1) no que se refere a demonstrações de respeito e deferência, um monge sempre terá prioridade sobre uma monja, (2) uma monja deve fazer o retiro das chuvas em um local separado dos monges, (3) as monjas devem consultar os monges sobre a data de observância do Uposatha e ensinamentos do Dhamma, (4) quando uma monja comete alguma transgressão, ela deve confessar perante a comunidade de monjas e de monges, (5) uma monja que tenha violado uma regra importante deve ser submetida a uma punição perante monjas e monges, (6) uma monja deve ser ordenada por uma assembleia composta de monjas e de monges, (7) as monjas não devem agredir ou vilipendiar um monge e (8) uma monja não deve ensinar um monge.

Mahā Pajāpatī Gotamī aceitou estas regras suplementares, e, assim [4], a Ordem de Monjas (Bhikkhuni Sangha) foi inaugurada.

  1. No entanto, o Buddha parece ter pensado que, com homens e mulheres juntos, a tarefa de manter o celibato (brahmacariya), um aspecto importante da vida monástica, seria difícil. Mais tarde, ele afirmou que agora que havia monges e monjas, uma ordem celibatária só iria durar por quinhentos anos. Curiosamente, sua previsão provou ser bastante precisa. Por volta do 7º século DEC, determinados grupos de monges estavam começando a se casar, uma tendência que, juntamente com outras circunstâncias, eventualmente levou ao declínio do Buddhismo na Índia. Felizmente, na maioria dos países buddhistas, monges e monjas continuam a praticar o celibato e a defender os valores originais da vida monástica.

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Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com o autor
Para Distribuição Gratuita
© 2016 Edições Nalanda

Nota: Este artigo é parte da série O Buddha & Seus Discípulos que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.


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