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Tony Bellotto traz de volta Remo Bellini, seu personagem mais famoso

Guitarrista e escritor retoma detetive, criado há quase 20 anos e agora envolvido em sequestro

Bellotto na ativa: saudade de Bellini bateu após preparar uma graphic novel, que sai em 2015
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Jorge Bispo
Bellotto na ativa: saudade de Bellini bateu após preparar uma graphic novel, que sai em 2015 Foto: / Jorge Bispo

RIO — Visto pela última vez nas telas do cinema (em 2008, quando estreou a adaptação de “Bellini e o demônio”, livro lançado 11 anos antes), o detetive Remo Bellini fechou o escritório e deu um tempo na rotina de investigações movidas por blues, birita e beldades. Já o seu mentor, o escritor (e guitarrista dos Titãs, e colunista do GLOBO) Tony Bellotto aproveitou a folga da criatura para explorar outros protagonistas em livros como “Os insones”, “No buraco” e “Machu Picchu”. Mas bastou um chamado seu para que o charmoso e sempre irônico personagem desse as caras. “Bellini e o labirinto”, que a Companhia das Letras pôs nas livrarias este mês, vem para completar uma tetralogia com “Bellini e a esfinge” (1995), “Bellini e o demônio” e “Bellini e os espíritos” (2005).

— Desde o começo, não quis ficar refém de um personagem só. O meu ídolo na literatura policial, o (escritor belga Georges) Simenon, alternava o (comissário) Maigret com outros personagens — revela Bellotto, hoje um tanto cansado com a forma pejorativa como o gênero é tratado no ambiente dos escritores. — Sempre fui movido pela literatura, seja (Raymond) Chandler ou (Gustave) Flaubert. Quis então me exercitar em livros que não fossem comprometidos com o policial.

Por sugestão do editor da Companhia das Letras André Conti, o escritor retomou Bellini, no ano passado, para uma graphic novel. Ele escreveu para o quadrinista Pedro Franz o roteiro de “Bellini e o Corvo”, que a editora pretende lançar no começo de 2015. E aí sentiu de verdade a saudade do personagem. Ao mesmo tempo, ficou animado com a microssérie de TV “O canto da sereia”, baseada em romance de Nelson Motta, que põe a trama policial num ambiente de música popular (no caso, o do axé de Salvador).

— O (escritor) Reinaldo Moraes sempre me dizia que eu tinha que encaixar o Bellini no mundo da música, do qual ele sempre passou longe. Isso me ajudou a redescobrir o prazer de escrever uma história para ele — conta Bellotto, que agora, em “Bellini e o labirinto”, o põe no meio da investigação do sequestro de Brandão, da dupla sertaneja Marlon & Brandão.

GOIÂNIA É PERSONAGEM

Nada de estranho, porém. O guitarrista dos Titãs diz ter uma ligação muito forte com a música sertaneja, que conheceu na infância interiorana, na cidade paulista de Assis, e que viu crescer nas mãos de companheiros de estrada, como Chitãozinho & Xororó e Zezé di Camargo & Luciano.

— Me assombra o gigantismo da produção que esse tipo de música tomou. Algumas duplas são como empresas, muito organizadas. Não são que nem os Titãs, que só ficavam torrando dinheiro — brinca Bellotto. — E o Bellini, que tem um olhar crítico sobre todos os aspectos da vida, pode fazer considerações sobre esse mundo que eu, particularmente, não faria.

A trama de “Bellini e o labirinto” se passa em Goiânia, meca da nova música música sertaneja. No melhor estilo dos romances policiais, a cidade é também ela um personagem.

— Goiânia sempre me intrigou, desde a primeira vez em que os Titãs foram lá, no começo da carreira. É uma cidade paradoxal: ao mesmo tempo cosmopolita e provinciana, do interior profundo do Brasil. E, apesar de todo o sertanejo, tem uma plateia de rock ensandecida, que superava em loucura até as de Rio e São Paulo. Achava que era o momento de ir fundo nesses mistérios — conta Bellotto, que, no livro, lembra ainda que a cidade entrou para a História como palco do maior acidente radioativo do Brasil, em 1987, quando catadores de ferro velho abriram um aparelho usado em radioterapia e expuseram milhares de pessoas à contaminação do Césio-137 (quatro acabariam morrendo).

Na sua volta às páginas, Bellini está mais maduro e desencantado. Coisa, para Bellotto, bem natural.

— Comecei a escrever os livros do Bellini quando tinha 30 e poucos anos, aquela idade em que você vira adulto. Eu punha no personagem a percepção daquela virada. Aos 50, vivi outra virada. E agora, com 54, vejo-o mais como um cara solitário, fracassado em vários sentidos, mais próximo do fim da vida. Tive muitos questionamentos sobre a finitude, li muito Philip Roth, e isso está no Bellini.

CONFIRA UM TRECHO DE “BELLINI E O LABIRINTO”

"Como você sabe que ele foi sequestrado? O Brandão não pode ter entrado no carro de uma fã? Deve estar contemplando a alvorada no acostamento ou escornado num quarto de motel. Ele nunca desapareceu antes?"

"Não desse jeito, largando o carro no meio da estrada e deixando a carteira e o celular pra trás."

"O Brandão bebe?"

"Só energéticos. Somos abstêmios."

Luis Buñuel não confiava em homens abstêmios. Infelizmente não posso me dar ao luxo de ser tão exigente com meus clientes.

"Drogas?"

"Não! Somos evangélicos. Nosso coração é puro, como o de Jesus."

"Não se fazem mais pop stars como antigamente", eu disse.

"Você é um cara estranho, Bellini."

"Muito cedo para elogios, Marlon. Relaxa."