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Bispos não são obrigados a denunciar abuso infantil, orienta Vaticano

Cartilha sugere que membros do clero devem lidar com os episódios internamente e que denúncia caberia às famílias

Bispo presta atenção em discurso do Papa Francisco, no Sínodo sobre a Família, em 2014
Foto: ANDREAS SOLARO / AFP
Bispo presta atenção em discurso do Papa Francisco, no Sínodo sobre a Família, em 2014 Foto: ANDREAS SOLARO / AFP

CIDADE DO VATICANO — Um documento divulgado recentemente pela Igreja Católica indica que bispos recém-nomeados não são obrigados a denunciar casos de abuso sexual infantil por parte de clérigos. Segundo a cartilha, que rege como membros da instituição devem lidar com acusações do tipo, sugere que a decisão de reportar o crime à polícia cabe às vítimas e suas famílias. A orientação, no entanto, vai de encontro à promessa do Papa Francisco de uma política de tolerância zero contra agressões a crianças.

As diretrizes ainda apontam que o bispo deve estar a par da legislação local, mas enfatiza que sua obrigação é apenas encaminhar as denúncias às autoridades da Igreja.

“De acordo com a leis civis de cada território onde a denúncia (à polícia) é obrigatória, não é necessariamente dever do bispo reportar as suspeitas no momento em que ficam sabendo de crimes ou atos pecaminosos”, atesta o documento.

Apesar de a cartilha reconhecer que a Igreja Católica foi “particularmente afetada” por crimes sexuais cometidos contra crianças, o documento minimiza sua parcela de culpa e afirma que a maior parte dos casos são cometidos por parentes, amigos ou vizinhos, informou o “The Guardian”. Mas a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores, que aparentemente não influiu muito na redação das regras, sustenta que a denúncia é uma obrigação moral, independente se as leis civis obrigam ou não o registro, segundo uma fonte citada pelo jornal britânico.

Divulgado pelo Vaticano no início do mês, as diretrizes são parte de um amplo treinamento de bispos e foram escritas pelo polêmico monsenhor e psicoterapeuta Tony Anatrella, ora consultor do Conselho Pontifício para a Família.

— É perigoso que tantos acreditem no mito que bispos estão mudando a forma como lidam com casos de abuso, e que tão pouca atenção é voltada quando as evidências que mostram o contrário emergem — ressaltou o grupo Snap, que advoga na causa do abuso infantil e que tem criticado o Papa Francisco no tema.

Em 2012, Francisco contou em uma entrevista, quando ainda era cardeal, que uma vez foi requisitado por um bispo em dúvida se reportava ou não alegações de abuso sexual. Na época, o atual papa o orientou a tirar as licenças dos padres e a conduzir um julgamento canônico, que lidasse com a questão internamente.