Semear para colher: aprendendo com o Ingá-Açu

Certamente uma das coisas mais bonitas da vida é poder acompanhar o germinar de uma semente, o crescimento da muda, a primeira flor, a maturação dos frutos. Tudo no seu devido tempo. Muitas vezes antes do que esperado, outras tantas depois de longos e longos períodos de espera.

Germinar sementes pode ser uma excelente oportunidade de estudos, pesquisas e investigações. Além da contemplação de sentimentos que nutrimos pelo desenvolvimento da planta, a empatia, expectativa e emoção.

Pessoalmente tenho muitas histórias sobre sementes que coletei, ganhei e pude germinar. Mas há uma, muito especial, que é um presente recente: uma grande vagem de metro de um ingá. Nesta vagem de ingá-açu – grandiosa como o próprio nome açu, de origem Tupi, diz – encontrei 17 sementes.

A espécie Inga edulis pode atingir até 20m de altura e ocorre de maneira natural na América do Sul e em diversos biomas brasileiros incluindo a Amazônia, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. Está presente em todos estados da região norte e Mato Grosso no centro-oeste, também desde Pernambuco e Paraíba, conectando-se ao sudeste pela Bahia até Santa Catarina na região sul.

O gênero botânico Inga possui mais de 300 espécies diferentes distribuídas em todos esses territórios, mas a maior diversidade fica na região Amazônica.

Suas flores de cor amarela esbranquiçada lembram um pompom por terem muitos estames expostos – parte masculina da flor. A observação cuidadosa das folhas, também muito características do gênero, e de cada detalhe da morfologia da planta é que proporciona a identificação da espécie.

Da família Fabaceae e subfamília Mimosoideae, os ingás são muito frequentes junto às margens de lagos e rios. Sua vagem, na maioria das espécies, tem tamanho entre 10 e 30 cm, no caso do Inga edulis os frutos chegam a ficar com cerca de 50 cm de comprimento. Todas as sementes são protegidas por um arilo ou polpa branco de sabor adocicado que pode ser consumido in-natura por humanos, mas é essencial na alimentação de muitas aves, peixes e mamíferos como os macacos. O gênero Inga é nome de origem indígena e significa empapado ou ensopado.

O ingá-açu é também conhecido por diversos nomes populares como ingá-cipó, ingá-de-metro, ingá-timbó, ingá-rabo-de-mico, ingá-macarrão, ingá-doce entre muitos outros, cada nome refletindo a cultura da região onde está presente.

A árvore que é “mãe” da vagem que ganhei, mora em Piracicaba no estado de São Paulo. Ela foi colocada para germinar em um vaso entre 2008 e 2009. E a “avó” dela é uma sementinha que já estava germinada, vinda da Amazônia, guardada em uma garrafa para mantê-la preservada até chegar em São Paulo. Os guardiões dessa linha ancestral das sementes que germinei são Toni e Marta, um casal que vive e respira natureza em tudo que fazem, com muito amor, carinho e criatividade. Ao lado foto do Toni com a árvore mãe.

Logo que a vagem do ingá chegou em minhas mãos, muitas pessoas com quem eu encontrava admiravam o tamanho e a forma da vagem. Sentir a textura da casca e carregar ela comigo, onde quer que eu fosse, por alguns dias era como cuidar de um tesouro. Ela ficou junto comigo, na mesa de trabalho e na sala de estar, até o dia em que a levei para o viveiro para plantar.

Enquanto abria a vagem, observava as sementes com as pequenas folhas já despontando. Ao separar cada semente da casca do fruto, senti suas raízes entrelaçadas e as removia cuidadosamente. Cada semente fica protegida por uma cobertura suave, macia e branca, com uma textura que lembra um tecido felpudo recoberto de orvalho.

Este arilo se desprendia com facilidade e todas que estavam claras eu degustava, trata-se da parte mais saborosa e doce da planta. Em literatura sobre plantas alimentícias não convencionaisPANCs – é fácil encontrar receitas feitas com a polpa e com a farinha das sementes assadas. As vagens do ingá-cipó podem ser encontradas com facilidade nos mercados da região amazônica onde são vendidos feixes com diversas vagens ainda por abrir.

Coloquei cada semente cuidadosamente em um saquinho com terra adubada e bastante solta. Posicionei as raízes voltadas para baixo e as folhas perto da superfície, recobrindo com um pouco de terra. Reguei com água abundante e ainda mantive em uma caixa plástica todos os saquinhos juntos para que eles perdessem menos umidade.

 

 

Como uma metáfora para nossa própria vida, no dia-a-dia plantamos sementes com nossos sentimentos, pensamentos, intenções e ações.

Então, vamos cultivar e cuidar com carinho de todas as sementes que colocamos para germinar, permitindo que elas deem lindas flores e frutos saborosos para nós e toda a fauna existente.

 

 

Fotos: Haplochromis/Wikimedia Commons Arquivo Pessoal Toni/Marta (árvore mãe) e Juliana Gatti (sementes e vagem) 

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Juliana Gatti

Mestranda na área de Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável, sua pesquisa dedica-se a avaliar a influência da natureza na qualidade de vida de crianças e sociedade. Idealizou o Instituto Árvores Vivas em 2006, onde promove ações de conexão com a natureza por meio de apreciação, restauração e fomento da cultura ambiental.