Nossa melhor dobradinha

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Ontem, completaram-se 24 anos desde o GP do Japão de 1990, uma das corridas mais simbólicas para o automobilismo brasileiro. Confira entrevista com Roberto Pupo Moreno, um dos principais personagens de Suzuka naquele dia.

Nossa página no Facebook não nos deixa esquecer: dia 21 de outubro completaram-se 24 anos desde a conquista do bicampeonato de Ayrton Senna. E, tão importante quanto, também 24 anos desde a última dobradinha brasileira na Fórmula 1.

Em linhas gerais, todo fã conhece a história. Senna sentiu-se prejudicado de maneira deliberada após conquistar a pole position, perdeu a liderança no arranque inicial e atacou a primeira curva determinado a passar ou bater com o rival Alain Prost. Com os dois favoritos fora logo no início a corrida caía no colo de Berger, que tratou de sair da equação logo na volta seguinte, ao rodar sobre os espólios da carnificina. Restava a Ferrai de Mansell, que não resistiu ao pé pesado do Leão no arranque após a troca de pneus. E assim restou a Nelson Piquet e seu amigo de infância Roberto Pupo Moreno superarem as duas Williams para fazerem, ao lado de Aguri Suzuki, aquele que muitos consideram como o pódio mais legal em toda a história da Fórmula 1.

É nos detalhes que pouca gente conhece, no entanto, que residem os fatores que fazem desta corrida uma história maior que o próprio esporte. E para relembrá-los, ninguém melhor que o próprio Moreno, na 1ª entrevista que fiz com ele, para o especial que eu e meu irmão Lucas Giavoni fizemos nos tempos do Última Volta sobre as então 99 vitórias do Brasil na Fórmula 1.

Depois de um ano difícil na Coloni em 1989 você assinou com a EuroBrun, e começou 1990 com um ótimo desempenho em Phoenix, classificando o carro com o 16º tempo. Depois disso o carro piorou muito, e você só voltou a se classificar mais uma vez, em San Marino. O que aconteceu?

Bom, a realidade é que a equipe era tocada na pista pela estrutura e pelo staff da Euroracing do (Giampaolo) Pavanello, e sustentada nos bastidores pelo (Walter) Brun. E o Brun mandava para a equipe um valor fixo por corrida, independente do carro se qualificar ou não. Então, se eu não passasse pela pré-qualificação, o Pavanello pegava o dinheirinho dele e comprava um jogo de pneus, levava um motor para várias corridas, e o restante entrava na fábrica dele. Isso em toda corrida. E na fábrica dele eram quatro famílias que viviam do dinheiro do Brun.

Quer dizer, no fim das contas eles tinham interesse em que você não classificasse…

Eu só descobri isso na corrida antes do Japão. Vou te dar uns exemplos. Nos EUA, quando eu me classifiquei, eles tiveram que revisar motor e conseguir um segundo motor, e comprar mais um jogo de pneus. Então quando eu cheguei ao Brasil, para a segunda corrida do ano, eu ia classificar, cara. A pista tava úmida e começou a secar, durante a pré-qualificação, e eu era um segundo mais rápido que o segundo colocado. E cada volta que eu dava era mais rápida que a outra. O engenheiro da minha equipe era um cara que era amigo meu, que eu tinha levado para a equipe, o Kees Van DerGrint, que anos mais tarde seria chefe da Bridgestone. Numa certa altura ele viu que estava acabando meu combustível e disse que era hora de me chamarem para os boxes. Aí o pessoal da equipe respondeu: “Ah, deixa ele dar mais uma voltinha… Ele tá andando bem…”

Só pra você ter uma pane seca…

E foi o que aconteceu, lá no Lago. E eu não entendi nada… Aí a pista secou de vez, os outros melhoraram e eu não classifiquei. E assim foi durante todo o ano. Na Espanha eu dei uma volta muito boa e tinha certeza de que tinha classificado. Mal eu passei pela bandeirada acabou meu combustível, e eu voltei a pé para os boxes. Aí quando eu cheguei. ele estava sorrindo pra mim. Eu sabia que eu tinha virado uma volta muito rápida, e pensei que tinha classificado. Aí ele bateu nas minhas costas e ironizou: “Passou pertinho…”

Tava feliz da vida que você não tinha conseguido…

É cara… Aí eu parti pra cima dele e tiveram que me segurar. E foi aí que o filho dele me chamou num canto e abriu o jogo comigo. “Cara, nós somos quatro famílias, e toda vez que você classifica esse carro a gente não recebe”. Foi também aí que me disseram que a equipe ia fechar. Então eu fui para Mônaco e comecei a pensar em 1991. E naquela altura o único lugar que ainda estava em aberto era na Brabham. Era o Herbie Blash quem estava tomando conta da equipe naquela época.

Aquele foi um momento decisivo, porque na semana seguinte o pessoal ia para o Japão, depois iam para a Austrália, e depois iam tirar um mês de férias e todo mundo ia sumir. Então se eu não negociasse o meu futuro naquela hora, eu corria o sério risco de não correr no ano seguinte. Então lá pela quarta-feira eu telefonei para o Herbie, e ele me tratou super bem, me incentivou a passar lá na Brabham e falar com ele. Marcamos para o dia seguinte. Aí nesse dia, quando eu telefonei novamente, ele já estava diferente, dizendo que era melhor adiar. Então, quando foi na sexta, eu já nem telefonei. Simplesmente peguei o avião e fui, na malandragem. Aí quando eram 10 da manhã eu entrei numa cabine telefônica em Heathow e telefonei para ele, dizendo que já estava lá.

Aí, como eu previa, ele começou a me enrolar. Disse que eu deveria ter ligado antes, que estava super ocupado e tal. Por fim ele concordou em me dar 10 minutos lá pelas 4 da tarde. Aí eu vi que era conversa fiada. Então eu peguei meu caderninho de telefones, que naquela época só tinha nomes ligados às corridas, e liguei pro (Nobuhiko) Kawamoto, que na época era presidente de desenvolvimento da Honda, liguei pro (Ron) Tauranac, da Ralt, pro Gary Anderson, liguei para uns três lá. E liguei para o (John) Barnard, com quem eu tinha trabalhado na Ferrari em 1988, e que agora era projetista da Benetton.

Aí conversa vai, conversa vem, eu disse que tava procurando emprego. Ele ainda brincou: “Pô, de novo, Roberto?” E eu falei: “É a história da minha vida, né John?” Aí ele me pediu para dar uma passada na Benetton depois de ir na Brabham, para ajudá-lo com alguns moldes para o modelo de madeira do chassi de 1991. Ele precisava definir posição de volante e interruptores, essas coisas. Eu falei: “Tá, você me paga um chá que eu vou aí”.

E aí quando eu estava na Brabham a secretária dele (Barnard) me ligou, perguntando se eu ia mesmo à Benetton. Eu disse que estaria lá em 40 minutos, e quando cheguei na fábrica eu não sei se ele me viu pela janela, só sei que mal eu saí do carro ele já tinha ido lá fora me receber. O cabelo em pé, as orelhas vermelhas, e o Barnard costumava ser malcriado pra burro quando estava assim. Eu olhei e falei: “John, será que eu devo voltar amanhã para a gente tomar aquele chá?”

(Risos)

Mas não, ele tava mesmo querendo muito falar comigo. Então me levou lá para a sala dele, e o telefone tocou assim que ele sentou na sala. Era o (Michael) Kranefuss, da Ford, falando sobre o Michael Andretti, e eu tava boiando ali, né? Aí, quando ele desligou o telefone, liga logo em seguida o Andrea de Cesaris. Por fim quando ele desligou com o Andrea ele puxou o fio da parede, respirou fundo e falou: “Roberto, às 14h de hoje o Nannini perdeu um braço num acidente de helicóptero. A equipe praticamente já foi para o Japão, tem só alguns mecânicos aqui, e a gente precisa de dois carros lá no Japão. Você ta vendo o telefone tocando aqui, e isso tá assim desde as 2 horas da tarde, cara”.

Todo mundo querendo pegar a vaga…

É. E ele continuou: “Você foi o único que ligou antes do acidente. Você quer dirigir?” Eu olhei bem para a cara dele, e quase escorreguei na cadeira. Eu falei: “John, dá para a gente tomar aquele chá agora?”

(Risos)

Juro que eu falei. Ele me deu uma hora para decidir. Então eu fiz os tais moldes, tomei o chá, e aceitei correr. Ele pegou o telefone, colocou na minha frente, e pediu que eu telefonasse para a EuroBrun. Já devia ser umas sete da noite, e eu liguei para a Suíça, para falar diretamente com o Brun. E, para minha surpresa, a secretária atendeu dizendo que eles tinham feito uma reunião para decidir o futuro da equipe, e que queriam me avisar que não iam correr mais.

Então o John já começou a esquematizar tudo. No dia seguinte íamos fazer o banco, ele já se encarregou de avisar ao Briatore, que tinha outros nomes em mente, e disse que se o Nelson aprovasse eu estaria dentro. Claro que o Nelson aprovou, e a coisa foi assim. Então eu pedi que o pessoal da EuroBrun colocasse aquilo tudo num fax para mim, e já comecei a dormir no horário do Japão. Eles me perguntaram por que eu queria aquilo por escrito, e quando eu disse que ia correr pela Benetton eles começaram a me enrolar…

Ao invés de me mandarem o fax, um dos diretores me pediu que o pegasse no aeroporto no dia seguinte, quando ele me entregaria uma carta. Aí no dia seguinte, quando nos encontramos, ele começou a me cercar. Ficou falando dos problemas da equipe, das dificuldades financeiras, até que falou que se a Benetton desse 30 mil dólares para eles ficava tudo ok. Cara… Eu puxei o freio de mão do carro (fazendo o som da derrapagem), abri a porta do passageiro e falei: “Desce!”

E aí, como ele não queria sair do carro, a gente discutiu, até que eu abri o porta-malas, peguei a mala dele e joguei lá longe. Aí ele teve que sair do carro para pegar a mala, eu arranquei e fui embora! Fiquei andando a uns 160 por hora para um lado e para outro sem saber o que fazer. Foi quando eu parei para telefonar para o John e ele me tranquilizou. A Benetton já esperava algo nesse sentido.

Confira a continuação da entrevista clicando aqui.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

2 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Nossa, que história!!!!

    Fiquei imaginando o de Cesaris junto com o Piquet na Benetton, rsrs, iriam se engalfinhar dentro da Benetton.

    Que chegue logo amanhã!!!!

    rsrs

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Fernando Marqyes disse:

    A primeira dobradinha foi com Pace e Emerson em 75 no Brasil.
    A ultima com Piquet e Moreno no Japão em 90.
    Certamente foram as melhores.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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