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fevereiro 19, 2014

E por falar em Motivação...

         Há pelo menos oito anos, de duas a três vezes em cada ano, sou contatado para falar aos profissionais da educação e quase que exclusivamente o convite é muito específico: ²queremos uma palestra, já que estamos no período de formação e vamos reiniciar as aulas, pensamos em uma palestra que motive os professores...². Varia muito pouco a solicitação, às vezes ela tem uma pequena introdução que destaca dificuldades vivenciadas, outras vezes é direta, quase uma linguagem psicótica, ²queremos uma fala sobre motivação².
         Nas primeiras solicitações, iniciava um debate com o solicitante para dizer que estava falando com um simples psicólogo que não possui varinhas mágicas ou malas de dinheiro para em pouco mais de quarenta minutos fazer as pessoas amarem aquilo que não amam ou fazerem aquilo que não desejam. Como percebia que o debate não alterava o pedido passei a argumentar e sugerir um trabalho focado na qualidade de vida do educador, abordando a síndrome de burnout. Na sequência trabalhava alguns pontos de efeito psicológico sensibilizando os ouvintes para a importância do cuidado de si. Para minha surpresa, nos lugares por onde passei, esta fala foi sempre bem acolhida. Em algumas ocasiões até utilizei músicas (voz e violão), o que era bem visto pelos participantes.
         Porém, ainda que a produção estivesse sendo aceita, algo continuava a inquietar-me: o que este pedido estava, e ainda está, querendo denunciar? A falência do sistema educacional? A baixa remuneração dos professores? As problemáticas familiares e sociais que os alunos apresentam e a falta de preparo dos profissionais para lidar com tal situação? (Vejam referi lidar, e não resolver, pois às vezes é nesta condição que o professor é colocado e se coloca). Estas questões até parecem bastante óbvias e recorrentes nos discursos, entretanto possuem pouco poder explicativo para minha indagação, ainda que sejam hipóteses plausíveis, ou como dizem os institucionalistas, bons analisadores!
         Eis que agora estou diante de uma nova solicitação, e o tema se repete! Por vezes sinto enorme vontade de criar uma palestra show daquelas que o participante assiste, ri e até chora. Ao término sai realizado, imaginando que fora transmutado para um novo mundo. Mas passada a empolgação negativa – pois classifico esta vontade como irônica e resultado da raiva – pergunto-me o que dizer, como dizer e como levar um grupo de pessoas, que devem influenciar pessoas, a refletir!
         Com esta problemática em minha mente, me pus a escrever para gravar  reflexões e me dou conta que a solicitação da palestra representa uma motivação, que podemos classificar como extrínseca, pois foi ela que ensejou a raiva que dá lugar a este ensaio. Então se o estopim foi externo busco forças internas para agir. Questionamentos, inquietações e até a raiva se transformam em combustível para resolver ou construir uma solução possível ao pedido feito. E o escrito que faço (ação) acontece por motivos externos, mas também internos, e talvez estes sejam os mais importantes. Quero dizer o que penso e sinto e aquilo que penso ser importante refletir sobre o tema e mais precisamente, possibilita criar uma solução temporária ao que a solicitação quer denunciar.
         Mas afinal professor(a), o que te faz ser professor? O que te faz sair de casa e entregar-te em relações humanas e processos e ensino-aprendizagem? Que desejo te movimenta? Que sonhos alimentam o teu fazer no mundo? O que te motiva? As respostas a estas perguntas vão apontar se sua motivação é de origem extrínseca ou intrínseca. A primeira vem de fora, a segunda é sua e somente sua. O interessante nisso tudo, é que se não houver nenhum ponto de motivação intrínseca colocada em qualquer ação, é difícil que a atividade realizada tenha sentido e significado. E assim sendo, um ato sem significado ou que não tenha sido significado é um ato inútil para a existência do sujeito, sua auto-estima, sua felicidade, sua realização.
         Parece fundamental trabalhar para (re)estabelecer o valor e significado positivo do papel social que desempenhas. Dessa forma alguns pontos motivacionais podem ser ativados e o fogo que anima o fazer poderá ter uma chama mais caudalosa. Neste instante, parece que surge uma luz nas trevas mas algum pensante mais cuidadoso (ou afobado) poderá perguntar: ²...mas como conseguir isso?² Se tivesse uma resposta poderia ocupar a ²cadeira de adivinho² mas não sirvo para esta função e ela também não cabe em meu fazer. Assim, novamente me permitirei pensar e tecer provocações!
         Embora muito (ou quase tudo) do sucateamento da educação esteja fora do controle de seus agentes fundamentais (os professores) por estarem vinculados as políticas, sistemas, burocracias, há uma questão que apresentam grande potência transformadora e motivacional. Está diretamente relacionada ao momento mágico (e que pode assumir a definição de trágico), que é o intervalo de tempo entre o sinal de início da aula e do final da mesma.
        Como vivemos este tempo? O que colocamos, investimos, doamos de nós neste tempo e neste espaço? Embora ele esteja atravessado por leis e diretrizes este momento é único, um momento de relação humana, ou melhor, relações humanas e como tal, multifacetado, plural e possível. O que fazemos deste momento? Como pensamos, sonhamos, idealizamos, realizamos este momento?
         Em meio aos questionamentos, ideias e reflexões pergunto-me se por aqui encontro uma ²chave² que possa auxiliar a resolver a solicitação da palestra. Ninguém motiva ninguém! O que podemos fazer influenciar ou convencer o outro. Convencer! Interessante, embora a palavra convencer possa encerrar em si um vencedor e um vencido, imediatamente ela apresenta algo fundamental até ao convencimento, a relação. Eu convenço ao outro, assim eu venço com o outro e se eu não convencer ainda assim ocorreu uma relação. Novamente, a relação humana está na cena! E se a relação está na cena, será que ela poderia ser ou figurar como a ²chave² para solucionar o problema?
         Outro pensamento que toma minha mente é da palavra motivação em si mesma. Se brincar com ela, posso escrever: MOTIVO – AÇÃO. Então, o que te faz agir? Porque não tentar agir em busca de significado que traz em si mesmo a realização? É interessante, parece que as solicitações das palestras carregam em si um significado único para a palavra motivação, a qual é exclusivamente entendida como algo externo a pessoa, ou seja, ²diga algo que me motive, me faça feliz e melhore meu desempenho rumo ao sucesso profissional². Este desejo é impossível de se realizar! Afirmo a impossibilidade na crença de que só alcança o desejo o sujeito estiver ativo, atuante, mobilizado por motivos pessoais, interpessoais, sociais, múltiplos. E novamente, esta ação se dá em geral na relação, mesmo que seja uma relação sua consigo (intrapessoal).
         E por falar em motivação, o que posso fazer é perguntar, fazer pensar, provocar. Afinal qual é seu motivo?

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