Universidades S/A

Negócios entre universidades públicas e empresas são alvo de investigação

Reportagem do GLOBO em conjunto com os jornais Zero Hora, Diário Catarinense, Gazeta do Povo e O Estado de São Paulo mostra falta de transparência nas relações entre instituições de ensino e companhias

por O Globo

Poucos discutem a necessidade de as universidades públicas se abrirem para uma relação com empresas e os benefícios que isso traz tanto para a academia quanto para a sociedade. Porém, o modelo também abre espaço para polêmica e irregularidades. Há negócios que resultam em mais lucros para alguns agentes privados do que para a comunidade. Contratos obscuros envolvem professores que são, em alguns casos, docentes e proprietários das empresas beneficiadas — o que é proibido por lei. E intermediações por fundações imersas em ilegalidades ajudam a maquiar a ausência de licitações em alguns empreendimentos.

Reportagem realizada em conjunto em cinco estados brasileiros pelos jornais O GLOBO, “Zero Hora”, “Diário Catarinense”, “Gazeta do Povo” e “O Estado de S. Paulo” fez uma radiografia das instituições que são berçários do conhecimento e da pesquisa do país. E constatou que, em vários casos, as relações entre universidades e empresas sofrem com falta de transparência.

Fundações acadêmicas são usadas, por exemplo, para mediar serviços de cifras milionárias e que muitas vezes nada têm a ver com os objetivos das universidades. É o caso de obras públicas que deveriam ser licitadas, mas cuja concorrência é burlada mediante o uso de especialistas convocados nas universidades. Já os professores, alguns com regime de dedicação exclusiva, multiplicam seus salários com trabalhos paralelos — mesmo que isso signifique, em certos casos, conflito ético ou atividade irregular, caso de docentes em Santa Maria (RS) que mantêm clínicas privadas.

Tudo isso ocorre porque brechas em um sistema pouco transparente facilitam o desvio de uma função fundamental dos convênios: manter a universidade atualizada e evitar que o conhecimento permaneça enclausurado na academia.

No Rio, por exemplo, O GLOBO mostra que seis professores contratados por dedicação exclusiva faturaram R$ 10 milhões a mais como pesquisadores-bolsistas e ainda são sócios de empresas subcontratadas sem licitação em serviços para a Petrobras (embora recebam para se dedicar apenas ao meio acadêmico).

FUNDAÇÕES RECEBERAM R$ 1,4 BILHÃO DA UNIÃO

No Paraná, a “Gazeta do Povo” revela como a universidade é usada para driblar licitações do conserto de estradas. No Rio Grande do Sul, o “Zero Hora” comprova que alguns docentes são mais bem pagos por hora trabalhada fora da universidade do que dentro dela. “O Estado de S. Paulo” revela que, dos R$ 88 milhões arrecadados com cursos ministrados por docentes da maior universidade do país, a USP, só 5% ficam com a instituição. Pouquíssima verba para uma autarquia que empresta seus prédios, seus equipamentos e seus melhores cérebros para esses convênios envolvendo outras entidades públicas e privadas.

Fundações, aliás, são parte fundamental da caixa-preta das universidades. Entre janeiro de 2013 e julho de 2014, elas receberam R$ 1,4 bilhão do governo federal, conforme levantamento feito pela ONG Contas Abertas, a pedido da reportagem. Mais de 2,5 mil fundações trabalham com o meio acadêmico brasileiro e são usadas cada vez mais na intermediação de serviços. Muitas são entidades criadas e geridas por docentes que participam da direção da universidade, com frequência em flagrante conflito de interesses.

Quem perde, com tudo isso? Os alunos, quando parte do esforço da universidade pública é desviado para finalidades não acadêmicas. E o contribuinte, que sustenta o cotidiano da academia.

Participaram da reportagem em cada veículo: O GLOBO: Lauro Neto, Antonio Gois e William Helal Filho. “Zero Hora": Adriana Irion, Humberto Trezzi, Rodrigo Lopes e Rodrigo Muzell. “O Estado de S. Paulo": Ana Carolina Sacoman e Paulo Saldaña. “Gazeta do Povo": Felippe Aníbal e Marisa Boroni Valério. “Diário Catarinense”: Luis Antonio Hangai, Mayara Rinaldi e Raquel Vieira.

MP: Fraude em contrato de R$ 17 milhões da UniRio
por Lauro Neto

Suspeita. Comissão da UniRio determinou que professores devolvessem recursos do projeto, mas o processo foi declarado nulo e eles seguem sem punição - Adriana Lorete / Agência O Globo

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) investiga diversas irregularidades apontadas pela Controladoria Geral da União num contrato de mais de R$ 17 milhões entre a Petrobras e a UniRio. Documentos a que O GLOBO teve acesso revelam que seis professores de dedicação exclusiva da universidade recebiam também como pesquisadores-bolsistas e sócios de empresas subcontratadas sem licitação, faturando quase R$ 10 milhões. Há um ano, o Tribunal de Contas da União publicou acórdão determinando que a UniRio informasse como ressarciria os danos ao Erário.

Em seu último despacho à frente do caso, o hoje procurador-chefe do MPF-RJ, Lauro Coelho Junior, destacou que “há elementos suficientes nos autos (...) a evidenciar a prática de atos de improbidade administrativa e ainda dos crimes previstos no art. 312 do Código Penal e art. 89 da Lei nº 8.666/93”. ( Clique aqui para ler a íntegra do documento)

Trecho do inquérito que investiga o contrato - Reprodução

O primeiro crime (“apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”) prevê pena de dois a 12 anos de reclusão e multa. Já o desrespeito à Lei de Licitações prevê detenção de três a cinco anos mais multa. Até o momento não foi instaurado inquérito criminal.

O termo de cooperação firmado em 2008 entre Petrobras e Unirio para a execução do “Projeto de Desenvolvimento de Metodologia e Técnicas de Modelagem em Processos de Negócios e Administração de Dados” tinha valor avençado em R$ 17.163.200. Mas a UniRio publicou no Diário Oficial da União extrato de apenas R$ 1.549.299,84 em contrato firmado em 2011 com a FunRio, fundação de apoio da universidade que assumiu as obrigações junto à estatal.

A FunRio, por sua vez, subcontratou, sem licitação, as empresas SE7TI Serviços de Tecnologia da Informação Ltda., IK Soluções de Informática EPP., Azevedo Soluções em TI Ltda. e Open It Soluções Tecnológicas. Todas elas tinham como sócios professores em dedicação exclusiva da UniRio e faturaram, juntas, cerca de R$ 2 milhões.

NOTAS FISCAIS EM SÉRIE

Só a SE7TI, que tinha como sócias as professoras Cláudia Capelli Aló, Fernanda Baião Amorim e Flávia Santoro, recebeu R$ 735 mil em notas fiscais coletadas em 2012. As três também tinham sociedade com Renata Mendes Araújo na IK, que recebeu R$ 546 mil. Segundo os autos, quatro notas fiscais eletrônicas de até R$ 25 mil foram emitidas em 1º de março de 2011, com diferença de dois minutos entre a primeira e a quarta.

Já a Open It, da qual Flávia também era sócia, tem três notas, cada uma de R$ 4.500, emitidas em 4 de fevereiro de 2011, às 17h26, 17h28 e 17h30. A FunRio fez depósitos em conta corrente conjunta da docente com seu marido, que é sócio responsável pela empresa. No total, a empresa recebeu R$ 40.500.

Por sua vez, a Pimpa Informática Ltda e a Azevedo Soluções em TI Ltda atuam no mesmo endereço, localizado em Saquarema. A segunda tem em seu quadro societário a esposa e o pai do docente Leonardo Azevedo, que assinou contrato com a Funrio em 2008. A Azevedo recebeu R$ 57.750, e a Pimpa, R$ 296.100. De acordo com o inquérito, a professora Kate Revoredo “solicitou a um amigo, sócio da empresa Damon, que emitisse notas fiscais correspondentes aos valores que recebia além da bolsa”. A Damon recebeu R$ 76.500.

Segundo auditoria da CGU, cada um deles também teria recebido R$ 907.920 em bolsas como pesquisadores seniores no período de execução do projeto, de 48 meses, o que daria uma média bruta de R$ 18.915 por mês. Como professores de dedicação exclusiva da Unirio, seus salários variam entre R$ 5.658 e R$ 13.604.

Desde 2012, a UniRio instaurou quatro Processos Administrativos Disciplinares (PADs). Os três primeiros não foram concluídos pela dissolução das comissões convocadas. O último, presidido pelo ex-procurador da república e professor de Direito da UniRio Paulo de Bessa Antunes, concluiu pela suspensão de Kate Revoredo e demissão dos outros cinco professores.

Segundo o relatório, todos deveriam devolver os valores que comprovadamente lhes tenham sido pagos pelas empresas das quais faziam parte em razão de serviços prestados em função do Termo de Cooperação, bem como os valores percebidos da UniRio a título de dedicação exclusiva.

Apesar de concordar com as penas, a Procuradoria Federal da UniRio declarou a nulidade do PAD por “inobservância do princípio da ampla defesa e do contraditório”.

— O que eles declararam foi completamente absurdo. Fizeram isso para acomodar. A nossa comissão fez o trabalho que tinha que ser feito. Entendo que foi respeitado o devido processo legal e o amplo direito à defesa — diz Bessa.

Procurados insistentemente pelo GLOBO, nenhum dos professores quis se manifestar.

Em seus depoimentos, todos negaram irregularidades. Cláudia Capelli, que acumulou o cargo de docente em dedicação exclusiva e as funções de coordenadora técnica do projeto, bolsista na função de pesquisadora sênior e fiscal do contrato celebrado entre a UniRio e a FunRio, além de ser sócia da SE7TI e da IK, alegou que “todos, os pagamentos realizados eram previamente aprovados pela reitoria e objeto de prestação de contas”.

Outra docente investigada, Renata Mendes disse “que a existência de diversas empresas com sócios cotistas professores era fruto de um ‘modelo’ concebido entre o departamento, a Funrio, a Pró-Reitoria de Administração, ao que sabe consciência da Procuradoria Geral da Universidade, com vistas a viabilizar a participação dos docentes em Convênio ou Contratos assemelhados”.

Mesmo após ser indiciada no PAD, a professora Renata Mendes foi promovida em setembro de 2014 à coordenadora do Mestrado Acadêmico em Informática, função comissionada e cargo de confiança, elevando seu salário de R$ 14.011 para R$ 15.334.

Em nota, a UniRio diz que “o repasse de verbas para o projeto foi autorizado a partir do termo de cooperação firmado entre a universidade e a Petrobras, realizado via FunRio. Porém, a execução orçamentária é de responsabilidade dos professores envolvidos no projeto”. Sobre a promoção de Renata, a instituição alega que, como o PAD foi considerado nulo, “não há impedimento administrativo para que os professores envolvidos assumam funções acadêmicas”.

REITOR PEDIU NOVO PROCESSO

Após a Procuradoria da UniRio ter declarado a nulidade do PAD, o reitor da universidade, Luiz Pedro San Gil Jutuca, determinou a instauração de um processo sancionatário para a FunRio e uma Tomada de Contas Especial para apurar responsabilidades pelos danos causados e a quantificação dos danos, a identificação dos responsáveis e a obtenção do respectivo ressarcimento. Jutuca também solicitou à CGU a condução de um novo PAD, “considerando a gravidade dos fatos, a dificuldade de servidores capacitados para compor a comissão e o desgaste na matéria no âmbito da UniRio”.

Em nota, a Petrobras comunicou que o termo de cooperação técnica com a UniRio tinha como objetivo a cooperação científica e tecnológica para criar técnicas de modelagem de processos de negócio e administração de base de dados. Segundo a Petrobras, a escolha da UniRio deveu-se ao fato de “ser reconhecida como referência técnica e nacional na área, além de ser uma instituição de pesquisa e ensino sem fins lucrativos, com notável reputação”.

Dnit e Petrobras usam UFPR para driblar licitação
por Felippe Anibal*

A Petrobras e o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) vêm usando a Universidade Federal do Paraná (UFPR) para driblar licitações, a partir de um mecanismo milionário. A universidade fecha convênios de forma direta — sem licitação — para prestar serviços e fazer análises técnicas para esses órgãos, sobretudo em obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Enquanto um núcleo restrito de professores recebe bolsas em dinheiro, mais da metade da verba dos projetos vai para as mãos de empresas e profissionais externos, subcontratados em um processo pouco transparente. E não é pouco: 24 acordos analisados pela “Gazeta do Povo” movimentaram R$ 74 milhões, em sete anos.

Os convênios com o Dnit passam dos R$ 58,8 milhões. São operacionalizados por um único núcleo: o Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI), vinculado ao Departamento de Transportes da UFPR, e sediado em uma sala de aula comum do Centro Politécnico. A maioria dos serviços diz respeito a obras realizadas em estados distantes — como Mato Grosso do Sul, Bahia, Tocantins e Manaus — onde a UFPR sequer tem estrutura.

Já denunciada a órgãos de fiscalização, a parceria com a Petrobras mantém pelo menos 11 acordos, que somam R$ 15 milhões. Estes, por sua vez, estão pulverizados em diferentes departamentos. Outro convênio, com a Companhia Paranaense de Energia (Copel) — orçado em R$ 2,2 milhões — segue os mesmos moldes, o que indica que outras empresas públicas podem estar se valendo da mesma prática.

Todos os projetos são executados financeiramente por intermédio de fundações de apoio — submetidas a dispositivos legais de controle mais frouxos. Os acordos com a UFPR são firmados com base na Lei de Licitações (nº 8.666), que dispensa de licitação os contratos ou convênios com instituições de ensino. Um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) e outra lei federal (a 8.958), no entanto, vedam “a subcontratação das parcelas mais relevantes” do objeto.

Milihões. Sede do Itti, numa sala de aula da UFPR, que tem convênio de R$ 59 milhões com o Dnit - Brunno Covello/Gazeta do Povo

Apesar disso, o índice de terceirizações nesses convênios tem ultrapassado com folga os 50% do volume financeiro. É como se a UFPR tivesse atuado como uma grande agenciadora, repassando serviços a empresas e profissionais. Ao mesmo tempo, o grande índice de subcontratações torna difuso o benefício acadêmico na parceria.

Por exemplo, a universidade recebeu do Dnit R$ 1,8 milhão para atuar no projeto conhecido como Passo do Jacaré, em Mato Grosso do Sul. Mais de 53% deste valor (R$ 983,9 mil) foi destinado a empresas. No convênio da BR-285, mais de 46% do convênio foi repassado à iniciativa privada. Uma única firma recebeu mais de R$ 306 mil, o que corresponde a 17,4% do orçamento deste projeto.

Os convênios com a Petrobras também tiveram um grande volume de subcontratações. Parte dos projetos foram operacionalizados pelo Centro de Excelência em Pesquisas sobre Fixação de Carbono na Biomassa (Biofix). Descrito como "uma estrutura independente dentro da UFPR", o Biofix foi instalado a partir de uma parceria com a petroleira, financiado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Um projeto para quantificar carbono na biomassa da Mata Atlântica, por exemplo, terceirizou R$ 278.476 a empresas privadas, o que equivale a 69,5% do valor total do projeto (R$ 400.766,10). Em outro convênio _ inventário de carbono em biomas brasileiros _ as terceirizações para pessoas físicas e jurídicas somam R$ 1.020.944,34. O volume ultrapassa os 75,7% do orçamento total do contrato.

O coordenador do Biofix, professor Carlos Roberto Sanquetta disse que todos os processos obedeceram aos trâmites acadêmicos regulares e que foram aprovados pela UFPR. "Às vezes, há atividades de campo ou de avaliação em que é até bom que alguém de fora avalie", disse. "Nada é ilegal. Foi previsto no plano de trabalho, submetido a todas as instâncias. Todos os trâmites são obedecidos, tanto que têm a assinatura do reitor", destacou.

A Procuradoria Federal e conselhos da UFPR apontaram irregularidades nos convênios com o Dnit e a Petrobras. Mesmo com os alertas, as parcerias foram mantidas. A universidade declara que os trabalhos se enquadram como extensão universitária.

A terceirização de parte dos serviços para empresas privadas e profissionais de fora da universidade vem sendo questionada de forma recorrente por órgãos de fiscalização e controle. A procuradora federal Jussara Maria Leal Meirelles lembrou o acórdão 2.731 do Tribunal de Contas da União (TCU), que veda a subcontratação das parcelas mais relevantes dos projetos, e apontou a "fragilidade" dos contratos.

"Esta Procuradoria, em vários outros processos, apontou para a fragilidade da contratação atual com o Dnit e recomendou extremo rigor da Administração da UFPR na verificação de todos os aspectos mencionados nos pareceres jurídicos", assinalou, em parecer de janeiro de 2012.

Para o então membro do Conselho de Planejamento e Administração (Coplad) da UFPR, professor Ney Mattoso Filho, este era um dos motivos que deixava claro que o núcleo do projeto seria "integralmente delegado a terceiros". Na avaliação do relator, as subcontratações caracterizam "situação não conforme com os termos da lei" e "os projetos já contratados configuram delicada situação de risco para a UFPR perante órgãos de controle".

O relatório de Mattoso Filho foi indeferido pelo Coplad. No lugar, o conselho aprovou um parecer elaborado pelo professor Donizeti Antonio Giusti, favorável ao projeto. O problema é que Giusti não poderia ter sido relator do processo: o projeto previa a concessão de uma bolsa de R$ 18 mil para ele.

UFPR E EMPRESAS NEGAM IRREGULARIDADES

O reitor da UFPR, Zaki Akel Sobrinho, não vê qualquer problema nos convênios da universidade com a Petrobras ou com o Dnit. A aproximação do setor produtivo e de empresas públicas e privadas, diz ele, faz parte de uma política da instituição de atuar para além de seus próprios muros e, desta forma, servir a sociedade. Além disso, o professor destaca que os projetos são multidisciplinares, beneficiando a comunidade acadêmica.

A UFPR entende que o alto índice de subcontratações não fere a lei e o acórdão do TCU. O reitor e a pró-reitora de planejamento, orçamento e finanças, Lúcia Regina Montanhini, argumentam que o núcleo dos projetos é realizado pela equipe da universidade. "Nós estamos atendendo no Pará, mas não temos base lá. Não tem sentido deslocar uma equipe de professores até lá para fazer um mapeamento. Então, subcontratamos. Mas a parte de inteligência sempre fica nas mãos da universidade", exemplifica Akel Sobrinho.

Questionado se não teria sido mais transparente o Dnit licitar esses levantamentos diretamente na iniciativa privada e conveniar com a UFPR apenas as análises, o reitor argumenta que o Departamento necessitava de urgência nas obras. "Foi uma decisão estratégica do Dnit, para acelerar o processo. As obras do PAC estavam atrasadas e havia uma pressa para fazer a coisa de maneira mais ágil."

O coordenador de projetos do ITTI, professor Eduardo Ratton, tem uma visão semelhante. Apesar do volume financeiro de subcontratações, ele afirma que o número de profissionais terceirizados é da ordem de 20%. O professor compara a universidade a uma agência.

"Em vez de o Dnit se preocupar em fazer uma licitação, ele seleciona uma universidade. A universidade supre metade dessas funções. Aquilo que ela não tem condições [de fazer] ela tem que contratar no mercado", disse. Ratton diz que os projetos envolvem dez setores da universidade, mais de 50 docentes e 58 estagiários.

O reitor, a pró-reitora e o coordenador do ITTI afirmam que todos os projetos foram aprovados obedecendo ao trâmite regimental, passando pelos conselhos universitários e pela Procuradoria Federal. Em relação aos pareceres contrários ao longo do processo, a UFPR diz que é normal haver visões divergentes, mas diz que as dúvidas foram sedimentadas dentro da instituição.

"Temos vários procuradores e cada procurador tem um entendimento divergente da matéria", apontou o reitor. "Houve muita discussão nos primeiros processos, porque, de fato, havia um volume muito grande de prestação de serviços. Alguns conselheiros ficaram desconfortáveis, dizendo que não eram atividades corriqueiras de uma universidade. Nós entendemos que não havia problema", completou.

O Departamento Nacional de Transportes e Infraestrutura (Dnit) e a Petrobras afirmam, por meio de nota, que não poderiam ter licitado para a iniciativa privada os serviços prestados por meio das parcerias com a UFPR. Na justificativa dos órgãos federais, a UFPR tem notório saber nas áreas em que foi chamada a atuar.

A Petrobras disse que as parcerias com a UFPR "têm natureza de pesquisa, e não de serviços/operações usualmente executados por empresas prestadoras de serviço". Por esta razão, a companhia defende que as atividades devem ser executadas por instituições de ensino ou pesquisa. A petroleira ressaltou que acompanha a execução dos projetos e elenca benefícios nas parcerias.

O Dnit, por sua vez, disse que os termos de cooperação com a UFPR foram firmados para "compartilhamento de conhecimento para normatização". Por conta disso, o órgão afirma que não poderia ter contratado empresas. "No contexto da normatização, busca-se também obter isonomia, evitando conflito de interesses, uma vez que tais instituições são contratadas para ajudar na normatização que será imposta ao mercado. Dessa forma, tal isonomia seria difícil de ser obtida por meio de contratação, por exemplo, de uma empresa que iria criar normas que ela mesma teria que obedecer", diz a nota.

* Da "Gazeta do Povo"

Cursos pagos na USP movimentaram R$ 88 milhões
por Paulo Saldaña*

Na mira. Fachada da Fundação de Apoio à USP, que foi questionada pela CGU - CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO

O avanço de um mundo paralelo, que confunde as esferas pública e privada, tem colocado as três universidades estaduais de São Paulo — USP, Unesp e Unicamp — na mira de tribunais de contas, Judiciário e Ministério Público. Intermediações de convênios federais com terceirização de serviços, aluguel de espaço público, gestão de verbas da própria universidade e cobrança de taxas de administração são algumas das irregularidades envolvendo a atuação de fundações privadas ligadas às universidades. A cobrança por cursos continua ganhando espaço.

Uma das principais fundações de apoio à USP, a FUSP, foi questionada pela Controladoria Geral da União (CGU) em dezembro. Ela aparece como titular de um convênio com o Ministério da Cultura para um projeto de uma incubadora ligada à pró-reitoria de Cultura e Extensão da USP, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Além de intermediar o serviço, o que é ilegal, a FUSP ainda subcontrataria uma ONG, chamada Capina, para o projeto de economia criativa. Também cobrava no seu plano de trabalho um aluguel de R$ 79 mil de um dos espaços públicos da universidade.

Depois que a CGU reprovou o convênio, de R$ 502 mil, a União congelou o repasse. A USP informou que trabalha para avançar com a proposta, argumentando que a “interrupção tem acarretado desmobilização da equipe e dos empreendimentos”.

Na Unicamp, as atribuições de uma fundação privada, a Funcamp, se misturam com as da própria instituição, assim como a gestão dos recursos. Ela gerencia almoxarifados, reforma e gere hospitais (há um convênio no valor de R$ 711 mil com o Hospital das Clínicas) e cobra taxa de administração de 6%. São atividades não permitidas e distantes da finalidade da fundação. A Funcamp também recebeu recursos originários da universidade, como taxas de inscrição em vestibulares, de formaturas, comercialização de livros, publicações de periódicos, venda de camundongos, softwares, mudas, plantas e realização de eventos.

Praticamente toda atuação da Funcamp foi considerada irregular pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no fim do ano passado. O TCE viu como uma "terceirização exagerada" as ações passadas pela Unicamp à fundação. Para tocar várias atividades, a universidade prorroga um convênio com a Funcamp desde 1987 — o que por si só já viola a legislação.

O uso de salas do câmpus Guaratinguetá da Unesp, no interior de São Paulo, para que a Fundação Para o Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FDCT) ofereça cursos pagos é aceito na instituição. O Ministério Público, entretanto, já questionou na Justiça e ação está em trâmite.

Quase sempre criadas por professores universitários, as fundações de apoio podem firmar convênios com empresas, esferas governamentais — com autorização de dispensa de licitação — e com a própria universidade. Por elas, professores são contratados e pagos, mesmo que muitos sejam de dedicação exclusiva. Os ganhos podem ser até cinco vezes maior do que o salário como servidor de dedicação integral, segundo estimativa da Associação de Docentes da USP (Adusp).

Os sindicatos das estaduais, bem como a representação nacional (Andes), têm uma luta histórica contra o processo de privatização que as fundações estimulam. "Essa relação fere o princípio da separação entre público e privada, não há transparência", diz o presidente da Adusp, Ciro Correia. "Se um professor está nessa situação, ele está mais vinculado à fundação ou à universidade?", questiona.

Parte do dinheiro de contratos e cursos pagos vai para as unidades, que pode chegar a 30%, A universidade fica com 5%. Em 2014, a USP recebeu R$ 4 milhões com cursos pagos oferecidos pelas fundações, o que indica uma movimentação de R$ 88 milhões com esses cursos. Algumas dessas formações custam cerca de R$ 30 mil.

A USP tem um fundo específico para essas taxas. Em março, o saldo dessa poupança era de R$ 15,4 milhões. Valor irrisório perto dos negócios das fundações. Só a FUSP recebeu R$ 740 milhões em projetos da instituição entre 2007 e 2013. Segundo a reitoria, 16 fundações das mais de 30 fundações que existem na USP têm 197 convênios com a própria universidade — a FUSP tem 26. A própria universidade informou que só as fundações poderiam indicar seus recursos totais.

O atual presidente da FUSP, José Roberto Cardoso, defende que o modelo é imprescindível para a agilidade de processos de contratação na universidade e também para o desenvolvimento de pesquisas, intensificando a interlocução com o setor produtivo.

— As fundações surgiram como uma oportunidade de o professor aumentar seus ganhos mesmo dentro da universidade e não sair para o mercado. Mas não é só o dinheiro, o professor quer realizar os trabalhos que a universidade não tem oportunidade de tocar sozinha — diz ele, que já foi diretor da Escola Politécnica e se candidatou ao cargo de reitor no último pleito. — A sociedade não pode partir do pressuposto que só tem desonestidade na fundação.

Na Unicamp, a Funcamp administrou R$ 377 milhões provenientes de 1.183 convênios e contratos envolvendo as áreas de atuação da Unicamp em 2013. Os cursos cobrados de extensão se traduziram em R$ 16 milhões em 2013. A universidade, entretanto, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a Funcamp.

AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

Pelo menos duas ações civis públicas correm na Justiça de São Paulo contra a cobrança de cursos nas universidades públicas do Estado. Foram abertas contra a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). No dia 9 de março, o desembargador Ferreira Rodrigues acatou os argumentos do recurso pedido pelo Ministério Público Estadual (MPE) no caso da USP, mas remeteu a decisão para análise do pleno do Tribunal de Justiça.

A ação foi iniciada em 2005, período em que o debate na comunidade acadêmica sobre fundações foi muito tenso. Na época, alunos chegaram a invadir uma reunião do Conselho Universitário. Apesar disso, o assunto nunca foi regulamentado de uma forma que a polêmica terminasse — apesar de alterações importantes, como a saída das sedes da fundações de dentro das áreas da universidade.

Já em 2012, o MPE ingressou com uma ação civil pública contra a atuação de uma fundação na Unesp. O motivo novamente era o uso do espaço da universidade para a oferta de cursos pagos de especialização pela Fundação Para o Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FDCT), em Guaratinguetá, interior do Estado.

O juiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho manteve no dia 27 de janeiro de 2015 petição a inicial da promotoria, dando continuidade ao processo, mas negou liminar que pedia a imediata suspensão da oferta de cursos e uso do espaço da universidade. Ao negar a liminar, Cunha Filho ressaltou que a "a questão não encontrou consenso" no judiciário e no própria MP.

Para o presidente do Associação dos Docentes da Unesp (Adunifesp), Milton Vieira do Prado Junior, as fundações minam o caráter público da universidade. "É um espaço público gerando produto privado dentro da universidade", diz ele. "Essas instituições dão um retorno muito pequeno de arrecadação para a universidade, por exemplo."

A Unesp defende que os cursos oferecidos pela FDCT com a participação de professores da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá estão de acordo com a legislação da universidade. "As aulas são em salas da Unesp, mas em contrapartida, a unidade e o Departamento envolvido recebem 30%", ressalta a universidade.

Um mesmo convênio com outra fundação, a Fundunesp, da conta de três atividades completamente diferentes: da infraestrutura para o funcionamento da TV Universitária, da Agência de Inovação e do Núcleo de Ensino à Distância da Universidade. A Unesp ressaltou que a Fundunesp é auditada por empresas especializadas e, no âmbito da ISO9001, a adutoria é feita pela Fundação Vanzolini - fundação privada de apoio que nasceu na Escola Politécnica da USP. Segundo levantamento da Adunifesp, todas as 32 unidades da Unesp tem fundações privadas de apoio.

* Do "Estado de S. Paulo"

No RS, MP investiga dedicação exclusiva
por HUMBERTO TREZZI*

Para estimular que docentes coloquem todos seus esforços no ensino dos alunos, as universidades públicas brasileiras decidiram pagar um extra de até 50% sobre o salário-base . É a chamada Dedicação Exclusiva (DE). E, para garantir que não existam distorções nessa função tão nobre, uma série de regras foram criadas. O artigo 14 do decreto presidencial 94.664 de 1987 estabelece, por exemplo, que o professor da carreira do Magistério Superior submetido à dedicação exclusiva tem como obrigação "prestar quarenta horas semanais de trabalho em dois turnos diários completos e impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada". Já a lei federal 12.863, promulgada em setembro de 2013, permite atividade extraclasse ao detentor de DE "apenas quando eventual". O máximo é de 240 horas anuais de trabalho externo (ou 120, quando não autorizadas pelos chefes).

Por fim, as próprias universidades tratam de disciplinar o tema. A decisão 193/2011 do Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entre outras, obriga a carga horária destinada a projetos fora da academia a não superar 10 horas semanais.

Dois empregos. MP investiga professores que não respeitam a dedicação exclusiva - Divulgação/UFRGS/Flávio Dutra

Nada disso consegue evitar que, em entidades de ensino superior gaúchas, muito do empenho dos professores aconteça longe da sala de aula. Em cursos da UFRGS, professores que possuem DE recebem uma quantia substancial de dinheiro-extra realizando projetos para grandes empresas ou até serviços. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), outros atuam em consultórios particulares. De exclusiva, a atividade exercida por eles tem muito pouco.

Na UFRGS é comum que professores, mesmo com Dedicação Exclusiva (DE), sejam remunerados por projetos fora da sala de aula. Isso é até estimulado pela reitoria, desde que traga algum retorno à universidade, tanto financeiro como em forma de conhecimento e entrosamento comunitário.

Alguns serviços extraclasse, porém, não são tão eventuais — e por isso o Ministério Público Federal (MPF) abriu, em dezembro, uma investigação sobre parcerias firmadas pelo Instituto de Geociências da UFRGS. A lista de trabalhos externos desse instituto soma mais de 70 convênios envolvendo variados docentes do curso nos últimos anos. O levantamento é de procuradores da República, que desejam saber se os docentes envolvidos seguem a legislação da DE. Alguns professores trabalham em dois convênios por ano ou até mais e a suspeita é que a eventualidade virou regra.

Serão checados convênios firmados por geólogos como Juliano Kuchle, Claiton Marlon dos Santos Scherer e Paulo Alves de Souza, que desenvolvem vários projetos de forma concomitante com aulas. Cada um deles teve aprovados em 2014 pelo menos dois convênios externos. Os três acertaram recebimento de R$ 216 mil, R$ 135 mil e R$ 116 mil (respectivamente) para trabalhar, de 2014 a 2016, num projeto com a empresa petrolífera BG (British Gas). Intitulada "Estudo Geológico Integrado da Formação Mucuri da Bacia do Espírito Santo", a pesquisa está vinculada à extração do pré-sal. Chamou a atenção do MP que, caso esses docentes trabalhem no total as 156 horas previstas (cada), vão receber em média R$ 1 mil por hora nesse serviço. Isso representaria cerca de 10 vezes mais que a média recebida como professores com Dedicação Exclusiva, que é de R$ 87 por hora de trabalho — conforme cálculo do Sindicato Nacional de Docentes de Ensino Superior (Andes-SN) repassado a Zero Hora.

Não é um caso isolado. Juliano deve receber ainda mais R$ 72 mil por outro projeto aprovado em 2014 e Claiton Scherer, R$ 36 mil, com dezenas de horas trabalhadas, cada. A hora de trabalho deles nesses convênios também equivale a 10 vezes o padrão para a hora de Dedicação Exclusiva no sistema de ensino federal. Já o terceiro autor do projeto da Formação Mucuri, Paulo Alves de Souza (que já vai receber R$ 116 mil por esse trabalho), também conseguiu aprovar outro projeto em 2014.

A Procuradoria da República investiga se, ao ganharem em alguns convênios mais dinheiro fora do que dentro da universidade (proporcionalmente), os professores entram em conflito de interesses. Na investigação será analisado se os valores são compatíveis com os serviços, se extrapolam em muito os vencimentos dos professores, se conseguem concluir o serviço com as horas contratadas e se há desvio de função dos docentes. O currículo de Claiton Marlon Scherer, por exemplo, menciona envolvimento dele em pelo menos seis projetos com petrolíferas (inclusive com a americana Chevron) nos últimos quatro anos - além dos dois aprovados agora. O MPF quer saber se esse tipo de envolvimento permite ficar 24 horas à disposição da universidade, como pressupõe a Dedicação Exclusiva.

O presidente do Andes-SN, Paulo Rizzo (docente da Universidade Federal de Santa Catarina) vê restrições éticas na avalanche de convênios universidade-empresas. Professores que atuam muito fora da academia ensinam menos e pior quando estão desfocados, acredita. Ele não é contra que atuem fora da sala de aula eventualmente, desde que esta exceção não vire regra:

— As universidades produzem pesquisa (conhecimento novo) e não devem vender serviços de saberes já existentes e socializados. Ou os docentes vão competir com os profissionais que formam (médicos, engenheiros, agrônomos, etc.).

Nas reuniões para aprovação de projetos do Instituto de Geociências há debate interno sobre tamanhos e valores dos convênios. Alguns colegas dos beneficiados são contrários a esses projetos com remuneração externa. Dizem que os trabalhos não são eventuais (exigência para quem tem DE), já que alguns projetos ultrapassam 20 meses cada um. Outros questionam: como fazer as pesquisas de campo — longe da UFRGS, em viagens — e manter as aulas em dia? Os cursos fiscalizam mesmo se a consultoria externa cumpre as horas acertadas no papel ou não? Difícil checar, já que os docentes (mesmo com Dedicação Exclusiva) são dispensados do controle de frequência no Plano de Carreira para a área de Ciência e Tecnologia. É questionado também por que a universidade leva apenas 5% do valor dos projetos (em média). Essas discussões foram registradas em atas.

A verdade é que a discussão sobre trabalho externo esconde um debate maior, de fundo ideológico. Uma corrente de professores da UFRGS crê que alguns colegas têm abusado de convênios, bancados por multinacionais, já que a Dedicação Exclusiva pela qual recebem deveria ser suficiente para abraçarem apenas a universidade. Eles acham que as multinacionais buscam a UFRGS para dar respeitabilidade aos seus projetos e, em contrapartida, acertam convênios a peso de ouro.

Já outra linha de pesquisadores defende ampliar a interação com empresas. O diretor do Instituto de Geociências, André Mexias, é um desses e põe a mão no fogo e garante que seus subordinados cumprem as obrigações em sala de aula, além de aportarem recursos para a UFRGS.

— É sabido que muito trabalho de pesquisa externa paga melhor, mas os professores são procurados pelas empresas. Desde que não deixem de fazer suas obrigações na UFRGS, OK. Seus projetos passaram por várias instâncias de análise — pondera Mexias.

O vice-reitor da UFRGS, Rui Oppermann, defensor convicto de maior interação com empresas, afirma que os valores recebidos pelos professores nesses convênios não podem ser medidos em horas-aula. Isso porque envolvem pesquisa e resultados, não mensuráveis com mera presença em sala de aula, que é a metodologia-padrão na universidade. "Não se pode comparar aula dada com a pesquisa de ponta feita para uma petroleira", rebate.

Mas a interação com o meio privado não é ponto pacífico. O professor Rualdo Menegat, chefe do Departamento de Estratigrafia da Geociências (onde trabalham os professores Juliano, Claiton e Paulo), diz que o debate é grande e afirma que ele, por exemplo, não trabalha fora da UFRGS.

— Sou 100% acadêmico, 100% universidade federal — posiciona-se Menegat.

PROFESSORES REBATEM ACUSAÇÕES

Os professores investigados negam qualquer irregularidade nos contratos firmados.

— Desisti de um dos projetos, mas peguei outro, sobre a Bacia Diamantina. Efetivamente, estou com dois projetos externos à UFRGS, mas não são prestação de serviço. São de pesquisa ou extensão, têm viés acadêmico. Não faço trabalho fixo fora da UFRGS, portanto, cumpro a lei. Os valores que me pagam também não são irregulares, são a média nesses projetos, assim como o que é repassado à universidade — diz Claiton dos Santos Scherer.

— Todos os projetos de que participo — incluindo os dois de agora — foram aprovados em várias instâncias: Departamento, secretaria de Ciência e Tecnologia, Auditoria, Procuradoria Jurídica. Não tive empecilho. E trabalho bastante, fora e dentro da sala de aula. Cumpro na UFRGS carga horária maior que a média, de até 11 horas por dia. Sou pesquisador do CNPq, tenho um currículo bem nutrido, até por isso sou procurado pelas empresas. Quanto aos vencimentos: recebo mais por hora trabalhada fora da UFRGS do que dentro, é verdade, mas o que ganho com os projetos não ultrapassa 75% do meu salário de professor. Então eu cumpro a lei — diz Paulo Alves de Souza.

— Não fazemos serviços, mas pesquisa acadêmica. Ela resulta em conhecimento aplicado, para a universidade e os alunos, para a sociedade. É uma interação constante, riquíssima como aprendizado. E respeitamos a lei: somos colaboradores eventuais, não empregados fora da universidade, que seria ilegalidade — contesta Juliano Kuchle.

* Do "Zero Hora"

14 denunciados por estelionato em Santa Maria
por HUMBERTO TREZZI*

Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), um grupo de professores da Faculdade de Odontologia — com salários maiores por terem Dedicação Exclusiva (DE) — foi denunciado criminalmente por manter atividades remuneradas fora da universidade. Isso contraria cláusula que determina: ao assumir o cargo com DE, o docente se compromete em desenvolver atividades ligadas apenas à universidade ou que sejam autorizadas por ela. Não era o caso, concluiu o Ministério Público Federal (MPF), após pesquisa junto a cursos de odontologia particulares, clínicas de radiologia odontológica e planos de saúde perguntando quais dos profissionais citados haviam prestado ou pedido serviços privados.

Foram investigados 30 professores, que representam metade dos docentes da Odontologia, faculdade que forma até 35 dentistas por ano. Dos 30 investigados, 14 acabaram denunciados por estelionato (quando a pessoa obtém uma vantagem mediante fraude contra alguém), amparado inclusive num termo assinado por eles que assegurava não exercerem outra atividade fora da universidade — algo desmentido pelas investigações. Outros quatro ainda respondem a inquérito.

Todos os denunciados tinham assinado um documento no qual se lê:

"Declaro que tomei conhecimento das disposições constantes no Extrato da Resolução UFSM nº 004/95, bem como não possuir outra atividade remunerada pública ou privada, a partir do meu ingresso no regime de Dedicação Exclusiva".

As exceções seriam contratos esporádicos que envolvam pesquisa, mas o MPF concluiu que os serviços prestados pelos professores fora das salas de aula nada tinham de esporádicos, nem de científicos. Eram mesmo atividade profissional privada e sistemática, alheia à universidade.

Conforme planilha apresentada pela UFSM, os valores recebidos por um dos denunciados, entre abril de 2007 e abril de 2012, a título de Dedicação Exclusiva, foram de R$ 302.259,10. Só que no mesmo período ele obteve outros R$ 583 mil atuando como dentista em consultórios privados, apurou a polícia.

O inquérito policial constatou que, no tempo em que estavam (professores) nos consultórios, deixaram de estar disponíveis para os alunos, de fazer pesquisas, de estudar mais para dar aulas. E concluiu que isso trazia prejuízo para os alunos.

A procuradora da República Paula Martins Costa Schirmer, responsável por denunciar os professores, ressalta:

— O crime consiste em receber o que não lhe era devido, mediante fraude, em prejuízo aos cofres públicos, uma vez que sabiam que estavam impedidos por lei a tanto. E, por isso, eram melhor remunerados que os demais docentes.

Paula diz que as investigações comprovam que jamais existiram dúvidas acerca da vedação de exercício de atividade remunerada concomitante, de forma habitual e sistemática, como eles faziam.

A defesa dos denunciados tem sustentado o contrário. Basicamente, alega que se tratava de fato "que todo mundo sabia" e por isso não haveria má-fé. E que o servidor (a grande maioria com mestrado/doutorado) não sabia que dedicação exclusiva demandava exclusividade à UFSM. Alguns sugerem a existência de dúvida quanto à abrangência da exclusividade, embora exista um decreto que regula isso.

* Do "Zero Hora"

Na UFSC, brechas abertas para irregularidades
por Luis Hangai*

Melhorias. CGU recomenda aperfeiçoamentos na relação entre a UFSC e as fundações - Divulgação

As fundações de apoio universitárias, entidades sem fins lucrativos, recebem vultosos repasses financeiros da União todos os anos, que deveriam ser aplicados integralmente para o estímulo à pesquisa. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) são movimentados cerca de R$ 195,8 milhões pelas quatro principais fundações que atuam no maior campus do estado, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU). Mas, apesar do grande volume de dinheiro, a instituição ainda sofre com a falta de transparência e com falhas nos processos de prestação de contas. Tais vulnerabilidades são consideradas, pelos órgãos de controle, brechas para atos irregulares e até mesmo criminosos.

Atualmente a que mais mobiliza recursos dentro da UFSC é a Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu), que em 2014 teve, sozinha, R$ 137,7 milhões em despesas executadas. Trata-se daquela com a maior receita entre fundações do Sul do Brasil, cujas dez maiores receberam juntas cerca de R$ 515 milhões no ano passado. Atuam também dentro da universidade a Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (Feesc), a Fundação de Estudo e Pesquisas-Sócio-Econômicas (Fepese), a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi) e a Fundação José Anthur Boiteux (Funjab).

A Fapeu já é investigada tanto pelo Ministério Público Federal (MPF) quanto pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) por supostas irregularidades na aplicação de verba pública em repartições da universidade. A 25ª Promotoria de Justiça da Capital, do MPSC, investiga a fundação por suposto fornecimento de “bolsas permanentes” de pesquisa e extensão a professores com dedicação exclusiva à universidade. De acordo com informações da promotoria, há possibilidade de que os recursos repassados tenham se tornado rotineiros, funcionando como uma espécie de salário fixo aos beneficiários, o que contraria a lei. A apuração começou em 2013, a partir da denúncia de um cidadão. A instituição, no entanto, prefere não fornecer mais detalhes que possam comprometer a investigação e também não informa se e quando vai prestar a denúncia.

O MPF também analisa denúncia contra a fundação, mas afirma que os trabalhos estão apenas no início e também se recusa a fornecer mais dados. Para o procurador André Bertuol, que atua no MPF de SC, o relacionamento entre a UFSC e suas fundações de apoio está bastante atrasado quanto à regulamentação e transparência na prestação de contas. Segundo ele, elas ainda não foram cobradas de forma ideal por todos os órgãos de controle, tampouco realizaram uma autocobrança rígida. Conta também que já tentou verificar dados em seus sites na internet e diz que “transparência não é seu forte”:

— Universidade e fundações são grandes fabricantes de produtos acadêmicos. Mas há de se questionar a validade desses produtos, se realmente foram necessários ou se serviram apenas para complementar salários de professores e servidores das universidades. A nossa impressão histórica com relação a elas tem sido de esquivamento quando o assunto é transparência. Por outro lado, a atual gestão tem se esforçado e tem sido a mais colaborativa na aproximação da disposição para regulamentar corretamente estes problemas.

CGU REQUER PROVIDÊNCIAS NA UNIVERSIDADE

O mais recente relatório da regional catarinense da Controladoria Geral da União (CGU), referente às contas da UFSC de 2013 (a de 2014 ainda está sendo produzida), assinala uma série de pontos a serem aperfeiçoados pela universidade em seu relacionamento com as fundações de apoio de modo a prevenir suspeitas como as mencionadas acima.

O Plano de Providências Permanentes da UFSC, um documento da CGU que elenca recomendações de aprimoramento na prestação de contas da universidade, estabelece “oportunidades de melhoria” na circulação de recursos entre fundações e a universidade. Entre as recomendações estão o impedimento de novos contratos e convênios com entidades que estejam inadimplentes e maior transparência na divulgação de informações sobre projetos em andamento.

A CGU também alerta que a UFSC descumpre hoje a legislação por não atualizar os dados no Sistema de Convênios do Governo Federal, um sistema digital de controle que permite a qualquer pessoa se informar sobre todos os órgãos e entidades que realizam transferências de recursos que tenham origem no Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União por meio de convênio, como é o caso das fundações. A reportagem pesquisou no portal transparência da CGU e, de 98 projetos, somente cinco tinha links para o Siconv.

“Sobre o assunto, deve-se, ainda, salientar que, além da exigência legal, a inserção dos dados relativos à execução física e financeira dos convênios/contratos firmados com suas fundações de apoio só viria a contribuir para dar transparência aos volumosos repasses financeiros realizados da UFSC para as fundações de apoio, sendo este tema (transparência da relação da UFSC com as fundações de apoio), inclusive, objeto de reiteradas recomendações do Controle Interno e até hoje não atendido”, escreve auditores da CGU no documento.

Carlos Vieira, chefe de gabinete da reitoria da UFSC, afirma que a universidade está seguindo as recomendações da CGU. Desde 2012, o número de pedidos abertos foi reduzido de 186 para 106.

— Nós temos trabalhado em vários aspectos. Na transparência, na prestação de contas, no patrimônio, este que sempre foi um problema para a universidade. Então agora estamos com uma equipe técnica resolvendo a regularização fundiária da universidade — afirmou Vieira. — Temos que pensar que a universidade por muito tempo pensou o seguinte: “eu apenas recebo os recursos”. Mas hoje ela pensa que é corresponsável pelo bom uso deste recurso, que é público. Tanto universidade quanto fundações devem entender isso.

* Do "Diário Catarinense"