"Mostrar alguém vivendo com HIV é desconstruir o preconceito", diz ator

O diretor de teatro Gabriel Estrëla, 23, soube que tinha HIV em 2010. Então ator iniciante em Brasília (DF), o goiano teve medo que o vírus atrapalhasse sua carreira porque pensava que sua saúde ficaria debilitada. Também teve medo da reação das pessoas, mas superou tudo isso com a própria arte.

Escreveu a peça “Boa Sorte”, uma forma de contar como é viver com o HIV. O título faz referência à música de mesmo nome que ele ouviu no dia em que soube que estava infectado. “Não tem mais jeito, acabou, boa sorte”, escutou a música de uma que cantora tentava ‘animar’ os pacientes do laboratório.

“Eu disse a ela que era um lugar meio ruim para ela tocar aquela música”, conta.

Para Estrëla, falar abertamente que tem HIV, como fez o ator Charlie Sheen, é uma forma de empoderamento. Mas isso só deve ser feito quando a pessoa se sente segura. Senão, "tome seu tempo", ele sugere.

Veja o depoimento que ele concedeu ao UOL.

“Quando eu soube que tinha HIV fiquei com receio de ser reduzido a isso. Por mais que eu tenha decidido me identificar como uma pessoa que tem HIV, sou homem, artista, tenho meu trabalho. Tudo isso não pode se apagar por causa da sorologia.

O Charlie Sheen está passando por isso agora. E quando ele vai se desvincular disso? Ele vai conseguir se desvincular disso? Será que ele vai voltar a ser ator? No caso dele tem uma coisa que pega mais pesado porque ele é um símbolo de masculinidade, para não dizer de machismo. Ele calcou a carreira dele na imagem de pegador e de repente teve que admitir que isso incluiu um risco que teve uma consequência.

A gente fica se perguntando se o Charlie Sheen vai sofrer um golpe na carreira dele pelo HIV porque as pessoas acham que mostrar alguém vivendo com o HIV é fazer apologia do sexo não seguro. Mas, na verdade, mostrar uma pessoa vivendo com HIV é desconstruir o preconceito e isso precisa ser feito.

Hoje eu vejo que o HIV desencadeou uma séria de reações na minha vida e que foram muito importantes para mim e para a pessoa que eu sou. A peça foi importante para me empoderar sobre isso, não fui passivo nessa cadeia de eventos, estava reagindo a uma virada da vida. Quando o Charlie Sheen diz que tem HIV ele também está reagindo, não está sendo vítima, está sendo agente da sorologia dele.

Eu soube em 2010 que tinha HIV e contei no mesmo dia para a minha mãe, pai, irmã e para uma amiga. Depois levei um ano para falar a respeito com outras pessoas.

Temia muito uma reação negativa porque eu era um artista ainda em início de carreira, então tinha medo de as pessoas não entenderem um artista se declarando HIV positivo e que isso está mais próximo do que se imagina.

Hoje eu tenho vontade de falar, eu sinto que é minha responsabilidade falar. Mas na época meu medo era do preconceito. Eu achava que do dia para a noite eu poderia passar mal em algum lugar, que precisaria de ajuda médica. Então em cada grupo que eu convivia eu avisava alguém. No começo eu estava muito frágil e com medo.

Eu tinha medo porque eu não entendia as necessidades médicas que eu poderia ter. Nos filmes da década de 80 e 90, você vê as pessoas com aids de fato, passando mal, vomitando, tendo diarreia, sangramento e eu ficava com medo que aquilo pudesse ser minha realidade. Mas hoje como os tratamentos estão em outro pé, com diagnóstico feito cedo a aids não se concretiza.

Eu uso camisinha, tomo meus remédios em dia porque isso também é uma forma de prevenção. A gente sabe que a pessoa com vírus indetectável não transmite HIV. Hoje o HIV é um fato social na minha vida, não sexual.

Mas para quem ainda tem dificuldade em contar, tome seu tempo. Pela legislação brasileira a pessoa tem o direito ao sigilo e ninguém pode expor a situação sorológica de uma pessoa. Aos que estão com medo, tome seu tempo”.