Anais do Seminário
Internacional Ciência e
Museologia: Universo Imaginário
de 14 a 17 de setembro de
2015
Tema
Tecnologia: Informação,
Documentação, Patrimônio
Cátia Rodrigues Barbosa, Renata Maria Abrantes
Baracho (Eds.)
III Seminário Internacional Ciência e Museologia: Universo Imaginário
Patrocinadores e Apoiadores:
Editores:
Cátia Rodrigues Barbosa — catiarb@eci.ufmg.br
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Ciência da Informação.
Departamento Organização e Tratamento da Informção
Av. Antônio Carlos, 6.627 - Pampulha
31270901 - Belo Horizonte, MG - Brasil
Telefone: (31) 34096108
Renata Maria Abrantes Baracho — renatabaracho@eci.ufmg.br
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Ciência da Informação,
Departamento de Teoria e Gestão da Informação.
Av. Antônio Carlos 6627 C.P. 1606 - Pampulha
30161-970 - Belo Horizonte, MG - Brasil
Telefone: (31) 99843062
Introdução
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Caminhos da Curadoria do Digital:
Experiências no Campo Artístico em um Festival32
Pablo Gobira33 ,Tadeus Mucelli34
Minas Gerais State University (UEMG), Belo Horizonte, MG, Brazil.
INTRODUÇÃO
A cada ano os espaços de exposição, em museus e fora deles, vêm se transformando.
Tornam-se espaços que se constituem repletos de tecnologia e novidades. Eles também se
transformam em espaços físicos diferentes daqueles que conhecemos. Deixam de serem espaços
exclusivos dos museus tradicionais e demudam a noção dos seus frequentadores para que a cada dia
frequentem e vivam cotidianamente de um modo museológico.
Compreendemos, com o tempo, que a cidade pode ser um museu e ter um ou mais museus,
como é o caso da cidade de Congonhas/MG que em 2015 ganhou um museu. Porém, a cidade já
tinha permanentemente exposto a céu aberto um patrimônio artístico e cultural reconhecido
mundialmente35. Também percebemos que uma casa pode se tornar um museu, como é o caso do
Museu Casa do Padre Toledo, em Tiradentes/MG, reinaugurado em 201236. Essas descobertas não
param, pois a língua, bem como outros saberes podem ter seus espaços ou “não espaços” dedicados.
Tudo aponta para uma transposição do olhar curatorial desde a dimensão física a sua
dimensão não física, mas ainda assim concreta, tangível. Pode não ser tão palpável a existência de
objetos em espaços físicos, mas é palpável o que os fazem existir – as exposições, os museus e
através das curadorias –, pois assim têm sua existência materializada e concretizada.
32
Este artigo é um dos resultados de pesquisa apoiada pela FAPEMIG, pelo CNPq, pela PROPPG/UEMG e pela
Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, Minas Gerais, aos quais agradecemos.
33
Professor doutor da Escola Guignard (UEMG). Coordenador do Grupo de Pesquisa Laboratório de Poéticas
Fronteiriças (Lab|Front/CNPq). Pesquisador e gestor de serviços da Rede Brasileira de Serviços de Promoção Digital
(Rede Cariniana) do IBICT/MCTI.
34
Mestrando em Artes pela UEMG, diretor e idealizador do Festival de Arte Digital.
35
Ver sobre o Museu de Congonhas em: http://www.congonhas.mg.gov.br/Materia_especifica/47827/Museu-deCongonhas-e-inaugurado-em-sitio-do-patrimonio-mundial
36
Ver mais em: https://www.ufmg.br/frmfa/museu-padre-toledo/
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Ao olharmos para a arte o mesmo ocorre. Ao darmos um “zoom” no contexto artístico e
focarmos na arte digital (ou arte computacional, new media art etc.) temos um campo já em estudo
que precisa ser mais explorado. O campo da curadoria das artes digitais já se envolve com esses
temas que desfazem não apenas o “seu” museu, mas o que é exatamente o lugar dessa arte ou a
forma de realizar a sua curadoria.
Neste artigo procuramos refletir, de uma perspectiva curatológica, sobre esse campo a partir
de experiências do Festival de Arte Digital (FAD). Para isso, partimos de uma reflexão sobre a
curadoria desses novos espaços e a forma que realiza a exposição.
Desse modo, pensamos as características da arte digital nos conceitos e parâmetros definidos
pelo Festival de Arte Digital (FAD), sendo esses essenciais e norteadores para a compreensão do
seu papel como agente difusor de conhecimento da arte e cultura no Brasil.
Aprofundamos, portanto, alguns desafios enfrentados pelo FAD na exposição de obras de
arte digital a longo prazo. A partir dos problemas enfrentados por toda curadoria do digital,
buscamos na experiência do FAD exemplos de escolhas curatoriais para a sua realização.
A ARTE DIGITAL EM UM FESTIVAL
Breve contextualização
Idealizado no ano de 2007 o FAD encontra-se na linha histórica das artes digitais muito
adiante do surgimento das artes eletrônicas no Brasil. Na tentativa de direcionar o leitor, mesmo que
de forma bem sucinta, é importante lembrar que as primeiras incursões nas artes eletrônicas
ocorreram principalmente no fim da década de 1970 e até meados dos anos 1980. Nesta última
essas incursões se deram, principalmente, pelo viés da vídeo arte e da construção de ambientes
imersivos denominados como vídeo instalação. A eletrônica por meio de seus equipamentos e
dispositivos começa a se apresentar nas galerias de arte desde então.
Os artistas que se apropriavam dos recursos eletrônicos ainda permeavam um circuito
independente e menos institucionalizado. A demanda pela arte por meio de dispositivos técnicos
ocorrera de forma ainda tímida.
No entanto, há no fim da década de 1980 e início dos anos 1990 um período especial da
organização dos primeiros festivais de arte e mídia, onde esse movimento artístico e estético ganha
força. Temos como exemplos, especialmente em Belo Horizonte, o MinasFest (1987) e o
FórumBHZ Video (1991) e, no Brasil, o Festival VB (VideoBrasil, 1986) entre outros.
Concomitantemente, proliferam-se os coletivos audiovisuais engajados na produção e edição “não
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linear” dimensionada pela evolução tecnológica e acessibilidade dos dispositivos de manipulação de
áudio e vídeo profissionais e amadores.
Os processos de sobreposição, recortes e colagens atemporais audiovisuais se tornam
procedimentos comuns, anunciando uma espécie de cultura estética da mistura, hibridizada, que se
revelaria principalmente alguns anos após o advento da internet nos meios de comunicação, como
uma cultura de revisões ou uma cultura de trechos reorganizados: a cultura “remix” (LEMOS,
2005).
A partir de 1996, ainda que com a internet discada (conexão dial-up) da rede telefônica,
desenvolvem-se as primeiras condições de uma cultura de influências múltiplas e ao mesmo tempo
global, dinamizada pela comunicação digital. Havia nesse movimento uma característica de
“universal não totalizante” (LÉVY, 2010). Dos anos 2000 em diante o desenvolvimento das
tecnologias na comunicação e o investimento global na infraestrutura em satélites e fibra óptica
dimensionam um grande impulso na internet: a banda larga. Tais condições geram a apropriação da
comunicação em redes espacializadas, dinâmicas e complexas entre os atores sociais. Essas redes
alteram quase que fundamentalmente os meios de produção, principalmente nas artes e, por
consequência, na afirmação das artes eletrônicas, agora digitalizadas, sejam pelo aspecto da
produção ou pelo da difusão.
É preciso lembrar que, junto a esses fatores infraestruturais e das alterações do
comportamento social diante dos desdobramentos comunicacionais, há a presença e participação
central dos avanços da matemática computacional e da linguagem em programação. Contribuem
também a indústria do silício por meio do desenvolvimento de ponta dos “microchips” e na
produção de interfaces computacionais cada vez mais robustas.
Dos grandes computadores institucionais ao computador pessoal e demais dispositivos
portáteis de alta capacidade de processamento de dados – recentes na nossa história da computação
– a apropriação artística das tecnologias de mercado se mostrou presente ao longo dessas décadas.
A cibercultura (LEMOS, 2005; LÉVY, 2010) se estabelece de forma mundializada. Dentro
desse cenário os artistas se desdobram com avidez pelos dispositivos tecnológicos e de fato a
cultura de recortes, sobreposições, pós-edições, de característica não linear se consolida sob o
conceito de “cultura remix”. Poderíamos ainda citar os desdobramentos dessa cultura remix ao
longo da década de 2000 atrelada e incorporada pelo mercado, como ocorreu por meio da
publicidade, mas também o estabelecimento de uma contracultura, ou uma anti-cultura global em
formação. Localismos de algumas culturas estão presentes e possíveis por meio de uma forma
globalizante da informação e comunicação, tendo na velocidade sua característica mais comum
nesse processo. Uma rede de produção constante por meio dos dispositivos tecnológicos e a
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velocidade de sua difusão em escala global é verdadeira. (CASTELLS, 2001; SOUSA SANTOS;
MENESES, 2009)
Durante as décadas de 1980 e 1990 o Brasil não experimentou de forma plena a
popularização dos dispositivos industrializados de áudio e vídeo, algo que ocorrera na década de
1970 no território norte americano. No Brasil, isso se deve às altas taxas de importação e a uma
indústria nacional com relativo atraso tecnológico. O mesmo não se sucedeu com as
telecomunicações e com a industrialização de computadores na década de 2000, um reflexo de uma
abertura econômica à indústria internacional, iniciada no meio da década de 1990 (BRESSER
PEREIRA, 1998a; 1998b).
Esse é o período que podemos determinar como um marco importante de início ao acesso à
informação e à massificação dos produtos computacionais e eletrônicos no cenário nacional. Tal
cenário altera potencialmente o uso das tecnologias nos processos artísticos por meio de artistas que
iniciam seus estudos de experimentação no ateliê, mas principalmente fora dele.
Especialmente, a cena cultural eletrônica (informação, dispositivos e difusão) toma para si a
fronteira das atividades. A música eletrônica se encaixa perfeitamente nas prerrogativas da
cibercultura e da cultura remix. Produtores musicais digitais e Disc Jockeys (DJs) se apropriam das
tecnologias e representam de maneira singular a cultura digitalizada. A construção não linear, a
mistura estética e conceitual, o uso de samples (amostragens), a criação e desenvolvimento de sons
por meio de sínteses eletrônicas de equipamentos sonoros (sintetizadores), a emulação de sons
naturais e o reuso desses sons em um outro contexto, representam fielmente o perfil da cultura
digital e principalmente dos artistas e do público em busca desses produtos culturais de uma nova
era tecnológica.
Por outro viés, somam-se a esses atores, os VJs (Video Jockeys). Por meio de apropriações
similares das tecnologias existentes (computadores e softwares), notadamente dos desdobramentos
da edição não linear, as narrativas do vídeo se alteram profundamente proporcionando novas
dinâmicas sensoriais e estéticas ao público. A imagem torna-se mutante e constante e está sob a
influência de efeitos gráficos especiais, onde tudo ou quase tudo parece ser possível.
Os VJs e DJs se complementam em peças artísticas retrabalhadas, remixadas, produzindo
sincronicamente uma simbiose estética e sobre diversas narrativas poéticas em sobreposição. As
festas e festivais da cultura eletrônica/remix se espalham pelo país por meio de pequenos grupos,
onde ocorre a hibridização com outras artes (artes plásticas, visuais, videoarte).
O trabalho colaborativo é difundido pela facilidade das telecomunicações em
desenvolvimento. A formação de grupos e coletivos artísticos independentes se expande nas redes
virtualizadas. Artesãos, artistas visuais, músicos, programadores, se interagem para a produção de
uma arte dinamizada pela centralidade da mídia. Um exemplo em Belo Horizonte é o
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feitoamãos/F.A.Q. (de meados a final dos 1990 até a segunda década do século XXI), coletivo
audiovisual multiartista, com designers, músicos, videomakers entre outros37.
Festivais independentes e festivais organizados, por meio de instituições formalizadas nos
sistemas das artes (fundações, museus, institutos), além de iniciativas financiadas por políticas
públicas de cultura e as leis de incentivo, reforçam e endossam o surgimento dessas iniciativas.
Essas estão sob a égide da diversidade cultural e da cultura mundializada por meio do acesso à
informação. Esse crescimento se dá pelo fato da ampliação das políticas culturais no fortalecimento
do Ministério da Cultura e, consequentemente, das Secretarias Estaduais de Cultura, na
implementação das leis de renúncia fiscal, e a participação e interesse da iniciativa privada no
marketing cultural.
No Brasil surgem os festivais com foco nas chamadas “novas mídias”, tais como o Festival
Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE, São Paulo, 2000), Bienal de Arte e Tecnologia do
Itaú Cultural/Emoção Art.ficial (São Paulo, 2002), e os pioneiros QuaseCinema (1981) e Encontro
Nacional de Arte e Tecnologia (#.Art, Brasília, 1989) etc.
É nesse contexto que surge no ano de 2007 o Festival de Arte Digital no Estado de Minas
Gerais. A idealização do festival parte da experiência e atuação exclusivamente de dois
profissionais: Henrique Roscoe38 e Tadeus Mucelli. Ambos inseridos na cultura e no universo das
tecnologias do áudio e do vídeo por meio de dispositivos computacionais desde 1998, produziam
trabalhos artísticos individuais os quais eram expostos no Brasil e no exterior e tinham uma breve
experiência na direção artística de eventos e coletivos audiovisuais.
A marca da perfomance
O FAD, inicialmente (2007), acompanhou uma das tendências das artes digitais no Brasil na
primeira década do século XXI: havia a centralidade das ações artísticas nas performances
audiovisuais, nas figuras dos artistas do áudio (DJs e produtores eletrônicos) e artistas do vídeo
(VJs, videomakers e videoartistas).
Os artistas produziam narrativas audiovisuais para apresentações ao vivo (live) em sistemas
de som. Apresentavam-se em forma de show e com equipamentos visuais de projeção de alta
resolução, com a presença de um público advindo da cibercultura. Ainda não havia uma
sistematização pelos sistemas tradicionais das artes e o digital estava fora do cubo branco.
37
Ver: http://site.videobrasil.org.br/acervo/artistas/artista/289907
38
Artista audiovisual e idealizador do Festival de Arte Digital. Assina artisticamente projetos de arte e
tecnologia como HOL, e VJ 1mpar.
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As características principais do FAD, quando comparado aos demais eventos, estavam na
cobertura de outras atividades e narrativas, como videoinstalações, ambientes de imersão,
interatividade e discussões em fóruns temáticos. No entanto, ainda nesse período inicial, as
performances predominavam como o ponto culminante da difusão nas artes digitais.
Há uma relação direta da “arte performática” com as artes digitais nesse período, uma arte
efêmera de tempo e espaço bem definidos. Essa definição se dá nas relações da apresentação.
Geralmente os processos de produção e execução audiovisual acontecem através de roteiros não
muito detalhados ou com pouca definição prévia. A repetição de loops em áudio e vídeo em
sincronia é, por regra, parte da estética na constituição das performances, mas isso não se reflete em
um roteiro identificável a cada nova apresentação. A cada ação da performance a mesma se torna
única e exclusiva ao espaço e ao tempo em que foram executadas. Uma segunda dimensão da
unicidade da apresentação, portanto, está relacionada à própria narrativa. Mesmo que ela possua os
mesmos padrões estéticos e discurso temático, nunca se repetirá como a anterior, mesmo que a
intenção dos artistas seja o devido controle pela repetição.
Uma arte efêmera quase sem registro
Muito foi perdido do ponto de vista da documentação desse momento histórico.
Especialmente nos anos de 2003 a 2008, o registro das ações nesse campo artístico pelo Brasil se
restringiu a documentação de imagens por meio de fotos, vídeos das performances em execução e
breves descrições (releases) dos trabalhos artísticos nos programas dos eventos, festivais, mostras e
residências artísticas. Em alguns casos houve a coleta de dados por meio de entrevistas com os
artistas e o público participante. Pouco material documental e científico sobre a produção artística
bem como artigos científicos com foco nas artes digitais do período e nos contextos da cibercultura
foram produzidos. Isso ocorreu posteriormente no universo acadêmico e no próprio circuito
artístico.
Em 2007, ano da primeira edição do FAD, foram desenvolvidas: 14 apresentações e
performances de artistas audiovisuais vindos de diferentes cidades do Brasil; 3 oficinas de produção
audiovisual em softwares, oferecidas ao público; uma mostra de 20 obras de netArt (uso de
computadores e interação com a internet). Os trabalhos apresentados nas performances produziram
cerca de 12 horas de registro audiovisual. Trechos das apresentações foram gravados em três
câmeras diferentes divididos em dois palcos simultâneos onde ocorreram as apresentações. Como
produto final disponibilizado por mídia física (DVD), e por meio de canais de video streaming na
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internet39, foram produzidos aproximadamente quarenta minutos que recortam esteticamente cada
apresentação com entrevistas entre alguns realizadores e curadores participantes em programetes de
2 a 3 minutos cada.
O sítio eletrônico do FAD40 dessa 1ª edição foi mantido em programação e linguagem
HTML. O conteúdo inserido na plataforma web permite o acesso às fotos antes e depois das
apresentações, breve descrição sobre os artistas, obras e performances apresentadas, bem como
ligação com as demais redes de conteúdo, como canal de vídeos no Youtube.
Naquele período, nota-se que a maioria das ações artísticas independentes usava do mesmo
expediente: o programa em forma de material gráfico; o registro de imagens; e um website contendo
informações sucintas e pouco aprofundadas. A visão do todo se torna bastante comprometida nesses
casos.
Apesar do número de recortes, das técnicas de edição do material coletado (post-edit) e do
poder do audiovisual como registro captando trechos momentâneos, é difícil a tarefa de reconstituir
informações para estudos mais profundos do ponto de vista de acervo, documentação e indexação
de informações e dados. As peças artísticas, principalmente nas performances, não eram passíveis
de reconstituição, a não ser pelo registro em vídeo ou imagens. Mesmo o vídeo que reproduziria
com maior fidelidade as obras e performances na relação com o público é muito fragmentado e atua
apenas como uma contextualização mais generalizada dos acontecimentos.
Na recente história da arte digital, deve-se considerar que a produção sempre teve papel de
centralidade. No caso do FAD, seja entre artistas digitais ou curadores, sob a chancela de diretores
artísticos – pois o cunho de curador viria mais a frente –, realizar era mais importante do que
registrar. Tratava-se de uma constituição de espaço, e determinação de novos territórios
influenciados pelo uso do digital, ainda sem a preocupação de uma organização similar aos sistemas
de artes pré-existentes, como em galerias ou espaços institucionalizados da arte.
O amadurecimento do FAD e sua curadoria
Nos anos seguintes (2009, 2010, 2011 e 2012) a produção de arte por meios e mecanismos
digitais se expande de forma muito pulverizada no Brasil. Coletivos artísticos em formação
(ADDD, Laborg, Azoia, Temp, Embolex, Bijari, F.A.Q, United VJs etc.) inserem no ateliê as
técnicas de domínio computacional. Cresce o número do uso de interfaces além do tradicional
computador de CPU e tela. Sensores infravermelhos, ópticos, sonoros, chips e microchips
programáveis, e dispositivos móveis como celulares e aparelhos de geolocalização se tornam
39
40
http://www.youtube.com/festivalfad
http://www.festivaldeartedigital.com.br
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ferramentas construtivas de um processo de produção não linear, mas sob a influência da indústria
de tecnológica. O uso de programas de código aberto (não proprietários) se expande entre atores
mais atuantes desse cenário. Programadores e nativos digitais dão sequência à lógica constitucional
da cibercultura: trabalho conjunto, colaborativo e distribuído por redes de informações abertas.
Ao contrário daquele momento no qual a apropriação de tais recursos ainda era limitada
pelos produtos de perfil industrial fechado e restrito (interfaces e programas), surgem novas opções
em um novo patamar devido aos avanços nas ciências da informação. Nas artes, por consequência,
se estabelece um lócus ideal da apropriação inesperada, onde o tempo, a forma e o uso dos materiais
e produtos da indústria são ressignificados.
No FAD o reflexo é proporcional à produção artística que se desdobra nos anos seguintes
(2009, 2010, 2011, 2012). O festival amplia as suas atividades conforme a expansão de
possibilidades da arte digital no momento. A centralidade das performances dá espaço a galeria
expositiva de obras de arte digital imersivas e interativas. De modo dinâmico, o festival se
compromete com recortes mais amplos da produção artística não mais setorizada nas apresentações
ao vivo, e recebe, a partir de então, propostas de trabalhos artísticos de exposições temporárias.
O desafio se encontra, portanto, na transposição do foco do palco das apresentações
resumidas e suas questões técnicas de som, luz e vídeo, para a galeria onde a complexidade de
relações humano-máquina, analógicas-digitais, performance-objeto, autor-interatores41, passivointerativo, contemplativo-imersivo, linguagem-programação, texto-hipertexto, real-virtual, denotam
as mudanças e as demandas da produção e gestão da arte digital.
O número da produção artística de trabalhos de artistas brasileiros42 em diversas frentes
como performances, obras interativas, netArt, vídeo instalações, obras generativas, ambientes
programáveis, aumentam consideravelmente. Inclusive em uma nova proporção entre obras de
artistas estrangeiros: há a diminuição de artistas estrangeiros e o aumento de artistas nacionais no
percurso do uso das tecnologias digitais.
De maneira resumida, para breve análise e visualização de alguns números, o FAD recebeu
nos anos posteriores a sua 1ª edição (2007), cerca de 1.400 propostas de trabalhos artísticos entre
performances, instalações de arte digital, oficinas, palestras. Foram realizadas e efetivadas 300
atividades nas áreas mencionadas no decorrer desses anos, com a participação direta de 60 artistas
de diversos países43.
41
Na arte digital é comum vermos a utilização do termo interator devido à característica interativa das obras de
arte. O interator é um ator que interage.
42
Entre a primeira edição do FAD no ano de 2007 e a terceira edição 2009, a proposição de trabalhos brasileiros
supera pela primeira vez o número de inscritos estrangeiros. O valor quantitativo também pode ser mensurado sendo um
salto de 30 inscritos para mais 200 inscrições respectivamente entre 2007 e 2009. Em 2010 esse número chega a mais
de 300 inscritos de acordo com o bando de dados do FAD.
43
Fonte: Banco de dados do Festival de Arte Digital, 2015.
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No decorrer desses anos de FAD, vemos que a arte digital ampliou a relação com outros
atores do sistema da arte (galerias, mostras, museus, curadores e mecenatos). A direção artística a
partir de então é responsável por novos critérios técnicos, conceituais, artísticos, econômicos e
éticos. Há uma transição para um trabalho mais profundo: uma curadoria do digital.
Para o determinado alcance de recorte mundial sobre a arte digital, o FAD implementa, em
2008, o processo de seleção pública de trabalhos por meio de editais para todas as áreas artísticas.
Os convites especiais e direcionados para alguns artistas, no intuito de serem fios condutores
conceituais das narrativas e das expografias e recortes pretendidos, continuam sendo realizados pela
direção do festival, mas deixam de ser a única maneira de seleção dos artistas e de seus trabalhos.
A curadoria do FAD tem a compreensão da cibercultura e de sua morfologia em redes que
influencia o campo das artes eletrônicas e digitais. Passa-se a considerar as alterações tecnológicas e
as exigências técnicas e informacionais para a tomada de decisão curatorial a cada edição. Pratica,
portanto, a escolha de obras artísticas, sua montagem, sua exposição e seu registro, bem como
roteirizam as ações de gestão do FAD remetendo, em parte, às noções e práticas museais e
acervísticas da arte contemporânea pré-existentes, ainda que com características muito próprias.
Essa é a configuração histórica-curatorial do Festival de Arte Digital e nas próximas páginas
veremos com quais dificuldades uma curadoria do digital deve lidar para garantir a sua atuação.
A CURADORIA DO DIGITAL
A experiência da curadoria, no contexto do digital, passa a ter um papel mágico de
manifestar um imaginário e assegurar que este – ou alguns de seus elementos – irão se aproximar e
complementar o imaginário dos visitantes de um museu, um festival, uma exposição.
Além disso, uma curadoria do digital também se ocupa da reconfiguração do espaço comum
em que o visitante da exposição estará presente corporalmente ou não. O curador se preocupa, além
dos aspectos já tratados nas páginas anteriores deste artigo, com a iluminação no espaço de
exposição, com a métrica, com a passagem das pessoas, com paredes e a falta delas. A dimensão
espacial vai do físico ao não físico, ambos conhecidos – no contexto da tecnologia digital – como
parte de um mesmo ciberespaço atomizado (ROCHA, 2010, p. 102-103) em nosso cotidiano ou no
contexto da exposição que parece cada dia mais próximo do dia-a-dia das pessoas.
Na configuração do espaço expositivo da arte digital é notória a presença de iluminação por
leds, refletores e projetores, bem como de outros equipamentos tais como computadores, câmeras,
sensores etc. Essa presença nos espaços de exposição acaba preocupando os curadores com as
possibilidades de furto, roubo ou dano por superaquecimento. Justamente por esses riscos, e o
desejo de manter sua exposição em funcionamento, optam muitas vezes por galerias fechadas nas
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quais será possível controlar melhor as luzes, a climatização do ambiente, o acesso das pessoas às
máquinas que podem estar expostas ou ubíquas.
As escolhas e o pensamento que configuram um espaço próprio para cada exposição é algo
conhecido pela curadoria de obras de arte. Sobretudo após as vanguardas do início do século XX, a
arte se acostumou com obras inusitadas que demandavam mais espaço de exposição do que havia
nos tradicionais museus de belas artes. No decorrer daquele século essa se tornou uma preocupação
corriqueira ao trabalho do curador de exposições (MARMO; LAMAS, 2013; SANTOS, 2012).
A arte contemporânea, seguindo esse caminho, revela dificuldades ao curador e, no campo
do digital, essas dificuldades são multiplicadas. Elas se dão pelas máquinas que devem ter uma
temperatura controlada (além do próprio ambiente de uma maneira geral), pelo uso da iluminação
bem projetada, ou pelo espaço que se torna híbrido (ciberespaço), condições às quais ainda
podemos acrescentar a instabilidade (GOBIRA; MUCELLI e PROTA, 2013) que são imprevisíveis
até então, tais como: a falta de energia elétrica (quando não se tem um gerador); ou defeitos
diversos em hardware e software utilizados nas obras.
A entrada da tecnologia nas exposições acabou aproximando as curadorias diversas sejam
elas do campo artístico ou não. O mesmo problema tecnológico que temos – citado acima – pode
ser enfrentado em uma exposição: de ciências; da língua portuguesa; de arte contemporânea; da
memória de um indivíduo etc., desde que tenha a presença da tecnologia digital.
Essas dificuldades que, aparentemente, podem ser consideradas “apenas” técnicas, são
encontradas no contexto da produção artística e implicam na construção daquilo que chamamos de
“poética da obra de arte”. Essa poética computacional, ou estatuto próprio de uma obra de arte
digital, traz o erro (ou a sua potência) como elemento de composição. Esse é um elemento
determinante daquilo que ela é e, portanto, não pode ser considerado um aspecto “apenas técnico”.
Ao mesmo tempo em que aceitamos essa condição, abraçamos com ela outro problema que
não poderá ser resolvido nestas páginas. Uma vez que o advento do digital no contexto expográfico
aproxima as ações expositivas de objetos diferentes, permite que os espaços diversos (aqui no
contexto amplo aplicado à noção de ciberespaço) também possam ser aproximados quase que sendo
eliminada a diferença entre eles. Assim, os seguintes espaços expositivos são aproximados: uma
exposição da língua; uma exposição de arte contemporânea; uma exposição da memória de um
indivíduo etc. (isso para ficar nos exemplos dados anteriormente); mas também se aproxima do
exposto em uma igreja, em uma biblioteca pública, em um supermercado, em um motor de buscas
na internet, tal como o Google, ou em um banco de dados etc. Da perspectiva curatorial será o
objeto que revelará as especificidades da curadoria ao mesmo tempo em que os meios técnicos
dessa curadoria também a encaminham para um lugar comum a outras dimensões curatoriais ou até
“não curatoriais” (como os casos citados do supermercado e da biblioteca).
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Mais uma vez, agora no século XXI, vemos a ampliação da noção de curadoria que
consequentemente dilata a noção de museu (e a memória) apropriando para si (ou sendo apropriado
por) outros espaços. Por esse motivo não é estranho ver exposições de arte digital ultrapassarem as
galerias em que as obras estão expostas e chegarem até aos e-mails, aos perfis em redes sociais etc.
dos interatores, pois os planos curatoriais, já há algumas décadas, chegam aos visitantes por meio
de websites e outras formas de divulgação. Também não é estranho ver instalações de arte digital
em metrôs ou nas ruas das grandes cidades permitindo aos passantes “alimentarem” com seus dados
biográficos ou biométricos aquelas máquinas de computação e projeção que gerarão imagens que
reconfiguram o imaginário urbano.
Para a alfabetização expográfica de uma geração digital é necessária uma realidade já
conhecida: os espaços expositivos criam uma “escrita” própria em cada exposição. A presença do
digital acaba sendo uma presença de “vocábulos coringas” dessa “expo-grafia”. A expografia digital
sinaliza um processo comunicativo que considera elementos da linguagem da obra exposta. Como
curadores, temos uma tendência a utilizar o artifício gráfico ou, mais amplamente, audiovisual, e
apresentamos uma perspectiva artística-computacional – ao menos em essência, caso não se deseje
considerar qualquer elemento gráfico/visual como arte – que acaba perpassando o espaço de
exposição.
Essa ocupação do espaço expositivo realizado pela obra é o que chamamos de interface, por
demandar algum sentido humano (ver, ouvir, falar, tocar etc.). Essa é uma interface que vai além
daquela computacional (homem-máquina ou máquina-máquina), pois se configura uma interface
entre o visitante e o que é exposto. Essa interface está presente e concretamente constituída já
naquilo que se expõe independendo do espaço físico, demandando a relação que se estabelece de
maneira interativa ou não interativa. Isso se torna mais claro quando pensamos em uma obra de arte
em exposição (por exemplo, uma pintura) que é uma interface para ela mesma, sem
atravessamentos ou percursos. O visitante vai até a obra e ela o conecta a ela mesma (e seu
imaginário).
No caso da obra de arte digital, a própria interface computacional já é um elemento
expográfico, pois ela conduz, orienta, registra e inscreve no espaço, conduzindo (ou não) o
visitante. Essas dimensões são encontradas nos contextos expositivos digitais diversos e no Festival
de Arte Digital, no qual se manifestam de maneira concreta. O festival utilizou-se, na sua história
até aqui, de todas as ferramentas que contribuíam para sua expografia. Algumas delas foram
abandonadas ou diminuíram sua presença. Outras foram incorporadas contemplando um movimento
curatorial inclusivo que permitiu, através de editais e de ampla divulgação e exposição, constituir
uma história expográfica desde a sua galeria e através dos registros públicos na mídia, internet,
redes sociais etc.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ação do FAD a favor da arte digital constituiu uma curadoria que garante sua identidade
atual. A experiência do festival é, de fato, específica e demonstra os problemas que este artigo
propôs discutir, sobretudo o contexto da arte digital nos últimos 15 anos. Esse campo, à medida que
foi se formando, ganhou também a presença da figura do curador que se formou entre os dois
últimos séculos.
É importante reforçar que toda a presença pública do FAD, desde os websites e vídeos no
Youtube até as suas galerias de exposição e as oficinas e simpósios, são parte de uma mesma
mostra, uma mesma curadoria. Como visto na última seção deste artigo, o espaço expositivo do
digital é híbrido e, por isso, a curadoria (e especificamente a curadoria do digital) se preocupa com
uma expografia ampla que considera uma cibercultura em funcionamento e, portanto, elabora-se e
cria o seu espaço de exposição de maneira ciberespacial.
Constituído pela realidade digital, o FAD se propõe enfrentar todos os problemas que o
campo oferece. Assim, o festival arriscou se parecer com um evento de arte contemporânea e com
um espaço onde a arte é exposta não apenas de maneira tradicional. Como um festival, uma “festa”,
ele celebra muito mais os problemas do que as soluções. Estas, conforme são alcançadas, aparecem
como um legado das iniciativas do campo aqui discutido: o campo da arte digital. E o espaço
expográfico proposto pelo FAD, em toda a sua história, buscou justamente trazer para o centro
essas dificuldades.
As dificuldades do digital e da arte que com ele dialoga estabelecem um caminho tenso e de
experimentação permanente ao curador. De fato, em outras palavras, estamos tratando de um
curador que deve lidar com a instabilidade e a efemeridade ao mesmo tempo em que se envolve
profundamente com o projeto curatorial que a arte contemporânea propõe. Esse lugar dividido
talvez revele um outro caminho que ele possa tomar (ou já esteja tomando).
Apenas o tempo e mais estudos e pesquisas aprofundadas revelarão se há de fato um
caminho próprio a esse curador do digital. Por fim, este artigo procurou contribuir para essa
discussão trazendo ao debate a experiência do FAD, sua história e a descoberta da sua curadoria,
delimitando um papel em relação a outros eventos no Brasil.
REFERÊNCIAS
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