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Inovação e cultura maker contada por mulheres

Por que as mulheres saem da área de tecnologia - e como evitar isso

Mulheres são duas vezes mais propensas a abandonar empresas de tecnologia do que homens (41% contra 17%). Por que isso acontece? Um estudo com 4.000 mulheres que mudaram de trabalho recentemente descobriu que a principal razão para elas saírem das empresas é "a preocupação com a falta de oportunidades de crescimento". Uma extensa pesquisa concluiu que mulheres abandonam a indústria tecnológica porque "são tratadas injustamente, recebem salários menores e apresentam menos chances de serem promovidas do que seus colegas do sexo masculino". Um estudo feito pelo Centro de Talento e Inovação (Center for Talent Innovation) revelou que 27% das mulheres na tecnologia se sentem estagnadas em suas carreiras e 32% pensam em sair no próximo ano; 48% das mulheres negras se sentem estagnadas.

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Por Maria Lab
Atualização:

É mais difícil para as mulheres conseguirem promoções e isso se dá por diversos motivos. Elas são mais frequentemente excluídas de cargos de criatividade e inovação, sendo indicadas para cargos menos satisfatórios e com tarefas de menor visibilidade e exigência. Elas ainda têm que provar seu valor diversas vezes e suas ideias são solenemente ignoradas até que um homem dê a mesma sugestão. Um estudo de Harvard, Wharton e do MIT descobriu que as vozes dos homens são mais persuasivas, objetivas e lógicas do que as das mulheres, mesmo quando leem o mesmo texto. Os pesquisadores descobriram que, nas avaliações de desempenho, as mulheres recebem feedbacks mais vagos e críticas quanto as suas personalidades, enquanto os homens recebem conselhos de mudança baseados nos seus resultados. As mulheres da tecnologia têm menos chances de ter as suas ideias aprovadas do que homens (30% contra 37%). Um estudo com 1800 profissionais revelou que sem lideranças mais diversificadas, as mulheres têm 20% menos chances de conseguir apoio para suas ideias do que os homens brancos e heterossexuais.

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O segredo da diversidade

O primeiro e mais importante passo para aumentar a diversidade é garantir que você está tratando muito bem as mulheres e as pessoas negras que já trabalham na sua empresa. Isso inclui valorizar as contribuições que elas dão, indicá-las para projetos importantes, destacar suas conquistas em reuniões de diretoria, pagar os mesmos salários, proporcionar oportunidades de aperfeiçoamento de suas habilidades, escutá-las, prepará-las para promoções, oferecer bons gerentes, acreditar em suas experiências e dar-lhes apoio. Por conta do preconceito inconsciente, essas são ações que estamos mais propensos a fazer por homens brancos.

Sem garantir este primeiro passo de tratar os funcionários bem e com igualdade, mesmo que você consiga contratar mais mulheres e pessoas negras, não vai conseguir mantê-las na firma, e a má reputação tornará mais difícil para a sua empresa atrair esses talentos no futuro. A engenheira Alice Goldfuss tuitou:

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"Deveria haver um tópico no currículo: recebi uma oferta da $grandeempresa mas não quis lidar com a sua cultura de m****". Foto: Estadão

As pessoas falam e sabem quais empresas são conhecidas por terem ambientes tóxicos e preconceituosos e quais são as companhias que dão às pessoas mal representadas oportunidades para crescer e aparecer.

Tuíte da engenheira Jessie Frazelle:

"LOL, as pessoas ainda acham que as mulheres que trabalham em tecnologia não se conhecem."  Foto: Estadão

Alerta: mentoria NÃO é a solução

Olhadas de forma superficial, mentorias parecem ser uma boamaneira de ajudar pessoas a avançar em suas carreiras, mas os dados mostram que isso é verdadeiro apenas para homens, porque mentores atuam de forma diferente com homens e mulheres. Um estudo com 4.000 mulheres e homens que se graduaram nos mais aclamados programas de especialização (MBA) - entrevistados em 2008 e, novamente, em 2010 - concluiu que, quando mulheres recebem mentoria, as sessões são focadas em conselhos sobre como elas devem mudar e adquirir mais autoconhecimento. Quando homens passam por mentoria, esta é focada em afirmação pública de sua autoridade e passos concretos para tomar iniciativas e criar metas profissionais. Adivinhe qual desses focos é o mais efetivo? Homens que receberam mentoria tinham, estatisticamente, melhores chances de serem promovidos, o que não foi o caso das mulheres que também receberam o mesmo acompanhamento.

O estudo concluiu que mulheres têm mais chances de encontrar mentores do que homens; no entanto, elas se encontravam em cargos mais baixos, tinham salários menores, estavam menos satisfeitas e apresentavam menores chances de promoção. Sponsorship (Patrocínio) é quando um mentor vai além de conselhos e usa sua influência com executivos sêniores para advogar pelo mentorado. Com um patrocinador, mulheres na tecnologia têm 70% mais chances de ter suas ideias aprovadas1, 119% mais chances de ter suas ideias desenvolvidas e 200% mais chances de ver suas ideias implementadas, comparadas a mulheres sem um mentor.

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Canais para cargos seniores

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Há alguns anos, mulheres compunham apenas 10% dos cargos de liderança geral e de engenharia na Intuit, apesar de corresponderem a 24% do time de engenharia. Além disso, elas tinham três vezes menos chances de serem promovidas em relação aos colegas homens. Em resposta, a Intuit criou um canal de talentos para cargos sênior: diretor, gerente de gerentes, arquitetos e engenheiro-chefe.

Vinay Pai, vice-presidente de engenharia na Intuit, pediu a diretores, arquitetos e engenheiros-chefe que identificassem mulheres que fossem potenciais gerentes e líderes da equipe de engenharia. A partir de então essas mulheres deveriam receber mentoria com a meta específica de prepará-las para os cargos sênior. Após um ano, o abismo na prontidão para promoção de homens e mulheres foi eliminado, diversas mulheres foram promovidas, a permanência aumentou e a participação de funcionários (tanto homens como mulheres) se tornou maior. Apesar de o programa da Intuit ter sido apenas focado em promover mulheres, ele deveria ser expandido para outros grupos com baixa representatividade, para evitar uma "diversidade sem cor" que beneficiaria principalmente mulheres brancas.

 Foto: #WOCinTech Chat

Pesquisadores do Deutsche Bank supuseram que mulheres comandando diretorias estavam deixando a empresa para trabalhar em competidores, pois procuravam melhores oportunidades de trabalho e qualidade de vida. Porém, descobriram que, na verdade, as mulheres estavam deixando a empresa porque recebiam ofertas de cargos maiores naquelas empresas do que eram oferecidos a elas internamente. O Deutsche Bank respondeu criando um programa de apadrinhamento para conectar membros do comitê executivo e mulheres - em um ano, um terço das participantes foi promovida.

A diferença de salário é real

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No mercado de tecnologia, existem discrepâncias de salário segundo o gênero e a raça do funcionário, e essa diferença é maior para as mulheres negras, que vivem os efeitos acumulativos de ambos. Um estudo feito pelo Instituto Americano de Pesquisa Econômica descobriu que, em geral, desenvolvedoras latinas ganham 20% menosdo que os homens brancos. Latinas, asiáticas e negras que desenvolvem software ganham menos que brancos, negros e asiáticos e menos que mulheres brancas (os homens latinos são a exceção, ganham menos que todos os outros grupos, exceto mulheres latinas). Outro estudo revelou que, depois de um ano de faculdade, as mulheres fazem 88% do que os homens fazem em engenharia e 77% do que os homens fazem em computação e ciência da informação -  esta lacuna aumenta com a força da composição.

Algumas pessoas rejeitam a diferença salarial com o argumento de que as mulheres escolhem campos que pagam menos. Entretanto, a causa é justamente o contrário: o pagamento cai conforme as mulheres ocupam campos antes dominados por homens. Um estudo feito por pesquisadores de Stanford e da Universidade da Pennsylvania analisou 164 cargos usando dados de 50 anos do Censo Norte-Americano (1950-2000) e descobriu provas consistentes de que o salário diminui conforme as mulheres ocupam campos antes dominados por homens, mesmo nas mais diversas áreas, como recreação, venda de bilhetes, design, faxina e biologia. Quando um trabalho atrai mais homens, como a programação de computadores, que costumava ser majoritariamente feminina, os salários aumentam.

Outro argumento é que as mulheres ganham menos porque não negociam. Entretanto, um estudo com 4.600 funcionários de 840 empresas mostrou que as mulheres pedem aumentos tanto quanto os homens, mas eles têm 25% mais chances de receber um sim como resposta (o estudo usou dados da Austrália, que é o único país do mundo a coletar esse tipo de informação. Talvez as empresas norte-americanas, tão apaixonadas por dados, pudessem fazer isso também...) Além disso, um estudo feito em Harvard e na Universidade Carnegie Mellon  descobriu que, quando homens e mulheres negociam uma oferta de emprego com as mesmas exigências, as mulheres que pediram um salário maior são classificadas como mais difíceis de lidar, enquanto os homens não eram avaliados negativamente por negociar.

 Foto: #WOCinTech Chat

O professor Emilio Castilla, do MIT, estuda a cultura da meritocracia e descobriu que empresas que promovem a meritocracia mostram mais inclinação a favor de homens do que de mulheres que têm o mesmo desempenho. Quando o professor Castilla estudou uma grande empresa privada, descobriu que mulheres, minorias étnicas e funcionários não nascidos nos EUA recebem bônus menores que os homens brancos com as mesmas avaliações, nos mesmos cargos, na mesma unidade e com o mesmo gerente. Isso é tão ridículo que é preciso repetir: funcionários com a mesma avaliação de desempenho, o mesmo trabalho, na mesma unidade e com a mesma gerência recebem bônus diferentes! Depois que a Microsoft divulgou que paga a mesma coisa para homens e mulheres no mesmo nível, o engenheiro Leigh Honeywell apontou que isso é apenas uma parte da história, já que a empresa não divulga as velocidades de promoção e taxas de retenção (dados que a Microsoft tem, mas não divulgou). Se as mulheres não conseguem promoções tão rapidamente quanto os homens, elas estão, de fato, recebendo menos pelo mesmo nível de experiência. Algumas possíveis razões para que as mulheres sejam preteridas nas promoções são as avaliações preconceituosas, menos acesso a projetos inovadores, menos visibilidade para ascender na empresa e as combinações de padrões (líderes procuram pessoas que os lembrem de si mesmos). A igualdade salarial é necessária, mas não é o suficiente. As empresas de tecnologia precisam divulgar as taxas de comparação das promoções classificadas por gênero e raça, como parte de seus relatórios de diversidade.

Ideias de mulheres não são ouvidas até que um homem as sugira

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Um estudo de Harvard, Wharton e MIT descobriu que as vozes masculinas são percebidas como mais persuasivas, embasadas em fatos e mais lógicas do que as vozes femininas, mesmo quando estão dizendo exatamente a mesma sentença. Muitas mulheres já vivenciaram a experiência de terem suas ideias ignoradas, apenas para um homem sugerir exatamente a mesma coisa depois e receber os créditos e elogios.

Mulheres na tecnologia têm menos probabilidade de terem suas ideias aprovadas para desenvolvimento do que homens (30% contra 37%). Um estudo com 1800 profissionais descobriu que, sem uma liderança diversificada, mulheres têm 20% menos chances de ganharem respaldo para suas ideias do que homens brancos e heterossexuais, enquanto que pessoas negras têm 24% menos chances e pessoas LGBT, 21% menos.

 Foto: #WOCinTech Chat

Um artigo recente divulgou uma estratégia usada por mulheres em reuniões na Casa Branca: "Quando uma mulher falar algo relevante, outra mulher deve repeti-lo, dando crédito a sua autora. Isso forçou os homens na sala a reconhecerem a contribuição e os impediu de se apropriarem da ideia". Se o grande número de mulheres que postou, compartilhou e tuitou esse artigo pode ser usado como indicação, esse é um problema e uma solução que alcançou muitas pessoas. Enquanto esse artigo era especificamente sobre mulheres apoiando umas as outras, homens também podem fazer isso. Ouça atentamente em reuniões e repita reconhecendo boas ideias, dando o devido crédito.

Mulheres não recebem atribuições com alta visibilidade, necessárias para ganhar promoções

Dois professores de Stanford conduziram um estudo no qual se reuniram com 240 líderes sênior de uma empresa tecnológica do Vale do Silício. Esses líderes identificaram a visibilidade como o fator mais importante para que alguém seja promovido: mais importante que competência técnica, resultados do negócio ou capacidade de liderança da equipe (esses outros atributos foram todos vistos através de uma lente de visibilidade). Os pesquisadores observaram dezenas de horas de comentários de análise do desempenho, e concluíram que as mulheres estão em grande desvantagem.

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Os pesquisadores descobriram que homens com um estilo de liderança altamente visível foram descritos de forma positiva como "esmagador" ou "matador", enquanto que as mulheres com um estilo de liderança altamente visível foram criticadas por serem "abrasivas" ou "atropelarem pessoas". Mulheres e homens com estilos de liderança mais colaborativo não foram reconhecidos como líderes, então essa é uma situação em que as mulheres sempre perdem.

 Foto: #WOCinTech Chat

Mulheres nos grupos estudados relataram terem sido rejeitadas quando solicitaram oportunidades melhores. Um comentário típico foi: "há momentos em que você é desencorajado a assumir uma tarefa de extensão maior. O gerente diz: 'Isso vai exigir horas extra e você tem que pensar na sua família. Isso não é algo para você'. Eu tive que fazer acontecer e essas experiências foram necessárias para uma promoção".

Mesmo que você não esteja em uma posição de poder, você ainda pode elogiar as minorias sub-representadas com quem trabalha para outros colegas, ou sugerir como você acha que X seria ótimo na aplicação da habilidade Y com alto impacto no problema Z. Se você é um líder, certifique-se de que esteja atribuindo projetos de alto impacto e de alta visibilidade para minorias sub-representadas.

O custo de gerentes sem treinamento

Em uma pesquisa feita em 21 empresas de tecnologia, mulheres de áreas técnicas  avaliaram seus superiores como fracos em relação à comunicação, receptividade a sugestões, disponibilidade e feedback, comparando com homens de áreas técnicas e pessoas de áreas não-técnicas. Essas mulheres eram menos inclinadas a concordar que as decisões gerenciais foram justas, que a gerência confiava em seus julgamentos, que a avaliação de performance era justa ou que era seguro expressar suas ideias, em comparação com qualquer outro subgrupo. Eu, uma vez, tive um gerente que desconsiderava ou ignorava tudo o que eu falava. Até em minha entrevista de desligamento, ele negou que meus motivos para sair eram problemas da companhia.

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Na indústria de tecnologia, muitos gerentes recebem pouco ou nenhum treinamento e as pessoas são frequentemente promovidas a cargos gerenciais por conta de suas capacidades técnicas, não por suas capacidades com pessoas ou com liderança. Não subestime o dano que um gerente pouco capacitado pode causar. Muitos gerentes desconhecem completamente as pesquisas científicas sobre motivação (autonomia, conhecimento e propósito tem se provado os melhores motivadores) ou preconceito inconsciente e de como isso impacta a análise de performance. Você deve treinar seus gerentes.

 Foto: #WOCinTech Chat

Pesquisadores de Stanford realizaram uma comparação entre as análises de performance de três companhias de tecnologia e de uma prestadora de serviços. Os pesquisadores descobriram que ofeedback dado a homens contém mais detalhes e conselhos, enquanto o feedback dado a mulheres é vago (por exemplo, "Você teve um ótimo ano" era comum). Quando mulheres recebiam feedback específico para o desenvolvimento, este era muito focado em seu estilo de comunicação (por exemplo, "sua maneira de falar é incômoda" ou "muito agressiva"). Em contraste, homens recebiam feedback adicional associado aos seus resultados comerciais, como "Você precisa aprofundar seu domínio na área X - assim que você tiver esse conhecimento, poderá contribuir em decisões que impactam o cliente". A falta de feedback relevante e prático dificulta que as mulheres façam mudanças necessárias para avançar suas carreiras. Outro estudo, de 248 análises de performance, encontrou um forte preconceito quanto ao gênero; homens recebiam críticas construtivas sobre as habilidades que eles deveriam desenvolver, enquanto mulheres recebiam críticas relacionadas a sua personalidade ("preste atenção no seu tom").

Etapas para a ação

Seguem alguns passos para aumentar a diversidade em sua empresa. Escolha pelo menos uma e se comprometa em realizar a ação ainda esta semana:

- Pense em uma pessoa de um grupo sub-representado no seu local de trabalho e cujo trabalho você admira. Pense em uma maneira de promover seu trabalho: defender suas ideias, elogiá-la para os líderes da sua empresa ou recomendá-la para um projeto interessante e de alto impacto;

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- Estabeleça um programa de mentoria para ajudar as pessoas dos grupos sub-representados a se preparar para promoções;

- Capacite os gestores para que possam dar às mulheres avaliações de desempenho justas e úteis;

- Em reuniões, ouça as mulheres e repita as boas ideias que não forem reconhecidas no momento, dando o crédito a quem teve a ideia primeiro;

- Analise os dados da sua empresa em avaliações de desempenho, salários e promoções. Corrija eventuais desigualdades salariais. Se existir diferença entre grupos em avaliações de desempenho ou promoções, investigue o porquê.

- Em geral, procure maneiras de promover alguém que não se pareça com você, independente do status e do poder que você possui.

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Referência 1: "Athena Factor 2.0: Accelerating Female Talent in Science, Engineering & Technology" http://www.talentinnovation.org/_private/assets/Athena-2-ExecSummFINAL-CTI.pdf

Este texto foi publicado originalmente em inglês e faz parte de uma série de dois posts. A primeira parte pode ser lida aqui, em inglês.

Autora:Rachel Thomas

Tradução: Carla Jancz, Fernanda Lira Monteiro, Fer Shira, Glória Celeste de Brito, Lúcia Freitas, Renata Bastianello, Vanessa Tonini.

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