Cultura Música

Elton Medeiros volta à ativa ao lado do jovem Vidal Assis

Um dos mais inspirados compositores do país já gravou mais de dez sambas com o pupilo

SC Rio de Janeiro (RJ) 14/11/2016 - O sambista Elton Medeiros (de chapeu), acometido de cegueira, retoma carreira compondo em parceria com o jovem musico Vidal Assis. Foto: Leo Martins / Agencia O Globo
Foto:
Leo Martins
/
Leo Martins
SC Rio de Janeiro (RJ) 14/11/2016 - O sambista Elton Medeiros (de chapeu), acometido de cegueira, retoma carreira compondo em parceria com o jovem musico Vidal Assis. Foto: Leo Martins / Agencia O Globo Foto: Leo Martins / Leo Martins

RIO – Vidal Assis tinha 16 anos quando ouviu pela Rádio MEC a voz de Elton Medeiros num samba seu com Cartola: “Nada consigo fazer/ Quando a saudade aperta/ Foge-me a inspiração/ Sinto a alma deserta”. Jovem estudante, mal tirando as primeiras notas no violão do pai, não passava de um encantado admirador do coautor de “Peito vazio”.

Hoje, passados 15 anos, Vidal, com 31 portanto, é biólogo com mestrado, professor a caminho do doutorado, bom de violão e parceiro de Elton em dez sambas, mais outros tantos já esboçados. Importante: os sambas são excelentes. Mais importante: a parceria interrompe o silêncio de um dos mais inspirados compositores brasileiros, 86 anos de vida dedicada à música.

O silêncio, que Elton prefere negar (“Nunca parei de compor. Jogador de futebol é que é velho aos 40...”), foi forçado por problemas de visão que, há dois anos, o levaram à cegueira, esta, sim, responsável por seu afastamento dos shows, das reuniões musicais, de tudo. Com dificuldade de locomoção, ele raramente saía de casa.

Do seu lado, Vidal foi-se se aproximando da música. O violão do pai é o seu até hoje, só que bem tocando pelo moço que decidiu estudar seriamente. Fez curso na Escola Portátil de Música, começou a compor, inclusive com letras de um de seus professores, Hermínio Bello de Carvalho.

— Hermínio dirigia a Oficina de Coisas — lembra Vidal. — Eram aulas em que a gente escutava e descobria músicas, algumas estranhas. Discutíamos as letras dessas músicas, seus intérpretes, um pouco de tudo. Aprendi muito ali.

Da primeira vez que viu Elton, Vidal se lembra. Elton, não. Foi em 2008, num show na UFRJ a que Vidal assistiu “já sabendo tudo da obra” do atual parceiro. Ao fim do show, ele e o amigo violonista Tiago Alves subiram ao palco para cantar “A ponte”, música e letra de Elton (“Chora, põe o coração na mesa/ Chora, tua secular tristeza...”). Nos anos seguinte, Vidal compôs mais, gravou, participou de espetáculos como convidado, viveu de biologia e música.

Um dia, ano passado, Hermínio o surpreendeu com uma oportuna sugestão: “Você precisa conhecer o Elton”. O próprio Hermínio percebera uma grande afinidade entre talentos e estilo de seus dois parceiros:

— Juntar talentos tem sido meu papel — afirma ele, ao lembrar a impressionante lista de colaborações musicais que promoveu, algumas no Zicartola e, depois, nas vitoriosas edições do histórico ( show ) “Rosa de Ouro”.

Contada pelos dois, Vidal e Elton, a história de como começaram a compor mostra bem as afinidades. Hermínio preparou um almoço em sua casa para os dois se conhecerem e incumbiu Vidal de buscar Elton em Copacabana. Vidal foi em seu automóvel. Já a caminho da casa de Hermínio, começou a cantarolar um tema de bonita e acidentada melodia que chamou a atenção de Elton. Este pediu que a repetisse. E ali mesmo, ao lado do motorista, Elton incumbiu-se da segunda parte. Nascia assim o samba-canção “Nem sempre, nem jamais”, letrado por Vidal.

— Basta eu dar um espirro que o Vidal bota uma letra — diz Elton, enquanto o novo parceiro esclarece não ser este o método de trabalho dos dois. Às vezes, um faz a primeira e o outro completa com a segunda. Em outras vezes, é o contrário.

Método de trabalho que, pela tocante solidariedade de Vidal, implica num esquema diferente de tudo: Vidal vai a Copacabana, pega Elton e o leva para sua casa no Jardim América, onde almoçam sob as bênçãos culinárias de Dona Lerli, mãe de Vidal. Depois do almoço, música. Elton já passou o último Natal com a família do parceiro, família que há três meses cresceu com o nascimento de Luiza.

Com isso, a dependência física de Elton em relação a Vidal é enorme. É Vidal quem o acompanha, braços dados, em todas as caminhadas. Faz isso orientando-o matematicamente (“45 graus à esquerda”, “Agora, 30 à direita”) e com uma eficiência de guardião atento e paciente. Elton, que no começo da entrevista preferiu falar pouco (“Deixa que o Vidal conta...”), abriu-se mais quando se referiu à perda da visão:

— Não sei exatamente o que aconteceu. A visão foi sumindo aos poucos, enquanto os médicos iam me dizendo que nada podiam fazer. Um da Rua Evaristo da Veiga, uma espanhola de Botafogo, outro de São Paulo, nada. Uns bons, outros não. Uma velhinha minha amiga me disse que ainda vou voltar a ver. Eu acredito. Floriano, velho fotógrafo meu amigo, estava totalmente cego e voltou a ver. Já me indicou o médico dele, em Porto Alegre. Se curou o Floriano, também pode me curar.

CONTO OU ROTEIRO DE FILME

Vidal Assis e Elton Medeiros também atuam separados. Vidal, além da biologia, prepara-se para lançar mês que vem um CD independente de inéditas suas com Hermínio Bello de Carvalho (show de lançamento em 12 de janeiro, no Teatro Serrador). Uma das faixas, com a primeira parte cantada por Elton e a segunda por Vidal, é “Nem sempe, nem jamais” ( leia a letra abaixo ), estreia da parceria que Hermínio apadrinhou.

Quanto a Elton sem Vidal, ele passa os dias em casa em algo que o vem empolgando: histórias contadas ao jornalista Moacyr Andrade, dez até agora, para ganharem forma de conto ou roteiro de filme. Uma das histórias — sobre menina pianista no Tijuca Tênis Clube — ele adianta ao fim da entrevista: nela, como em todas as outras, ficção e realidade se misturam em narrativas que substituem (talvez temporariamente), a biografia de Elton que Moacyr vinha escrevendo.

LEIA A LETRA DE 'NEM SEMPRE, NEM JAMAIS'

Se perguntarem quanto aprendi não sei contar

Só sei que o amor guarda dentro de si um velho altar

Onde um cristal fica sempre a luzir

Mas só quem sabe amar

Há de tocá-lo e assim conseguir se iluminar

E a luz refaz tudo que se desfez na voz, no olhar

Que até os rios abertos na tez hão de fechar

E é por isso que eu digo a vocês

Viver só se vive uma vez

O amor é a vereda por onde a vida sabe andar

E a sabedoria talvez não more no livro das leis

Mas dentro daquele que se entregar.

Erro, no entanto, é manter o amor que não tem paz

O amor não carece de ser nem sempre, nem jamais

E todo amor quando finda

Entende o quanto é bem-vinda

A flor que exala no peito uma nova esperança

Pois o amor é ainda

Um tempo bom que se brinda

Que seja o momento de se transformar em lembrança.