SOMOS PÓ

Não fossem as surpresas da vida e a crónica de hoje teria sido escrita em tempo oportuno e sobre outro tema. Tinha decidido refletir um pouco sobre a afirmação do filósofo e escritor francês Pascal Bruckner na sua obra “a euforia perpétua: ensaio sobre o dever de felicidade”, a saber:

 

"Estamos condenados a ser sempre eufóricos, e esse é precisamente o problema, porque as pessoas tornam-se infelizes por serem forçadas a ser felizes."

 

 
No entanto, fui triste e inesperadamente interrompido pela notícia da morte de alguém… e pela lógica humana, não foi seguida a ordem natural da vida.
Apenas me ocorreu o Salmo 89 (90):

 

Vós os arrebatais como um sonho,

como a erva que de manhã reverdece;

de manhã floresce e viceja,

de tarde ela murcha e seca.

 

Somos pó! Por mais que custe à minha arrogância, somos frágeis, muito frágeis, e perante esta finitude tão humana ainda fico incrédulo e perdido. É demasiado violento embatermos assim, de frente, com a falta de sentido imediato, pelo menos segundo os nossos quadros mentais.

 

Porquê? Se era este o final, porquê passar por um processo longo e tantas vezes doloroso? Que sentido pode ter o sofrimento? E a morte? É inevitável não nos questionarmos…

 

Nestes momentos de dor, não há palavras, só a presença. É um mistério que nos envolve a todos, sem exceção. Não é só alguém que deixa de estar presente, é uma parte de nós que passa a estar incompleta e que queremos manter preenchida. É uma enorme sensação de vazio… sobre qual não arriscamos pensar, apenas sentimos… e enxergamos toda uma vida de outra maneira: as prioridades reordenam-se quase automaticamente.

 

Acreditar que a vida não termina, apenas se transforma, é muito difícil, apesar da certeza de que é a única forma de apaziguar a dor e abrir-se a um outro sentido, não só para a morte mas para a vida!

 

Mas dói. E muito. Somos seres corpóreos e precisamos do corpo, do nosso e do do outro, para nos relacionarmos e na sua ausência… parece que tudo se perde. Com o tempo recuperamos o outro para lá da presença física e voltamos a preencher o vazio com outra forma de estar presente. Fica a memória, os rostos, os gestos, o cheiro... em bom português, a saudade.

 

Ultrapassa-se a procura de um sentido para a morte, de ser ou não ser justo, a necessidade de responder a todos os porquês e, sem angústia, sentimos que depois da nossa finitude começa o sempre, que um dia será nosso e onde descansam em paz aqueles que já existem para lá do tempo.

Até sempre, João!

Paulo V. Carvalho

Cronista.

Licenciado em Teologia. Pós Graduação em doutrina e ética social. Mestrado em Informática Educacional. Especialização em Educação Especial. Professor. Gosta de desafios.

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