Rani e o Sino da Divisão – Jim Anotsu

rani-capaHá uma citação atribuída a Tolstói que diz: “se quer ser universal, comece por pintar a sua aldeia”. O autor Jim Anotsu, já antigo conhecido deste blog, resolveu levar essa máxima a sério: saem as grandes cidades imaginárias, entra o sossego de uma cidade do interior cheia de histórias, lendas e causos que só os locais conhecem – cenário perfeito para ser bombardeado com a mistura de sempre de fantasia e cultura pop.

Rani é uma garota de 15 anos absolutamente comum, não fosse pela ligeira fobia social, que precisa lidar com dramas adolescentes comuns tais quais a prova de matemática de semana que vem, a seletiva das olimpíadas escolares ou quando sairá o novo disco do Nightwish (sua banda preferida junto com sua melhor amiga, Marina, com quem também divide um duo de heavy metal). Um belo dia, ao ir para escola, depara-se com um garoto esquisito, Pietro – e esse encontro desembocará na bombástica revelação de que ela é uma das últimas xamãs vivas, uma espécie em extinção graças à ação do nosso vilão malvado, que quer destruir o mundo, e só ela poderá detê-lo antes que consiga seus objetivos, precisando para isso do tal Sino da Divisão do título.

Junto com Pietro, conhece os Animais de Festa – uma facção de criaturas sobrenaturais adolescentes que gostaria apenas de curtir e ficar de boa, não fosse sua própria existência como grupo posta em risco pelos recentes acontecimentos.

Interessante é que num primeiro momento a premissa até lembra um pouco a do livro anterior do autor, A Morte É Legal: um boy meets girl e uma corrida maluca em busca de objetos que serão a chave para a destruição de um mal maior. Mas há algumas diferenças gritantes: a primeira, de clima, já que antes tínhamos um disco do Radiohead e aqui temos um do Panic!At The Disco; e se lá estavam as agruras das perdas e dos amores impossíveis, aqui estão os dias coloridos e iluminados da vida cheia de amigos.

Pois é isso: mais do que sobre Rani, esse é um romance sobre os Animais de Festa: sobre encontrar-se com um grupo de pessoas que entende você e seu jeitinho excêntrico e isso tornar sua vida muito mais interessante para ser vivida. É sobre a adolescência, reunir-se na pracinha (tá, isso é coisa de gente de cidade pequena) e conviver com os outros tipos estranhos que dividem o mesmo universo geracional com você. É sobre o senso de propósito de fazer parte de um grupo – e muito mais do que salvar a humanidade, salvar a casa mágica que se molda de acordo com o humor do dia talvez seja um objetivo primordial igualmente válido. Rani é a adolescente que fui algum dia, talvez exceto pelos poderes astrais.

E se antes o autor já teve a oportunidade de homenagear o rap, aqui temos o heavy metal. Nada como o trabalho de um fã para outro fã: podem até estar presentes estereótipos, mas o estilo é homenageado, não ridicularizado como eventualmente acontece por aí. Fora que as brincadeiras com os nomes dos capítulos, para bom entendedor, são impagáveis (e sair cantando as músicas de abertura de cada capítulo também).

Outro ponto positivíssimo é o dinamismo do livro: listas de bandas, notas explicativas que saltam do texto, até mesmo um engraçadíssimo capítulo em forma de tragédia grega, que dão interlúdios divertidos à trama principal e servem para manter o clima de altíssimo astral sempre presente. É uma leitura alegre, divertida, como uma tarde de domingo entre pessoas queridas.

Enfim, uma ótima leitura na companhia de personagens muito queridos e lugares muito especiais – da Graúna interiorana para o universo, passando por mansões infernais de decoração peculiar e dimensões paralelas com dinossauros e amazonas (o que, vamos combinar, é a definição visual de heavy metal).

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Até a próxima!



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