Max Mallman e a maturidade literária

Estevão Ribeiro
6 min readFeb 10, 2016

Um dia, conversando com um amigo, ele me perguntava sobre alguns autores nacionais e seus estilos. Cada nome que o rapaz — um devorador de livros de fantasia — apresentava, eu dizia que conhecia, que era amigo, que já havia encontrado em alguma oportunidade.

Uma coisa que ele diz ter identificado em todos — ele só leu homens brasileiros — era uma certa imaturidade na escrita. Ou usava referências demais, ou era lenta demais, ou era imatura demais, mas todos legais “para livros brasileiros”.

– E Max Mallmann? — Perguntei.

– O de O centésimo em Roma? É bom! É brasileiro? Nem sabia!

Eu acho que a principal qualidade da escrita de Max Mallmann pode ser confundida com a pior crítica a se fazer a um livro nacional.

Ele nem parece brasileiro!

Mas por que? Porque Max escreve sobre um soldado romano e sua escalada sanguinária para subir na vida?

Seria uma questão geográfica? Uma questão de época? Os problemas que o protagonista enfrenta não nos dizem muito?

Boa parte dos livros do gênero Fantástico se passam em “Brasis” irreconhecíveis, parecidos com qualquer grande metrópole, muitas vezes por falta de referências literárias sobre o Brasil.

As deficiências de uma educação longe da ideal — seja nos colégios públicos ou particulares — transformam as atividades extra- escolar como principal incentivo à produção literária:

  • Literatura fantástica;
  • Jogos de interpretação de personagens (RPG);
  • Filmes, desenhos e animes;
  • Comics e mangás;
  • Games.

O grande problema é que todos esses elementos vêem, em sua maioria, de fora. Se não, vem de pessoas que consumiram por toda vida um conteúdo majoritariamente estrangeiro.

Resultado: os trabalhos GRITAM essas referências.

Isso é ruim? Só se o autor ou se a autora insistir que o que tem é algo original.

A imaturidade em reconhecer as referências — ou a falta de peso em adotar as tais referências — podem ganhar a antipatia do leitor, além da sensação de que ele já leu tudo aquilo antes.

Cito aqui rapidamente um exemplo pessoal, para não citar terceiros: Em meu livro A Corrente, lançado em 2010, na maioria das resenhas publicadas online podemos encontrar três referências: os filmes “O chamado” e “Premonição”, com um pouco (bem pouco, muito pouco) de Stephen King.

Elas estão lá, oferecendo ao leitor uma imagem muito mais visual do que uma literatura, graças aos meus até então sete anos de produção de histórias em quadrinhos, uma mídia predominantemente visual. Não adiantaria nada eu falar que a história não trazia elementos dessas histórias e de um autor tão importante para mim, mas ainda assim este trabalho é fruto de grandes sucessos e corria um grande risco de ser apenas mais um livro de terror. Graças a este pensamento eu ainda sou muito relutante em reimprimir este livro, datado por ter como fio condutor a internet, porém importante para mim.

A formação literária do autor brasileiro ainda encontra o pior percalço: a língua. O que os brasileiros consomem são os livros que mais fizeram sucesso em outros países, porque a maioria das editoras investem em livros que podem dar os melhores resultados nas vendas.

Com isso, temos muitas variações do mesmo tema, de acordo com a moda da vez: chic lit, sick lit, young adult, todos seguindo uma fórmula de sucesso, virando filmes, restringindo as referências.

Assim a literatura que criamos vira um produto do produto do produto…

Eu não li tantos autores nacionais assim mas encontrei nos romances mais recentes do Max a “maturidade literária”. O centésimo em Roma e As cem mortes de César trazem uma qualidade dos livros que nos chegam, das grandes produções literárias, dos blockbusters, dos livros que viram filme, dos bons livros que viram bons filmes.

Enquanto vemos cada vez mais um movimento para nivelar a leitura por baixo, tornar o escrever tão fácil quanto o falar, Max me fez parecer ignorante duas, três, cinco vezes, mostrando que podemos ser cidadãos do terceiro mundo escrevendo para qualquer cidadão do mundo.

Fragmento de um livro meu, em produção.

O que o Max faz com quem lê seria como uma escalada, oferecendo um caminho íngreme, que força a entender todo o contexto sem didatismo, mas um bem-vindo conhecimento, este adquirido através de dicionários e da educação formal (por se tratar de uma ficção histórica).

Em comparação a outros livros nacionais, temos o que chamo de “condução e fórmula”, onde o leitor sabe a premissa, conhece o conflito e sabe como a história termina: com um sim ou não. Não que o autor entregue tudo, mas é que existem tantos livros na mesma fórmula que é possível prever as reviravoltas da trama, fazendo com que o caminho seja apenas algo a ser trilhado, conduzido pelo autor.

Encontrei nos livros do Max as qualidades de uma escalada. Como autor, senti inveja de seu texto, de uma qualidade que dificilmente se supera. Deixei de lado a inveja e curti os textos, sem me preocupar com o ego e tento fazer justiça aqui, pois esses livros precisam ser lidos por mais e mais pessoas, para que não tenhamos pessoas dizendo que “não há bons autores” no Brasil.

Claro que Max não é a (única) salvação da nação literária, não é o caminho a verdade e a vida. Existem muitos autores bons, premiados, que vendem muito, mas dedico meu tempo a este em especial que tive o prazer de ler e, recentemente, publicar.

Tenho na minha pequena editora um conto de Max transformado em folhetim, chamado Tomai e bebei.

Capa do livro Tomai e bebei. É da mesma gramatura do miolo.

O trabalho de 1997, inédito, pode comprovar que a maturidade não veio somente dos quarenta e poucos anos de Max, e sim em seu prazer em contar histórias a partir de suas experiências ou anseios.

Tomai e bebei conta a história de um padre de uma paróquia num interior esquecido por Deus e que precisa investigar as recentes mortes no local. O formato do livro, que vai lembrar muito um cordel, traz como inspiração os folhetins do século XIX, mais ou menos o período que a história ocorre.

Impressão do livro Tomai e bebei.

A satisfação de poder ter sido um dos primeiros a ler este conto, guardado há quase vinte anos, só foi superada pela obra pronta, um pouco maior que a palma da mão, mas que chama a atenção em todos os lugares onde expomos.

É nessa hora que pensamos que, como editor, fizemos nossa parte. Chamamos a atenção e assim damos a oportunidade de mostrar ao leitor brasileiro a maturidade literária de um autor/livro nacional.

Um bom livro geralmente traz referências e elementos que necessitam de uma segunda lida ou mesmo comentários posteriores entre os leitores e até mesmo com o autor. Ler um livro é uma atividade compartilhada.

Feliz é o autor que consegue fazer sua história existir fora daquele tempo de leitura. Linda é a obra referenciada nas mesas, tomadas como metas, citadas nas redes. A palavra cumpre a sua missão assim que rompe o papel.

Tanto O centésimo em Roma quanto As mil mortes de César, livros 1 e 2 de uma trilogia, saíram pela editora Rocco e não são difíceis de achar.

Já Tomai e bebei você encontra bem baratinho no site Aquário Editorial, ou nas melhores livrarias.

A única tristeza na leitura da saga iniciada em “O centésimo…” é que ela vai demorar para ter sua conclusão, porque Max está se recuperando de uma séria doença e precisa estar melhor para continuar trabalhando nos seus romanos. Quem sabe é o seu incentivo que pode acelerar isso?

Conto com vocês! Prestigie o autor!

E para quem mora em Niterói, na segunda quinzena de março teremos um curso de quatro horas sobre produção de histórias em quadrinhos, comigo. As técnicas que passarei por lá servem também para quem deseja escrever livros e afins.

Poucas vagas! Informações: contato@aquarioeditorial.com.br

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