roda

  1. Uma mensagem, independente de ser lógica ou verdadeira, será inútil se não puder ser comunicada aos outros. No Dhamma temos um ensinamento perfeito, e em Buddha temos um mestre perfeito, e a combinação desses dois significa que logo após ser revelado pela primeira vez o Dhamma tornou-se largamente difundido. O Buddha foi o primeiro mestre religioso que propôs que a sua mensagem fosse proclamada para toda a humanidade e que realizou um esforço real neste sentido. O Buddha foi o primeiro universalista religioso. Ensinou aos seus primeiros discípulos a transmitirem amplamente o Dhamma.

Sigam em frente pelo bem de muitos, pela felicidade de muitos, por compaixão pelo mundo, pelo bem-estar, o bem e a felicidade de deidades e homens. Que dois não sigam na mesma direção. Ensinem o Dhamma que é belo no início, belo no meio e belo no final. Proclamem a letra e o espírito da vida santa completamente cumprida e perfeitamente pura [1].

Ele também esperava que depois de seu Nirvāna final os ensinamentos continuariam a se espalhar e, de acordo com isso, instruiu seus discípulos ordenados e laicos. Não morrerei até que os monges, as monjas, os laicos e as laicas se tornem profundamente eruditos, sábios e bem treinados, recordando-se dos ensinamentos, proficientes nas doutrinas menores e maiores, e virtuosos; até que, tendo experimentado os ensinamentos em si mesmos, eles sejam capazes de contá-los aos outros, ensiná-los, torná-los conhecidos, estabelecê-los, abri-los, explicá-los e deixá-los bem claros; até que eles sejam capazes de refutar falsas doutrinas ensinadas por outros e sejam capazes de divulgar a verdade convincente e libertadora amplamente. Não morrerei até que a vida sagrada seja bem sucedida, próspera, apreciada e popular; até que ela seja bem aclamada entre as deidades e os homens [2].

  1. O motivo de Buddha proclamar o Dhamma foi a compaixão. Ele disse: “Tudo que tinha para ser dado por um professor devido à compaixão, para o bem-estar de seus discípulos, eu dei a vocês” [3].

Ele viu os humanos como seres limitados por suas ganâncias, atormentados por seus ódios e enganados por suas ilusões, e ele sabia que se pudessem ouvir o Dhamma e praticá-lo eles poderiam tornar-se felizes, virtuosos e livres. Essa compaixão transformou o Buddha em um incansável e habilidoso professor e estudar suas técnicas de ensino pode não apenas nos ajudar em nossos esforços para proclamar o Dhamma para outros, mas também aprofundar nossa apreciação por este que é o mais compassivo e sábio dentre os homens.

  1. O Buddha se aproximava das pessoas de acordo com suas necessidades e disposições. Geralmente, pessoas boas iam vê-lo. Enquanto que ele saía para encontrar pessoas más ou aquelas em dificuldades. Em ambos os casos, ele primeiro dava o que era chamado de palestra sobre preliminares (anupubbakatha), isto é, “sobre generosidade, virtude, céu, sobre os perigos dos desejos e as vantagens de abandoná-los” [4]. Isso permitia ao Buddha saber o nível de inteligência e receptividade de seus ouvintes. Se a resposta era boa, ele então iria “ensinar o Dhamma que é único aos iluminados – sofrimento, sua causa, sua superação e o caminho que leva à esta superação”.
  2. Muitas vezes, o Buddha falava a grupos ou indivíduos oferecendo o que chamaríamos de sermão ou engajava-se em diálogos, fazendo e respondendo perguntas. As pessoas com quem ele conversava sempre o achavam “amigável, de fala gentil, cortês, ameno, claro e disposto a falar” [5]. Quando ele encontrava pessoas fortemente atadas às suas opiniões, as quais ele sabia que não poderia mudar, ele sugeria discutir os pontos de concordância, de modo a evitar argumentações infrutíferas. Nessas ocasiões, ele dizia: “Sobre estas coisas não há acordo, portanto, vamos colocá-las de lado. Sobre as coisas em que concordamos, falemos sobre elas” [6].

Algumas vezes, em vez de falar sobre seu próprio Dharma, ele convidava seus oponentes para explicar os ensinamentos deles primeiro. Num tempo em que havia grande competição e ciúme entre diferentes religiões, a probidade do Buddha causava surpresa muitas vezes. Uma vez um grupo de ascetas se encontrou com o Buddha e o líder [deste grupo] pediu-lhe para explicar o seu Dharma. Buddha disse: “Melhor ainda, fale-me de seus ensinamentos”. Os ascetas ficaram surpresos e disseram uns aos outros: “É notável, verdadeiramente maravilhoso, o quão grande é o asceta Gotama, que evita seus próprios ensinamentos e convida os outros para explicar-lhe os deles” [7]. Quando as pessoas lhe perguntaram sobre uma questão particularmente apropriada ou relevante, ele os exaltava através do encorajamento à discussão, questionando e inquirição. Quando Bhadda dirigiu-lhe uma pergunta destas, Buddha replicou: “Bem dito, muito bem dito, amigo Bhadda! Seu entendimento é bem-vindo! Sua sabedoria é bem-vinda” [8].

Os debates eram uma característica muito comum da vida religiosa na Índia antiga, e multidões se reuniam para ouvir os oradores defenderem suas próprias doutrinas contra os ataques de seus oponentes ou de seus críticos. Ocasionalmente, as paixões se mostravam inflamadas durante esses debates, com uma das partes tentando sobrepujar ou ridicularizar a outra. Como o orgulho e a reputação do orador ficavam em perigo, os participantes nestes debates algumas vezes se preparavam para realizar trapaças visando conseguir vencer ou pelo menos passar a impressão de ter vencido. Um monge chamado Hatthaka gostava de participar dos debates e, depois de um tempo, sofreu várias derrotas.

Depois disso, ele marcava um encontro com seus oponentes em uma determinada ocasião, a qual aparecia várias horas antes do arranjado e depois se gabava para seus admiradores de que seus adversários estavam assustados demais para confrontá-lo [9]. Foi provavelmente por essas razões que durante a primeira parte de sua carreira, Buddha evitava tais debates [10].

“Gradualmente,contudo, na medida em que seu Dhamma se tornou mais popular e começava a ser desafiado ou mal representado por ascetas de outras seitas, ele começou a frequentar debates. Na verdade, ele foi rapidamente reconhecido como o debatedor mais persuasivo de seu tempo. Certas regras governavam a condução dos debates e o Buddha sempre persistia nestas regras e esperava que os outros as seguissem também. Quando um jovem homem chamado Canki continuou interpondo [argumentos] enquanto o Bubbha estava debatendo com alguns conhecidos brāhmanas, o Buddha voltou-se para ele e falou com firmeza: “Canki, fique quieto! Não interrompa enquanto estamos falando” [11].

Mesmo que uma pergunta fosse feita pela terceira vez e uma pessoa ainda conseguisse responder, o Buddha, como regra, insistiria até ela admitir a derrota. [12]

Certa vez, ele perguntou a um asceta se ele prontamente acreditava na opinião que ele defendia, e o asceta disse: “Eu acredito e também todas essas pessoas”, à medida que apontava para o grande público. O Buddha disse: “A questão não é no que eles acreditam. Qual é a sua opinião?” [13]

Mas, naturalmente, o objetivo de Buddha não era derrotar seus opositores, mas levá-los a clarificar a compreensão. Para esse fim, ele podia frequentemente usar o que é chamado de método socrático, assim chamado porque no Ocidente ele foi primeiramente usado pelo filósofo grego Sócrates, fazendo perguntas muito claras como um meio de levar as pessoas a uma percepção ou a provar um ponto. Por exemplo, uma vez durante uma discussão, um brāhmana chamado Sonadanda proclamou: “Um verdadeiro brāhmana tem ascendência pura, ele é bem versado nas sagradas escrituras, ele é bom na cor, ele é virtuoso, ele é sábio e ele é um especialista nos rituais”. O Buddha perguntou: “Poderia faltar à uma pessoa uma dessas qualidades e ela ainda ser considerada um brāhmana?” Sonadanda pensou por um momento e, então, admitiu que alguém que tem uma cor de pele escura poderia ainda ser um brāhmana. Continuando a fazer a mesma pergunta, Sonadanda foi levado à mesma visão do Buddha, isto é, não é a ancestralidade, conhecimento, cor ou status social que tornam alguém superior, mas sim virtude e sabedoria [14].

  1. O humor desempenha um papel importante na saúde mental, assim como numa comunicação eficaz. Por conseguinte, não surpreende ver o Buddha, por vezes, incluindo humor em seu ensino. Seus discursos contém trocadilhos inteligentes, divertidas histórias e uma boa dose de ironia. Depois de o rei Ajātasattu ter assassinado o próprio pai e passado a suspeitar de que seu filho poderia estar planejando matá-lo, ele começou a perceber que os frutos da ambição mundana poderiam ser amargos e foi em busca da orientação do Buddha. Ele perguntou: “Senhor, pode me mostrar todos os benefícios da vida de monge que podem ser vistos aqui e agora?” O Buddha lhe respondeu com uma pergunta: “Se você tivesse um escravo que fugiu e se tornou monge e depois, ao descobrir onde ele estivesse, você o prenderia e levaria de volta?” “Certamente que não”, respondeu o rei, “pelo contrário, eu o reverenciaria, respeitaria e me ofereceria para prover suas necessidades”. “Aí está”, disse o Buddha, “este é um dos benefícios de se tornar monge que pode ser visto aqui e agora” [15].

O tom jocoso dessa resposta foi claramente destinado a deixar Ajātasattu à vontade, tirá-lo de sua melancolia e torná-lo mais receptivo para uma resposta mais completa e mais séria que o Buddha, então, prosseguiu a dar. O Buddha frequentemente fazia comentários bem-humorados acerca das pretensões dos brāhmanas e do absurdo de algumas de suas crenças. Quando eles afirmavam ser superiores aos outros porque haviam nascido da boca de Deus, o Buddha comentava: “Mas você nasceu do útero de sua mãe assim como todo mundo” [16].

Ele contou histórias nas quais retratava o Deus que tudo sabia dos brāhmanas como um ser embaraçado e um tanto incomodado por lhe perguntarem uma questão que ele não podia responder. Quando os brāhmanas disseram que eles podiam lavar seus pecados banhando-se em rios sagrados, ele brincou que a água podia lavar também as suas boas ações [17].

  1. Outra característica do método de ensinamento do Buddha foi o uso de analogias e metáforas. Baseando-se em seu grande interesse e conhecimento do mundo em que vivia, ele usou uma rica variedade de analogias e metáforas para esclarecer seus ensinamentos e torná-los mais fáceis de serem lembrados. Por exemplo, ele comparou a uma bela flor sem perfume uma pessoa que deixava de praticar os ensinamentos que ele proclamava [18].

Devemos substituir os pensamentos negativos, disse o Buddha, por positivos, da mesma forma que um carpinteiro elimina um prego de um buraco com um segundo prego [19]. Ele era também habilidoso em usar o que quer que estivesse à mão para ressaltar um ponto, dramatizar ou tornar claro o seu significado.

O príncipe Abhaya uma vez perguntou ao Buddha se ele já tinha dito algo que fez com que as pessoas se sentissem infelizes. Na ocasião, o príncipe estava segurando seu filho bebê em seu joelho. O Buddha olhou para a criança e disse: “Se seu filho colocar uma pedra na boca, o que você faria?” Príncipe Abhaya respondeu:

“Eu deveria tirá-la rapidamente mesmo se para isso tivesse que machucar a criança. E por que? Porque seria um perigo para a criança e eu tenho compaixão por ela”. Então, o Buddha explicou que algumas vezes ele diria coisas que as pessoas precisassem saber e que não gostariam de ouvir, mas que o seu motivo seria sempre a compaixão por aquela pessoa [20].

  1. Outra característica do modo eficaz de ensinar do Buddha era a sua capacidade de dar um significado novo ou prático para as ideias e práticas e de reinterpretar assuntos de modo a torná-los relevantes. Quando alguém lhe perguntou qual era a bênção mais poderosa, em vez de mencionar vários encantamentos ou mantras, como esperavam, o Buddha disse que agir com honestidade, gentileza e integridade seria uma bênção. Quando foi acusado de ensinar a nulificação, concordou que ensinava, porém então qualificou a sua concordância explicando que ensinava a anulação da ganância, do ódio e da ilusão [21].

O Buddha usou termos como brāhmana e “sem-casta” (vasala), não na forma como eles eram usados pelos defensores do sistema de castas, mas para indicar a virtude de uma pessoa, ou a falta dela [22].

  1. Em algumas religiões, é apenas necessário acreditar para ser salvo, enquanto que no Buddhismo, o Nirvana só pode ser alcançado através da compreensão. Sendo assim, aqueles que ouviram o Buddha ensinar, e que se tornaram seus discípulos, eram os homens e mulheres laicos mais instruídos, e os intelectuais da época. O Dhamma, o Buddha disse, tinha “de ser entendido pelo sábio, por si mesmo (paccattam veditabho vinnuhi)” [23].

No entanto isto não significa que o Buddha não tivesse nada a dizer para (as pessoas) não sofisticadas. Ao contrário, com suas habilidade e criatividade, ele era capaz de tornar suas mensagens compreensíveis para pessoas de todos os níveis de compreensão, mesmo para as crianças, do que resultou que pessoas de todos os tipos se tornaram seus discípulos.

Na verdade, ele foi tão bem sucedido que alguns outros professores de seu tempo o acusaram de usar mágica para seduzir seus discípulos [24].

  1. Como a compaixão era a motivação do Buddha ao ensinar o Dhamma era a compaixão e porque a sua compaixão era infinita, ele não media esforços para proclamá-lo ou explicá-lo para os outros. Poucos meses antes de seu Nirvāna final, ele disse:

“Há alguns que dizem que, enquanto um homem é jovem, ele possui a lucidez da sabedoria, mas à medida que ele envelhece esta sabedoria começa a se desvanecer. Mas isto não é assim. Agora, eu estou cansado, idoso, envelhecido, vivi minha vida e agora, próximo ao final da minha vida, tenho cerca de oitenta anos. Agora, se eu tivesse quatro discípulos que vivessem cem anos e, durante esse tempo, eles me fizessem perguntas sobre os quatro fundamentos da vigilância, exceto quando eles estivessem comendo, bebendo, respondendo ao chamado da natureza ou dormindo, eu ainda não teria terminado de explicar o Dhamma. Mesmo que você tenha de me carregar sobre uma maca não haverá mudança na lucidez da sabedoria. Se alguém fosse falar de maneira correta sobre mim ele poderia dizer: “Um ser não passível de ilusão surgiu no mundo, para o bem de muitos, para a felicidade de muitos, por compaixão para com o mundo, para o bem e a felicidade de deidades e homens” [25].

  1. E nesse sentido ele foi fiel às suas palavras. Quando estava a morrer, um homem se aproximou para lhe fazer uma pergunta. Ananda e os outros discípulos o contiveram dizendo que o Buddha estava cansado e doente, mas quando o Buddha viu isso, ele chamou o homem e respondeu suas perguntas [26]. O grande presente do Buddha para a humanidade foi a verdade, e sua compaixão o motivava a dá-la para todos que estivessem dispostos a recebê-la.

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 Notas:

  1. Vin,IV:20.
  2. D,II:104.
  3. M,I:169.
  4. D,I:110.
  5. D,I:116.
  6. D,II:124.
  7. D,III:40.
  8. S,V:15.
  9. Vin,II:266.
  10. Sn,780.
  11. M,II:168.
  12. A,I:185-88.
  13. M,III:37.
  14. D,I:120-121.
  15. D,I:60-61.
  16. M,II:145.
  17. D,I:215-222.
  18. Dp,51.
  19. M,I:119.
  20. M,I:395.
  21. M,I:375.
  22. Sn,136.
  23. M,I:37.
  24. M,I:375.
  25. M,I:83.
  26. D,II:149.

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Traduzido pelo Grupo de Tradução do Centro Nalanda
em acordo com o autor
Para Distribuição Gratuita
© 2016 Edições Nalanda

Nota: Este artigo é parte da série O Buddha & Seus Discípulos que está sendo traduzida e cujas partes serão publicadas aqui no site.


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