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Leonardo Sakamoto

Dia do Trabalhador: O desafio de poder reivindicar sem apanhar da polícia

Leonardo Sakamoto

01/05/2016 09h16

Devido às peculiaridades da nossa profissão, nós, jornalistas, desenvolvemos laços com o poder e convivemos em seus espaços sociais e culturais, seduzidos por ele ou enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos serviços não são mais passíveis de serem remunerados em determinado lugar.

E isso atinge a todos: novos e experientes, especialistas e generalistas, casados e solteiros, os que recebem altos salários e os que ganham abaixo do piso, conservadores e progressistas, "governistas chapa-branca" e "oposição golpista".

Se em veículos da imprensa tradicional, "pagamento de hora extra" é, por vezes, uma piada, a anedota do lado dos alternativos e independentes não raro se chama "carteira assinada". No primeiro caso, se o salário de quem começa na carreira é baixo, compensa-se com o discurso de que é "privilégio trabalhar em grande veículo". E, no segundo caso, de que não há direitos trabalhistas porque "o mais importante é a causa".

Neste último ano, os "passaralhos" – demissões coletivas que ocorrem em empresas jornalísticas, normalmente por necessidade de cortes de custos – se intensificaram. A crise econômica aliada à crise do modelo de financiamento do próprio jornalismo (a publicidade despenca, migrando para redes sociais e mecanismos de busca) é uma tempestade perfeita.

Ao mesmo tempo, o Brasil em convulsão nunca exigiu tanto da produção de reportagens – que são o coração do jornalismo e não o colunismo. E não dá para demonizar necessariamente os patrões porque o maior patrimônio de uma empresa jornalística.

Não estou pedindo greves de jornalistas, pois não tenho tanta esperança em nossa capacidade de mobilização, mas acredito que seria um salto considerável se conseguíssemos entender os outros trabalhadores quando realizam uma paralisação por direitos.

Talvez por não nos vermos como trabalhadores, não conseguimos a empatia necessária para enxergar os outros trabalhadores como iguais a nós. Trabalhadores de braços cruzados não são vagabundos. Mas muitas vezes os tratamos como tais.

Quem visita Chicago, nos Estados Unidos, encontra uma frase gravada em um monumento: "Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularam hoje". Refere-se ao massacre cometido pela polícia contra trabalhadores em greve em Primeiro de Maio de 1886, que reivindicava oito horas por dia de jornada, mas bem que poderia se tratar da pancadaria da polícia, em Curitiba, contra professores em greve no ano passado.

Neste domingo, o poder da mobilização e a discussão sobre direitos que está na origem do Primeiro de Maio é ofuscada pelo sorteio de carros e casas e shows de cantores populares em cima de trio elétricos. E, não raro, por discursos vazios de pessoas que falam em nome dos trabalhadores em proveito próprio.

Só o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se reconhecem como tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles e resolvem cruzar os braços, não apenas aumentou salários, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história.

Em qualquer cidade grande brasileira, temos relatos de trabalhadores em greve que apanharam, levaram tiros e respiraram gás. Manifestações que questionam a desigualdade e a injustiça social tendem a ser reprimidas pela força pública. São vistas como subversivas. As "ordeiras", que não mexem com a estrutura econômica e social do país, não. Por que será?

Durante mais de um século, buscamos direitos trabalhistas e previdenciários. Agora, lutamos para mantê-los, pois o Brasil está correndo a passos largos para rasgar a CLT.

Se a ampliação da terceirização não significasse redução de direitos, não estariam tentando te convencer tão arduamente de que isso é melhor para você e para o país. Sem contar que há um rosário de projetos tramitando no Congresso Nacional que depreciam a vida do trabalhador, como os que reduzem a idade mínima para começar a trabalhar ou os que pioram a definição de trabalho escravo para diminuir a sua punição.

Neste Primeiro de Maio, não esqueça: o que você tem hoje não foi dado por alguém de forma milagrosa, mas é fruto de lutas brasileiras ou internacionais de gerações.

Temos diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das bocas fechadas que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que nada pode mudar e que ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato no feriado. Mas dos braços parados que se negam a produzir riqueza sem que um diálogo aberto e franco com os empregadores seja estabelecido.

Enquanto isso, a imprensa tem o dever de relatar sem preconceitos esses braços parados e, de forma crítica, as tentativas de derrubar direitos e de calar manifestações, paralisações e greves. E não propagar como verdade os discursos que fazem empregados acreditarem que o desejo dos empregadores é, necessariamente, o desejo deles também.

Nós, trabalhadores em geral, somos fortes. E nós, jornalistas, somos trabalhadores.

Pena que muita gente se esqueça disso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.