Coluna
Helena Celestino Colunista de O Globo
Helena Celestino Foto: O Globo

A marca do Rio

Corrupção domina qualquer conversa sobre o país, mas interesse pela cidade continua intacto

No imaginário internacional, o Rio tem chances de não cair no pântano onde se debate o Brasil, brindado com mais uma capa da “Economist”, a revista com um talento todo especial para ferir a autoestima das autoridades brasileiras, ao sintetizar sentimentos dos donos do mundo. O interesse dos investidores estrangeiros no Brasil diminuiu e o tema corrupção domina qualquer conversa sobre o país mas — sorte nossa, cariocas — o interesse pelo Rio continua intacto, estimulado pelas Olimpíadas.

Neste aniversário de 450 anos, glamour ainda é a palavra usada pelo empresário Roman Carel para etiquetar o Rio, por suas cores, charme, arquitetura e estilo de vida. O olhar romântico do francês — em negociação para construir um hotel butique na Lapa — contrasta com a ambição futurista do prefeito Eduardo Paes, para quem o Rio ressurgirá dos tapumes como “a cidade global do Cone Sul”, ou seja, a melhor cidade do mundo ao sul do Equador. Mas entre a imagem idílica musicada por Tom Jobim e a difícil construção da modernidade urbana, o lado bom do Rio em destaque na cena internacional é a transformação das favelas e a emergência nas comunidades pobres de uma geração talentosa, escolarizada e disposta a fazer diferença.

“O Rio, ao contrário de outras cidades, está muito mais vivo, dá sensação de avanço”, diz Leona Forman, ativista social nova-iorquina, fundadora da Brazil Foundation.

Parece fora de propósito falar disso num momento em que a violência voltou a aumentar, com a polícia matando e sendo morta nas comunidades pobres. Mas, com um olhar menos cotidiano, há sinais de mudanças. Exemplos? Dois meninos do Alemão viraram destaque recente da chamada grande mídia internacional. Rene Silva foi parar na lista da “Forbes” como um dos 30 líderes com menos de 30 anos em quem devemos prestar atenção. No célebre dia em que a polícia chegou ao Alemão e os bandidos fugiram em fila pela mata, Rene tuitava informações em tempo real para seus 350 seguidores, que retuitaram tudo furiosamente. No dia seguinte, Rene já tinha 9 mil seguidores, entre eles os repórteres da grande mídia, ainda sem poder entrar no morro. Hoje, aos 21, edita um jornal de 12 páginas, cor, com tiragem de dez mil exemplares. Uma outra iniciativa de jornalismo cidadão, também no Alemão, foi um dos destaques do relançamento domingo passado da “New York Magazine”, que contava a história de Raul e o “Papo Reto”. De celular em punho e ouvidos abertos, ele denunciou o assassinato de uma senhora e seu neto, abatidos pela polícia no Alemão, que os teria confundido com traficantes. O “Papo Reto” — formado por jovens amadores e jornalistas profissionais da comunidade — tornou-se referência no morro e noticia apagão, tiroteio, violência policial, áreas de perigo. São muitas histórias assim, pipocando e esboçando a imagem de uma cidade lutando para se reconstruir, reduzir a violência, a brutal desigualdade e, junto, melhorar a infraestrutura e os serviços caros e deficientes do Rio. Mas a percepção de quem jamais veio por aqui é a de uma cidade muito violenta, cara, com mão de obra mal- formada, porém com belas praias e gente festeira.

“Testemunho o lento, doloroso nascimento da cidade-símbolo do Brasil”, diz o jornalista inglês Stephen Gibbs, correspondente da rede chinesa CCTV. Ele compara o Rio pré-Olimpíada com Londres se preparando para a Feira Mundial de 1851, as duas com ambição de se transformarem na melhor cidade do mundo. As autoridades vitorianas resolveram mudar também a parte não visível da cidade e acabar com o embaraçoso odor das ruas, aplicando fortunas num espetacular sistema de esgoto, em funcionamento até hoje. “Espero que o Rio faça a mesma coisa”, propõe.

As Olimpíadas há muito transformaram-se numa vitrine para vender cidades, travestidas em grifes atrativas para investimentos e desenvolvimento de grandes projetos imobiliários. Para o prefeito, o grande legado intangível de eventos como Copa e Olimpíadas é a oportunidade geopolítica de passar uma imagem diferente do país.

“Contesto quando as pessoas dizem que a Copa foi um sucesso, foi uma boa festa e em festa todo mundo sabe que brasileiro é bom. A jornada até a Olimpíada precisa ser bonita, temos de fazer as coisas no prazo, no custo, no planejamento, deixar um legado. Tenho esperança de que o Rio vá mostrar a outra face do Brasil”, diz Paes.

Polêmicas sempre vão pintar por aí. Ao olhar para a preparação das Olimpíadas, a cobrança da prometida despoluição da Baía de Guanabara é constante. “Foi prometido uma baía 100% despoluída, não adianta fazer 50% , todos vão cobrar”, alertou Ricardo Leyser na reunião do Comitê de Coordenação Olímpica. Também ecoam no mundo queixas de moradores sentindo-se prejudicados pelas transformações urbanas e ignorados na hora de eleger as prioridades — por exemplo, entre teleférico e saneamento no Alemão, teriam preferido esgoto.

“A Olimpíada será a mais transformadora de uma cidade”, garante Paes. O Rio merece e nós cariocas apaixonados torcemos para a cidade se reinventar sem perder os encantos cantados por poetas e seresteiros.

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