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Leonardo Sakamoto

Um em três culpa a mulher pelo estupro. Outros tantos assistem em silêncio

Leonardo Sakamoto

21/09/2016 17h54

Um em cada três brasileiros concorda que a mulher vítima de estupro é responsável pela violência sexual que sofreu. A pesquisa, realizada pelo instituto Datafolha e encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi divulgada nesta quarta (21). Dos entrevistados, 30% acham que a afirmação "A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada" está correta. O percentual é o mesmo entre homens e mulheres e aumenta entre idosos e pessoas com menor grau de escolaridade.

Ao mesmo tempo, 37% dos entrevistados concordam que "Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas". Neste caso, a porcentagem é maior entre homens (42%) do que entre mulheres (32%). Além disso, 85% das mulheres entrevistadas têm medo de ser estupradas. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

Nós, homens, pensaríamos duas vezes antes de fazermos comentários machistas, preconceituosos e violentos se tivéssemos medo de sermos criticados, repreendidos e humilhados publicamente por outros homens em um almoço de família, no intervalo das aulas da faculdade, na mesa de bar. E, é claro, também nas conversas, publicações, curtidas e compartilhamentos no Facebook, Twitter e WhatsApp. Mas, infelizmente, não atuamos para qualificar esse debate publicamente.

Em uma sociedade historicamente estruturada em torno da violência de gênero, nossa responsabilidade como homens não é apenas evitar que nós mesmos sejamos vetores do sofrimento simbólico, psicológico ou físico das mulheres cis e trans. Neste caso, não basta cada um fazer sua parte para que o mundo se torne um lugar melhor.

Se você fica em silêncio diante de situações de violência de gênero, sinto lhe informar que tem optado pela saída fácil da delinquência social.

Sim, ao ver um colega relinchando aberrações inconcebíveis na mesa do bar e não questioná-lo por isso, dando uma risadinha de canto de boca; ao ouvir aquele tio misógino defender que "mulher que se preze não usa saia curta" e ficar em silêncio; ao assistir àquele "humorista" fazer apologia ao estupro e não mudar de canal ou enviar mensagem protestando às autoridades; ou ao se deparar com um amigo compartilhando histórias de violência sexual e sua única reação foi um beicinho de desaprovação, você – em maior ou menor grau – está sendo cúmplice de tudo isso.

Nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for.

Não é censura ou vigilância "politicamente correta", pelo contrário. Esses são atos para ajudar a garantir que as mulheres possam desfrutar da mesmo liberdade que nós temos – liberdade que nossos atos e palavras sistematicamente negam a elas. Não há paz em uma sociedade em que 85% das entrevistadas têm medo de serem estupradas. Duvido muito que ainda que uma sociedade assim esteja dentro de padrões mínimos civilizacionais ou já possamos nos considerar na barbárie.

O constrangimento público é uma arma poderosa e precisa ser usada insistentemente. As pessoas precisam entender que o seu discurso e suas atitudes violentas não cabem mais no ambiente em que estão.

Como já disse aqui antes, agimos como inimigos até termos sido devidamente educados para o contrário. Não é um processo fácil e demanda uma vida inteira de autocrítica, o que falo por experiência própria. Mas necessário.

Pois é no momento em que pessoas conscientes se calam, cansadas da opressão e da violência, que a opressão e a violência encontram terreno sem resistência para avançar.

Essa qualificação, é claro, vem de um processo que envolve escolas, famílias, sociedade civil e mídia. Em tese, é um processo lento, porque passa pela formação de visão de mundo. Mas mulheres continuam a ser assediadas, agredidas, estupradas e mortas simplesmente por serem mulheres na segunda década do século 21.

Não temos o luxo de contar com esse tempo. Temos que promover essa mudança imediatamente. Sob o risco de deixarmos ir embora aquilo que nos faz humanos.

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.