Uma noite recheada de momentos emocionantes

zema ribeiro
3 min readNov 20, 2017
Lena Machado e Célia Maria acompanhadas do grupo Caçoeira. Foto: Zeqroz Neto

A revitalização de logradouros públicos através de sua ocupação, ainda que temporária, e a acessibilidade cultural a pessoas com deficiência são dois dos objetivos do projeto RicoChoro ComVida na Praça, produção de RicoChoro Produções e Eurica Produções, com patrocínio de TVN, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão. Sábado passado (18) foi a vez da Praça do Renascença, outrora vistoso arraial da capital maranhense no período junino. Em vez de grupos de bumba meu boi, tambor de crioula e cacuriá, o Choro ocupou o palco, mas dizer “em vez de”, aqui, não significa oposição, tendo em vista que o grupo anfitrião da noite, o Caçoeira, promove em seu set list instrumental, o diálogo do gênero de mestres como Severino Araújo, Jacob do Bandolim e Maurício Carrilho, para citar alguns dos presentes ao repertório, aos de mestres como Raimundo Macarra (outro que compareceu ao repertório do grupo), Mestre Felipe e Dona Teté, entre outros.

O DJ Victor Hugo já havia preparado o terreno com a devida categoria, valorizando sobretudo a música popular produzida no Maranhão, no que é especialista. O bom público que compareceu à Praça do Renascença viu o Caçoeira se apresentar de pé: Luiz Jr. (violão sete cordas), um chorão de postura rock’n roll em seu jeito característico de dançar enquanto dispara seus bordões, Wendell Cosme revezando-se entre o cavaquinho e o bandolim com igual destreza, Lee Fan, idem, entre a flauta e o saxofone, e Wanderson Silva, “dos maiores percussionistas do Brasil”, como frisou o primeiro ao apresentar o grupo — antes de pegar no pandeiro, com o qual se apresenta durante a maior parte do tempo, pendurou um tambor grande da parelha do tambor de crioula na cintura, abrindo os trabalhos, e depois percutiu um pandeirão.

Era a estreia do grupo, formação nova, com veteranos na escalação. Só isto já dava à noite o status de histórica. Pelo repertório, além dos citados, passearam ainda Nelson Cavaquinho (Caminhando, parceria com Nourival Bahia), Pedro Amorim (No coreto) e Wendell Cosme, que além de exímio instrumentista provou sua desenvoltura também como compositor ao apresentar a autoral Que vem do céu.

Mas o mais aguardado ainda estava por vir: o também histórico encontro de Célia Maria e Lena Machado. As cantoras estavam à vontade. A cumplicidade era tanta que dava a impressão de que aquele já era um show experimentado, aprimorado pelo tempo em cartaz. Mas não. Repito: era a estreia — quem perdeu certamente vai querer ver e quem viu ficou com desejo de bis. Tomara que elas consigam apresentá-lo noutros palcos e ocasiões.

Era uma noite em que o Maranhão imperava e não à toa elas, que passaram a maior parte do show juntas no palco, dividindo o repertório, começaram por Chico Maranhão (Meu samba choro, faixa que abre o antológico Lances de agora [1978], do compositor, regravada por Célia Maria em seu disco de estreia, de 2001).

Raras foram as vezes em que as duas cantoras ultrapassaram as fronteiras do Maranhão em seu repertório: em Esperanças perdidas (Délcio Carvalho/ Adeilton Alves), Maior (Dani Black/ Milton Nascimento) e Barracão (Luiz Antonio/ Oldemar Magalhães).

Produtor e idealizador de RicoChoro ComVida na Praça, Ricarte Almeida Santos também compareceu ao repertório, com Chorinho de herança, letra sua musicada por Chico Nô, gravada por Lena Machado em Samba de minha aldeia [2009], seu segundo disco.

O par de intérpretes mostrou ainda o que está aprontando nos estúdios. Do repertório de seus novos discos apresentaram duas músicas de Cesar Teixeira: Flanelinha de avião, que Lena Machado regrava em seu terceiro disco (a música figura em Canção de vida, seu disco de estreia, de 2006), e A cruz do palhaço, inédita que estará no segundo disco de Célia Maria, inteiramente dedicado a sambas e sambistas da Madre Deus, bairro boêmio da região central de São Luís. Lena Machado interpretou ainda Banca de honestidade (Didã).

O mestre Antonio Vieira foi responsável por outros momentos marcantes da noite. Dele, as vozes de Célia e Lena se encontraram em O samba é bom (repetida no bis com adesão da plateia) e A pedra rolou. Música gravada por ambas em discos distintos, Milhões de uns, de Joãozinho Ribeiro, foi outro momento emocionante da noite. Mas dizer “momento emocionante da noite”, aqui, é soar repetitivo.

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zema ribeiro

Homem de vícios antigos, ainda compra discos, livros e jornais. Pai do José Antonio. http://www.zemaribeiro.com.br