O resgate

85 9 2
                                    

--- 4 horas e 45 minutos.

Um paciente foi introduzido na ala isolada do asilo psiquiátrico. Lá dentro: 8 vítimas da explosão da noite de 3 de março; a noite em que tudo aquilo começou.

A ala isolada era conhecida como a masmorra.

Ali, ninguém entrava e ninguém saía. Cada quarto, uma cela prisional. Portas com grades e janelas com grades. Nenhum requinte ou proteção. Ulysses odiava aquilo. Era exatamente o tipo de tratamento manicomial pelo qual sempre lutou contra e, agora, era obrigado a retomar aquele espaço infernal.

Ele passava cela a cela empurrando a cadeira de rodas. Sobre ela, o paciente estava todo enfaixado do pescoço para cima. Deveria permanecer assim por mais alguns dias para evitar contaminação. Ainda mais naquele local úmido, sujo e abandonado.

Cada passo dado despertava o asco em Ulysses. Estava se odiando por ter que fazer o serviço sujo de Zentchen. Recolher corpos e vítimas não fora o que tinha sido treinado para fazer, porém, recebia ordens expressas vindas de cima e por isso cumpria.

Sabia que poderia ter dito não, mas a retaliação seria sua demissão e já não era mais jovem para recomeçar tudo de novo. Sair daquela cidade com a família para tentar a sorte em outro lugar era mexer na vida daqueles que amava. Optou por se colocar na lixeira de Zentchen em nome da família.

"Lugar sombrio!" -, disse Cohen.

"Já foi pior" -, ponderou Ulysses. "Posso sentir cada grito impregnado nas paredes desse local. Gritos dos pobres e desgraçados que foram torturados aqui. Isso dói no corpo só de respirar o ar da tristeza, da depressão e da dor. Isso foi a morada do desespero. A morte foi o único sonho de liberdade há anos. As pessoas preferiam morrer" -, desabafou Ulysses.

Cohen sentiu o peso das palavras. Optou por ficar quieto. Falar de um sentimento do qual não compactua, não é algo que deve ser alongado como uma exposição pública em noticiário. É algo para guardar e pensar; trata-se de intimidade.

Ao passar pela cela conjugada, uma cena chamou a atenção de Cohen: dois jovens abraçados pelas grades. Rostos conhecidos, colados e com muita expressão de carinho. Quem em plena loucura consegue se encontrar para amar? . "Que interessante!" -, manifestou Cohen.

"Ficam assim desde que o exército os trouxe para cá. Ela não fala. Ele já é mais equilibrado, mas crê que viu extraterrestres" -, contou o médico.

"Acha que não?" -, inqueriu Cohen.

Ulysses pensou primeiramente em ser pragmático e lacônico em sua resposta, mas decidiu se posicionar: "Não creio que se possa duvidar de mais nada. Só penso que se não tivessem visto, seria melhor para eles".

"Também acho" -, concordou Cohen automaticamente. A moça desgrudou do rapaz e veio na direção do corredor. "Para, por favor," -, pediu Cohen. "Esse rosto eu já vi antes" -, completou.

A moça, de cabelos longos e ruivos tinha cicatrizes em boa parte do rosto. O rapaz foi se aproximando e manteve certa distância. A moça tinha olhos desconfiados. Uma fagulha curiosa. Esticou o braço na direção do rosto de Cohen para pegar a atadura que estava envolta em seus ferimentos; o médico tentou segurar.

"Deixa!" -, pediu Cohen.

O médico obedeceu. A jovem puxou a faixa para desvendar aquele homem; porém, não conseguiu, a atadura estava bem presa. Cohen então desenrolou a atadura e ergueu o rosto machucado em sua direção. Todo costurado parecia um monstro. A moça gritou desesperada se afastando na parede e quase a subindo, tamanho o susto.

Contratos VeladosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora