Rio das Pedras na luta contra ameaças de remoção da Prefeitura

Manifestação na comunidade do Rio das Pedras contra o plano de verticalização do prefeito Marcelo Crivella. (Créditos: Vanessa Salustino)

“Melhorias, sim. Retirada de nossas casas, não!”: esse é o lema repetido incansavelmente nos últimos tempos por quem vive no Rio das Pedras, comunidade da Zona Oeste do Rio. Os 140 mil moradores da comunidade, nascida na década de 1970 com a migração de nordestinos que encontravam aqui a perspectiva de uma vida melhor e que se tornou a segunda maior favela da cidade, convivem agora com as incertezas das ameaças de uma remoção planejada pela Prefeitura do Rio de Janeiro.

O que vem tirando o sono de muitos moradores é o projeto de verticalização que a gestão de Marcelo Crivella pretende implantar na comunidade. A proposta ainda está em fase de estudo, com previsão de conclusão até dezembro. De acordo com o plano, a favela deve se tornar, através de uma iniciativa público-privada avaliada em centenas de milhões de reais, um bairro completamente moderno. Rio das Pedras será transformado em Rio da Gente, com ciclovia, área de lazer, shoppings, fibra ótica e 35 mil apartamentos, em prédios de 12 andares financiados pelos moradores através do programa Minha Casa Minha Vida, da Caixa Econômica Federal.

Em março, a Prefeitura divulgou ter realizado uma reunião com os moradores da comunidade, mas muitos reclamam sequer terem tido conhecimento desse debate. Funcionários da administração municipal já faziam levantamentos de dados sem que houvesse muitas informações sobre o projeto. Como resposta, foi criada uma comissão dos que lutam pelo direito à moradia, reivindicando melhorias e articulando formas de dialogar com o poder público.

Existe hoje no Facebook o grupo #RiodasPedrascontraCrivella, que conta com mais de 120 mil membros. Através dessa ferramenta, notícias são compartilhadas e encontros são marcados. Em agosto, aconteceu a primeira manifestação, na Avenida Engenheiro Souza Filho, a principal da comunidade, reunindo 10 mil pessoas. Posteriormente, o grupo apresentou sua insatisfação diretamente para o prefeito em uma reunião a portas fechadas com duas horas de duração. “Ele simplesmente falou pra gente orar”, afirma Andréa Ferreira, que vive no Rio das Pedras há 35 anos e integrante da comissão.

Na sexta-feira, 05 de outubro, 21 ônibus saíram da comunidade, lotando a audiência pública presidida pelo vereador Reimont (PT), que contou com a participação também de políticos de outras legendas, como PSOL e PSC. Além disso, estiveram presentes ainda representantes do Ministério Público, Defensoria Pública e da Pastoral das Favelas.

– O legislador, quando construiu a Lei Orgânica do município, colocou no artigo 429 os processos para regularização fundiária. Este artigo, que muitos moradores de Rio das Pedras já conhecem, diz que a remoção de comunidades só poderá acontecer se houver risco de vida das pessoas. E mesmo assim tem alguns critérios, ressalta Reimont.

Ainda que a maioria dos moradores seja contrária ao projeto que a Prefeitura pretende realizar naquela área, a população está ciente das melhorias que a região necessita, como saneamento básico, área de lazer, saúde e, principalmente, educação de qualidade, já que, em algumas escolas da região, falta de tudo, até merenda. Em contrapartida, a comunidade é conhecida pela tranquilidade e pela cultura nordestina tão presente.

– Temos uma escola que, desde o início da gestão do prefeito, está com as obras paradas. As crianças estão tendo um ensino precário. O horário da escola está reduzido, porque não tem merenda. Não estão conseguindo imprimir as provas, porque não tem verba. Considero um problema muito grave, porque isso, sim, poderia transformar vidas, opina Andréa.

 

Especulação imobiliária?

A região que compreende o Rio das Pedras é bastante visada pela Prefeitura. Todo o seu entorno está em constante crescimento justamente por se localizar em áreas nobres, muito cobiçadas pelos empresários da construção civil. Para o vereador Reimont, o projeto atende aos anseios da especulação imobiliária: “Apresenta-se como um projeto muito bonito, mas, no fundo, é um processo de remoção que está por vir para que os empreendedores da especulação imobiliária avancem mais, praticamente ampliando aquilo que a gente chama de Barra da Tijuca”.

O caso relembra a remoção de favelas como a do Metrô Mangueira, Vila Autódromo, Restinga e tantas outras que tiveram suas raízes desrespeitadas, em que os becos e vielas, a música tradicional e os vínculos afetivos são, frequentemente, substituídos por inúmeras edificações que serão destinadas a um público que não corresponde aos antigos moradores.

– As pessoas trabalharam suas vidas inteiras para poder ter alguma coisa. Trabalharam durante a semana e no final de semana ao invés de descansar, ficavam ali carregando aterro para poder construir seus barracos. São pessoas muito guerreiras, e isso me dá muito orgulho, resume a moradora Andréa Ferreira, emocionada.