Palavrões inclusivos

 

Você, amigo/amiga, que tem filho/filha incluído/incluída na escola regular, sabe me dizer quantos palavrões inclusivos ele/ela já sabe dizer?

Talvez você ainda não tenha percebido, mas na verdade o palavrão precede a inclusão. Não se pode estar incluído – a não ser performaticamente – na escola regular, no mundo regular, sem o domínio prévio e uso também regular de vários palavrões/turno.

Na verdade, pesquisadores têm estudado muito a respeito de quantos palavrões/turno em média alunos em idade escolar costumam dizer. Parecem variar entre 14 até algo beirando a centena. Aqui não cabe, nem por hipótese, elencar exemplos, dadas as inumeráveis possibilidades do idioma, fora os neologismos e regionalismos. A imaginação (ou a memória) neste caso costuma ser o suficiente.

Sei que vou parecer chocante ao dizer isso, mas se você ouvir ou ler um deles, procure ficar tranquilo. O mundo como ele é e a escola como ela é não são só feitos de fotos de formatura e passeios educativos. Diuturnamente os alunos usam palavrões ao leo ou dirigidamente e, se perguntados (pasmem agora!), não costumam sequer ofender-se por isso.

É que, como os linguistas costumam dizer e ninguém costuma prestar muita atenção, o contexto é que determina o valor do termo e não vice-versa. Há quem tema evoluir-se daí para uma situação de bullying conflagrado, mas se este é um temor justificável, por outro lado é uma gestão das mais impraticáveis. Melhor (bem melhor!) cuidar caso a caso. O bullying não costuma ser muito bem gerenciado nas escolas, infelizmente, até ir parar nas páginas policiais dos jornais. E as leis, também infelizmente, não vêm colaborando muito para melhorar a situação.

Talvez fosse preferível a alguns que o jargão do alunado fosse mais especializado e recheado de dizeres sóbrios e circunspectos como o do jurídico, por exemplo. Mas os egrégios alunos notam que sua inclusão depende muitas vezes de certa desenvoltura com o uso deles: os palavrões. As devidas correções e sanções, se cabíveis (e isto é um juízo de cada família em particular), melhor que fossem feitas por artifícios um tanto quanto fora de moda hoje em dia, tais como o incentivo ao uso de bibliotecas, diálogos face a face, recursos audiovisuais educativos e etc. Emojis e YouTube livre não, por favor.

É possível que, com isso, o futuro da ciência até possa ficar um tanto quanto comprometido, mas há que se imaginar ou pelo menos desejar que este seja um fenômeno transitório e, logo a seguir, as coisas melhorem um pouco. Cabe lembrar ainda que o governo, com seus cortes no setor, tem colaborado muito mais com a derrocada da ciência do que palavrões nos pátios escolares. Portanto, mesmo que alguns cheguem ao pânico por isso, é mais do que justo dividir as contas das dificuldades educacionais entre seus fidedignos responsáveis do que depositar toda a culpa exclusivamente no dorso do corpo discente das escolas.

Longe de parecer que desejo defender os benefícios do uso dos palavrões, estou apenas aceitando a sua existência e tentando entender como isso produz interface com outras tantas questões, tais como a inclusão de alunos com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais. Poderia aqui simplesmente negar sua existência e imaginar que as escolas fossem terrenos como ilhas de fantasia e bem aventurança, mas esse é o tipo de pensamento que, creio eu, não ajuda exatamente a ninguém.

Além disso, se há uma medida de troca de valores e bens culturais (mesmo que sejam os bens culturais que não apreciamos), ela se dá justamente na medida em que os valores sejam realmente compartilhados. De outro modo, o que há é superproteção, encapsulamento e a conversão justamente dos alunos que estão ali para beneficiar-da inclusão em bibelôs inclusivos, baluartes de projetos dos quais deixaram há muito de serem agentes ativos e participativos para serem convertidos em objetos de admiração, enlevo, orgulho, compaixão, etc. Nada que alguém possa efetivamente levar para a vida.

De mais a mais, se é mesmo desejável para a sociedade melhorar a qualidade argumentativa e o vocabulário dos estudantes, nada pode ser mais hipócrita do que exigir-se um comportamento que, na vida familiar e/ou social, não é seguido. São aquelas típicas soluções que não solucionam nada, como as que visam, por exemplo, deter a corrupção apenas retoricamente, mantendo às vezes até abertamente as práticas corruptas. Seria apenas mais do mesmo exigir dos estudantes um comportamento para o qual não se colabora, uma exigência desproporcional fadada a reproduzir mais revolta e violência, porque realizada a partir de uma falsificação moral ao invés de um compromisso realista.

Quero dizer que com o uso de palavrões estaria comprovada a eficácia de um projeto educacional inclusivo ou que isto basta ou que se trata de um indicador confiável? É claro que não! Apenas trata-se de ter certeza que há um mínimo de horizontalidade nas relações, que não se está ensinando paternalismo como se inclusão fosse e que, do ponto de vista das relações humanas, estar incluído é também estar exposto às vicissitudes da vida social e não apenas às benesses, aplausos, lágrimas e bombons. É dar a ideia de que os alunos incluídos um dia também saem do jardim de infância.

Assustaram-se? Pois tratem de se acalmar! Nosso próximo artigo versará nada mais nada menos do que sobre o baixo calão e sua importância na sociabilização escolar brasileira.

Aguardem!

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