Jornal da ABI 361 - 60 Anos da TV no Brasil

Page 6

OS DESBRAVADORES

Militantes da memória da televisão POR MARCOS STEFANO

6

Jornal da ABI 361 Dezembro de 2010

FRANCISCO UCHA

O escritor e roteirista Walter George Durst (1922-1997) é inegavelmente um dos grandes nomes da televisão brasileira. Não somente por causa das novelas Gabriela e Nina, criações suas, e das adaptações de grandes obras do cinema e da literatura, como Grande Sertão: Veredas e Memórias de um Gigolô, para minisséries e teleteatros. Também por causa de suas contundentes declarações e frases de efeito. Pioneiro da TV, certa vez, ao ser questionado sobre para que ela servia, disse: “Para fazer experiências”. Sobre seu trabalho, chegou a ser poético: “Adaptar é trair por amor ”. Mas a melhor de todas talvez tenha sido a definição que deu ao ofício daqueles que estão tanto atrás quanto à frente das câmeras: “Fazer TV é como escrever na água”. Durst foi preciso. Culpa da fugacidade das imagens, de incêndios criminosos que consumiram por diversas vezes o acervo das principais emissoras ou do descaso mesmo, a verdade é que, mesmo no auge de seus 60 anos, o mais destacado meio de comunicação do País ainda precisa recuperar grande parte de sua memória. Um trabalho difícil, já que faltam recursos e disposição por parte das empresas. A boa notícia é que, nos últimos anos, vários dos protagonistas dos primeiros anos de transmissões têm-se mobilizado para contar e guardar essa história. Pessoas como a atriz, produtora e escritora Vida Amélia Alves Gasparinetti, ou simplesmente Vida Alves, uma simpática senhora de 82 anos, que desde 1995 preside a Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira, a Pró-TV. A entidade organiza shows, eventos, exposições e premiações. No dia 18 de setembro, realizou no Memorial da América Latina, em São Paulo, uma noite de gala em comemoração das seis décadas de transmissões comerciais da tv nacional, com a presença de autoridades, artistas e profissionais da área. “Estamos construindo um centro de memória da televisão brasileira, espaço que sirva como ponto de encontro sobre o tema, que conte a trajetória do veículo e de homens e mulheres que foram seus protagonistas e sirva de apoio para pensar a comunicação no País. Há muitas histórias que ainda precisam ser contadas e estamos fazendo isso”, explica Vida Alves. Poucas pessoas podem contar essas histórias tão bem quanto ela. Apaixonada pela arte de representar, Vida Alves começou no rádio ainda na década de 1940. Filha de um engenheiro e poeta que faleceu ainda jovem, com 35 anos de ida-

No papel mais importante de suas carreiras, Vida Alves e outros pioneiros da telinha organizam a Pró-TV com o propósito de resgatar as histórias do mais importante e negligenciado meio de comunicação do País.

Vida Alves na Pró-TV: Preservar a memória da televisão no Brasil não é uma tarefa fácil.

de, foi morar com os irmãos e a mãe no Centro de São Paulo, na casa da avó. Como a residência era próxima à Rádio Record, ela e a irmã mais velha, Poema, foram aos estúdios da emissora tentar a sorte. Poema voltou para casa contratada; Vida, com algumas pontinhas, representando papéis infantis. A menina cresceu, ganhou novos personagens, tornou-se conhecida e assinou contratos. Certa vez, interpretou uma briga no ar, simulando ter sido agredida. Quando voltou para casa, todos os vizinhos a estavam aguardando nas janelas

de suas casas. Preocupados, queriam saber se ela tinha se machucado, se estava doendo. Prometiam ir até a emissora para protestar. Fora uma encenação, mas o rádio tinha esse poder: transformar fantasias em realidade. Vida Alves não apenas interpretava bem, também escrevia e produzia. A experiência e a desenvoltura lhe valeram o convite para trabalhar na novíssima PRF 3, a TV Tupi de São Paulo, que entraria no ar em 1950. Onze anos antes, o brasileiro já havia sido apresentado ao novo veículo durante a Feira de Amostras

do Rio de Janeiro. Porém, essa primeira experiência era somente uma brincadeira que permitiu às pessoas falarem com outras a 20 metros de distância e vê-las numa telinha a um palmo de seus narizes. Dessa vez o negócio era sério. Mesmo assim, muitos profissionais não toparam se arriscar. “Ninguém sabia ao certo no que a televisão ia dar. O pessoal preferia o rádio, feito para um público muito maior. Pouca gente tinha aparelho de televisão e o público era restrito. Fizemos a tv na marra mesmo”, afirma Vida. Quando fala em marra, ela não exagera. A televisão brasileira tinha tudo para dar errado. Para começar, ninguém tinha um televisor. O problema foi resolvido pelo jornalista e empresário Assis Chateaubriand, que, além de importar todos os equipamentos para gerar e transmitir as imagens, ainda contrabandeou cerca de 200 aparelhos. Espalhou 20 pela cidade de São Paulo e presenteou amigos e investidores com os outros. Inclusive o jornalista Roberto Marinho, que depois se tornaria seu maior concorrente. Improvisos e histórias não faltam nesses primeiros tempos. Logo na inauguração, conta-se que uma das três câmeras pifou. De quem seria a culpa? Alguns diziam que era do Bispo Dom Paulo Rolim Loureiro e da água benta que jogou em todos os cantos. Mas outros garantiam que o verdadeiro causador do problema seria um empolgado Chatô, que, em meio a um longo discurso, teria dado uma garrafada inaugural de champanhe no equipamento. Lendas à parte, a própria Vida Alves participou de diversos destes momentos. Foi ela quem protagonizou o primeiro beijo romântico da televisão nacional. A cena aconteceu na primeira telenovela, Sua Vida me Pertence, exibida em 1951 e envolveu a atriz e o galã Walter Forster. Para que acontecesse seria preciso quebrar tabus. Primeiro, tudo foi combinado com a direção da Tupi e com o marido de Vida, um italiano de mente aberta e bastante compreensão. Depois, seguir as ordens de Forster, que procurou deixar a atriz tranqüila ao dar dicas e pedir que “deixasse tudo por conta dele”. Mas o beijo não saiu sem a advertência de Vida: “Tudo bem, mas comporte-se rapaz!”. Apesar do sucesso e da presença de vários repórteres e fotógrafos dos Diários Associados, que acompanhavam tudo, ninguém se aventurou a registrar tal “escândalo” na época. “Foi um tempo de façanhas, pois fazer tv era uma grande aventura. A linguagem toda era adaptada do rádio e do cinema. Mas nessa escola aprendemos a


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.