Brasil Educação

MEC vai aumentar controle sobre avaliação de livros didáticos

Análise antes feita por universidades ficará com profissionais inscritos no Ministério
Livro "Enquanto o Sono não vem" gerou polêmica e foi recolhido pelo MEC em junho Foto: Reprodução
Livro "Enquanto o Sono não vem" gerou polêmica e foi recolhido pelo MEC em junho Foto: Reprodução

BRASÍLIA- O governo editou nesta quarta-feira um decreto, detalhado na edição do GLOBO, para ter mais controle sobre a avaliação pedagógica dos materiais distribuídos a alunos e professores da educação básica pública. Com as novas regras, o Ministério da Educação (MEC), que executa o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), deixará de delegar às universidades a tarefa de examinar as obras a serem compradas pelo governo. No lugar das instituições, serão acionados profissionais inscritos no banco de avaliadores do MEC.

Eles ficarão submetidos às diretrizes da comissão técnica do PNLD, que também sofrerá mudanças em sua composição. Antes, o MEC indicava apenas professores de universidades públicas para compor esse colegiado, que tem como missão coordenar e validar as avaliações pedagógicas. Agora, a comissão aprovada por ato do ministro poderá ter professores da educação básica, do ensino superior e outros especialistas. Será exigida titulação mínima de mestrado.

Os nomes da comissão deverão ser indicados por entidades ligadas à educação, como Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais (Undime), entre outras. A Secretaria de Educação Básica (SEB) do próprio MEC também terá assento no grupo. A justificativa do governo é tornar a comissão técnica mais plural. O órgão decidiu ainda fechar em quatro anos o período do PNLD, que antes era de três.

Além das mudanças na formação da comissão, a chamada pública, antes feita às universidades interessadas em participar do PNLD como avaliadores de materiais didáticos, será dirigida aos inscritos no banco de especialistas do MEC. A presença de profissionais independentes das instituições já ocorreu no último processo do programa para compra de livro didático, mas numa proporção de 50% do total de envolvidos. A ideia é que representem 100% dos avaliadores.

Mudanças à vista
Da formação da comissão técnica à apresentação do material para escolha das escolas,
o Programa Nacional do Livro Didático sofrerá mudanças significativas
Mudanças à vista
Da formação da comissão técnica à apresentação do material para escolha das escolas, o Programa Nacional do Livro Didático sofrerá mudanças significativas

O custo do governo com os especialistas é de cerca de R$ 12 milhões por ano.Logo após a edição do decreto, já sob as novas regras, o MEC lançará o edital do PNLD para iniciar o processo de compra do material de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) que será repassado às escolas públicas em 2019. Uma minuta do documento foi lançada recentemente para sinalizar às editoras os critérios exigidos, mas os termos finais, como prazos e outras especificações, ainda estão sendo finalizados. O orçamento previsto para o PNLD este ano é de R$ 1,7 bilhão.

O ministro da Educação, Mendonça Filho, defendeu as mudanças como uma forma de aperfeiçoar o processo de escolha do material que vai para as escolas públicas. Ele nega que as alterações servirão para vetar assuntos como sexualidade e gênero nas salas de aula. Os temas são atacados pela bancada religiosa aliada do governo Temer que patrocina o projeto Escola sem Partido no Congresso Nacional, ao qual o ministro se declara contrário.

- Não vai ter censura do ponto de vista ideológico. Mas sim uma avaliação adequada do material – diz Mendonça.

Em junho, o ministro determinou o recolhimento do livro "Enquanto o sono não vem", voltado para crianças de 7 e 8 anos, por abordar o tema do incesto. Em um dos contos que compõem a obra, intitulado "A triste história de Eredegalda", a protagonista é pedida em casamento pelo próprio pai e, diante da negativa, fica aprisionada em uma torre até morrer de sede.Após reclamações de pais, o MEC elaborou um parecer considerando a obra "não adequada" para crianças e determinou o recolhimento.

A última compra do livro pelo governo, finalizada já na gestão de Mendonça Filho, foi baseada em parecer favorável antigo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Agora, os exemplares retirados das escolas serão distribuídos a bibliotecas públicas do país.Mendonça Filho diz não ter dúvidas sobre a inadequação da obra para crianças e admite que o MEC pretende entrar mais a fundo na avaliação do material didático para, entre outros objetivos, evitar problemas semelhantes:

- É lógico que um livro sobre um pai querendo se casar com a filha e que depois coloca a menina numa torre sem água até morrer não pode ser distribuído a crianças- disse.

A UFMG e outros especialistas criticaram o recolhimento da obra "Enquanto o sono não vem". Segundo o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da universidade, que aprovou o livro, houve "julgamento indevido construído por leitura equivocada do romance". O grupo defendeu que temas delicados como "estupro, pedofilia, fratricídios, violência, alcoolismo, sequestro e incesto, por exemplo, estão tematicamente presentes até na Bíblia".

O presidente do Consed, Idilvan Alencar, aprovou as mudanças, com ressalvas.

— Acho positivo o fato de os estados e municípios indicarem pessoas, porque temos profissionais bons na rede. Por outro lado, o aumento do ciclo do livro para quatro anos me preocupa. O governo deverá ser eficiente na reposição de exemplares, porque com mais tempo de uso, mais livros serão danificados — acredita.