Tenho sentido cada vez mais falta de meus mortos. E minha coleção aumenta sem cessar. Por experimentar a morte dos avós, na verdade pouco sentidas a não ser a partida de minha avó materna, que me mimava demais, não era estranho o contato com o desaparecimento de seres próximos. Também nunca hesitei em estar presente nos velórios, nos sepultamentos e de acompanhar meus pais – principalmente minha mãe – às contínuas visitas ao cemitério.
A morte do irmão já é um baque mais forte. Mais novo, mais generoso, até mais querido por meu pai. Mas havia o colo da mãe. Depois vem a morte do pai, que fora redescoberto em sua ternura, pois teve de canalizar o carinho nos outros filhos quando perdeu o favorito. Houve ainda uma vez o colo da mãe.
Quando ela se foi, não houve mais colo. E, na sequência, tanta gente querida, tanta gente próxima. Parece que já não há com quem conversar. Resta o diálogo impossível, qual monólogo patético, em que se imagina falar – pois em silêncio – e se imagina a resposta que o ausente daria. Subsistem as dúvidas. Por que não dão sinais? A intimidade desapareceu de vez? Onde foram parar a individualidade, o sofrimento, os sonhos e angústias. E onde foi parar o amor que nos nutríamos? Foi-se de vez?
Leio Paul Ricoeur, em “Vivo até a morte” e ele não auxilia o enfrentamento com o ignorado: “Há primeiro o encontro da morte de outro ser querido, de outros desconhecidos. Alguém desapareceu”.
Uma questão surge e ressurge obstinadamente: ele ainda existe? Onde? Em que outro lugar? Sob que forma invisível aos nossos olhos? Visível de outro modo? Essa questão liga à morte ao morto, aos mortos. É uma questão de vi-vos, talvez de sadios, direi mais adiante.
A questão “Que tipo de seres são os mortos? ” é tão insistente que mesmo em nossas sociedades secularizadas não sabemos o que fazer dos mortos, isto é, dos cadáveres… Não nos desfazemos dos mortos, nunca nos livramos deles.
Nem quero me livrar de meus queridos. Acompanham-me. Fazem parte de mim. É por isso que a partida deles me deixa mutilado. Só morrerão de verdade quando me esquecer deles. Enquanto tiver consciência, isso nunca acontecerá.
Fonte: Jornal de Jundiaí| Data: 24/09/2017
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo
25/09/2017 às 19:39
O escritor nos lança a refletir. O médico precisa saber comunicar. Pois, por onde anda a morte muitos sentimentos causam nos vivos. Em regra, o sentimentos de tristeza, de perda, de ausência são os que predominam. E ainda que não conhecemos o falecido, procuramos transmitir nossa solidariedade à família, seja por um telegrama, esses mesmos sentimentos. Partimos e deixamos saudades. Quando criança achamos que somos eternos e isso nos faz destemidos, corajosos e sentimos o mesmo por nossos avós, nossos pais e parentes. Aos poucos, vão chegando a notícia: a tia fez a passagem; o tio fez a passagem. Quando não ficamos sabendo de um amigo que perdeu toda a sua família em um acidente. Somente restou ele. E como consolar uma dor assim. A vida trás a vida leva. De todas as vidas, ou formas de vidas, a que mais instiga-me a curiosidade é a que pertence ao reino vegetal, este ecossistema que não é o animal nem o mineral, ele demonstra a capacidade de estar em vida espécies que conviveram com os dinossauros! E quando nos surpreendemos com uma planta que nasce nos lugares mais hostis, como um cacto no deserto! A água doce, fonte essencial para a vida animal e vegetal, possui suas fontes e nascentes por vezes em ambientes difíceis de serem descobertos. O mistério da água, os ciclos da vida são todos objetos de estudo porque nos intriga e, mais que isso, nos leva ao desafio à compreender o tempo das cousas. A ponto de começar a compreender o nosso tempo o sentido de finitude e de, principalmente, o mais difícil, ao menos para mim, o sentido de eternidade.
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