Tinha 70 anos de idade, e passou os três últimos meses em coma. Foi um dos principais nomes da literatura egípcia, fazendo sempre questão de expor as suas convicções políticas. Esteve preso por afronta ao regime e por admirar as ideias de Marx.
No passado dia 18 de outubro, com 70 anos, morreu o Gamal Al Ghitani, depois de estar três meses em coma. Foi um dos mais destacados nomes da literatura egípcia, mas também exerceu a profissão de jornalista. Antes disso tudo, foi desenhador de tapetes, e, sempre, um contestatário. Nasceu numa família pobre do sul do Egipto em 1945, mas mudou-se para o Cairo ainda jovem.
Foi na capital egípcia que estudou. Dedicou-se ao jornalismo durante muitos anos e foi como repórter de guerra que se evidenciou. O conflito israelo-árabe de 1973 foi um dos que Ghitani cobriu. Mas não é devido a esta ocupação que Ghitami é mais lembrado.
O seu trabalho no campo literário ficou marcado pela forte ligação ao escritor Naguib Mahfouz – o primeiro árabe a receber o Nobel da Literatura. Ghitani era um assumido admirador de Mahfouz, tendo inclusive lançado um livro que agregava várias conversas entre os dois – “The Mahfouz Dialogues”. Porém, foi o romance de 1974, “Zayni Barakat”, que se tornou a sua mais emblemática obra. O enredo passa-se no século XVI, e é uma crítica à legitimidade de um líder egípcio cruel. Uma alegoria, portanto.
O diário de viagens, o romance clássico, a novela e o conto foram alguns dos géneros que o escritor percorreu. Todavia, fê-lo com um cunho muito próprio. Entre as linhas estavam ideias e fazia questão de misturar a literatura com a política. Essa atitude que assumiu valeu-lhe alguns dissabores. Esteve preso durante cinco meses, devido às suas posições contrárias ao governo, e por perfilhar ideais marxistas. Com mais de uma dezena de livros lançados, alguns integram a lista de obras proibidas no Egipto.
Sempre se opôs ao fundamentalismo islâmico, mas nem sempre a alternativa era do seu agrado. Apoiou o exército após a queda de Hosni Mubarak, em 2011, e defendeu a retirada do exército quando estava no poder o presidente islâmico Mohammed Morsi, em 2013. “Na luta entre o extremismo religioso e o terrorismo que procura derrubar um governo corrupto e repressivo, a escolha, para muitos de nós, por muito lamentável que isso possa ser, é de ficar do lado do exército e do regime”. Foi a explicação que deu em 1993, após uma série de ataques terroristas no Cairo, e que pode explicar a posição que tomou mais de dez anos depois.
“Não podemos permitir que as autoridades religiosas censurem o nosso trabalho criativo e intelectual”
“Não defendo o que dizes, mas defenderei até à morte o direito de o dizeres”. Sim, esta frase é de Voltaire. Mas enche as medidas ao sentido de liberdade de expressão de Ghitani. Quando o escritor egípcio Alla Hamed foi condenado, em 1992, devido ao caratér alegadamente blasfémico para o Islão do seu livro, Ghitani marcou uma posição. Apesar de não gostar do livro, reconheceu a sua validade. “Não podemos permitir que as autoridades religiosas censurem o nosso trabalho criativo e intelectual. Não estou a defender o Hamed agora, estou-me a defender a mim mesmo”, referiu Ghilani, citado pelo New York Times.
Em 1994, um membro do parlamento criticou a inclusão da pintura de Adão e Eva, de Gustav Klimt, numa obra que Ghilani editou. Ao que o mesmo respondeu: “A menos que todos os donos de uma caneta ou de um pincel, e todos os inovadores, resistam a estes ataques, ninguém vai conseguir escrever uma palavra, compor uma música ou pintar uma cor.”
Este ano, venceu o prémio do Nilo, a mais importante distinção literária entregue pelo governo egípcio. No passado, entre outras atribuições de prémios, foi condecorado, em França, com a Ordem das Artes e das Letras.