Política Obituário

Teori Zavascki: juiz à moda antiga

Avesso a entrevistas, ministro tinha poucos amigos e só deixava-se dominar pela paixão quando o Grêmio entrava em campo
O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal Foto: Jorge William/11-10-2016
O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal Foto: Jorge William/11-10-2016

BRASÍLIA — Teori Zavascki era um homem de poucas palavras. Discreto, mas sempre muito educado. Costumava entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) quieto, sem dar declarações à imprensa, que se aglomerava aguardando qualquer tipo de informação do relator da Lava-Jato. Dava bom dia. Dizia que não podia dar declaração, ao estilo dos juízes mais tradicionais. Às vezes, sorria. Com os amigos, também era discreto, mas sorria mais. Especialmente quando o assunto era o Grêmio. Em Porto Alegre, foi conselheiro do time e não escondia a paixão quando alguém tocava no assunto. O ministro morreu nesta quinta-feira , na queda de um avião no mar próximo a Paraty, no Rio.

Aos 68 anos, Teori tinha hábitos comedidos. Morava sozinho em um amplo apartamento funcional em Brasília. A solidão veio depois da morte da mulher, a juíza federal Maria Helena Zavascki, em 2013. O ministro não era de sair à noite. Encontrava os amigos normalmente na casa deles, em jantares reservados. Entre os amigos mais próximos, estavam os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Nessas ocasiões, gostava de narrar com empolgação viagens ao exterior. Os três filhos de Teori, dois advogados e um médico, moram em Porto Alegre, para onde ele costumava ir em finais de semana para visitar.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, morreu nesta quinta-feira na queda de um avião em Paraty, no Rio de Janeiro. Ele era o relator das ações da Operação Lava Jato no STF.

Depois que foi alçado a relator da Lava-Jato, em março de 2015, Teori ficou ainda mais discreto e avesso ao assédio da imprensa. Também ficou ainda mais inacessível, ladeado por um séquito de seguranças que garantiam sua proteção pessoal, já que ameaças eram comuns depois de decisões muito polêmicas. Ia direto para o gabinete, logo pela manhã. Saía de madrugada, se houvesse uma decisão muito complicada para ser tomada. A situação era frequente. Afinal, ele era o relator do maior processo de corrupção que o STF já viu.

Teori não era somente o relator, mas também o guardião do processo. Tinha especial cuidado com a condução da Lava-Jato e costumava criticar vazamentos. Bateu de frente com o juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava-Jato no Paraná, por ter divulgado áudios de conversas da então presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando o caso foi remetido ao STF, Teori deixou os áudios em sigilo.

Era raro o ministro dar entrevista. Ironicamente, no último dia de funcionamento do STF antes do recesso, em 19 de dezembro do ano passado, Teori parou diante da insistência da imprensa e resolveu falar sobre a Lava-Jato. Reclamou dos vazamentos das delações da Odebrecht, que acabavam de chegar ao tribunal.

— Pelo que vi, não foi propriamente um depoimento que foi vazado. Pelo que eu vi. Mas, de qualquer modo, é lamentável que estas coisas aconteçam. É lamentável — disse o ministro.

Em tom melancólico, Teori aproveitou para reclamar do momento difícil que o Brasil passava, sem especificar em qual setor. Mas tinha esperança. Ele aproveitou para desabafar diante de uma pergunta sobre seu estado emocional:

— Meu estado emocional é que hoje é o último dia antes das festas de fim de ano. Foi um ano difícil, foi um ano muito difícil para o Brasil. Vamos esperar que as coisas melhorem.

Além da discrição, outro adjetivo normalmente atribuído a Teori é técnico. Os colegas do tribunal o definem dessa forma. Em 2014, em uma entrevista concedida ao site “Consultor Jurídico”, ele brincou com essa fama.

— Quando cheguei ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e também quando cheguei aqui (no STF), o que mais ouvi foi ‘o ministro Teori é um ministro muito técnico’. Até hoje não sei, sinceramente, se isso é um elogio ou uma crítica. Para mim, é apenas uma questão de semântica — declarou.

O ministro foi um dos idealizadores da mudança de regra que transferiu o julgamento de processos criminais do plenário, composto por onze ministros, para as duas turmas, com cinco integrantes cada uma. Teori ainda não sabia que, meses depois, ele mesmo seria sorteado para relatar e conduzir o julgamento dos processos da Lava-Jato na Segunda Turma, colegiado que integrava. Na época, ele argumentou que a mudança traria mais agilidade aos julgamentos e diminuiria mais rápido a quantidade de processos aguardando solução.

Teori formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1972. Concluiu o mestrado em 2000 e o doutorado em 2005 pela mesma instituição. Foi advogado do Banco Central entre 1976 e 1989. Em 1979 passou em um concurso para juiz federal, mas preferiu continuar no mesmo emprego e não chegou a tomar posse no cargo.

O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal Foto: Ueslei Marcelino / Reuters / 11-03-2015
O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal Foto: Ueslei Marcelino / Reuters / 11-03-2015

A partir de 1989, entrou para sempre na vida nos tribunais, quando tornou-se desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. Em 2003, o presidente Fernando Henrique Cardoso o nomeou ministro do STJ. Em 2012, já no fim do julgamento do mensalão, a presidente Dilma Rousseff o escolheu para uma das cadeiras do STF, depois da recomendação de Nelson Jobim, ex-ministro do tribunal. Quando entrou no STF, Teori não era visto como aliado de nenhum partido ou ideologia. Sequer conhecia Dilma.

Apesar da fama de sério e de técnico, Zavascki era um juiz que prezava pelos direitos humanos. Em 2014, o plenário do STF começou a julgar uma ação em que a defesa de um preso pedia o pagamento de danos morais pelo poder público pela superpopulação carcerária – e os maus-tratos sofridos pelo cliente decorrentes do problema. Zavascki, que é relator do processo, não teve dúvida em decidir a favor do detento.

A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul ajuizou ação em favor de um homem condenado a 20 anos de reclusão, cumprindo pena no presídio de Corumbá (MS) “em condições degradantes por força do desleixo dos órgãos e agentes públicos”.

— O recorrente, assim como os outros detentos do presídio de Corumbá, cumpre pena privativa de liberdade em condições não só juridicamente ilegítimas, porque não atendem às mínimas condições de exigências impostas pelo sistema normativo, mas também humanamente ultrajantes, porque desrespeitosas a um padrão mínimo de dignidade. Também não se discute que, nessas condições, o encarceramento impõe ao detendo um dano moral, cuja configuração é, nessas circunstâncias, até mesmo presumida — afirmou Teori no plenário do STF.

No comando da Lava-Jato, o ministro costumava prezar pela imparcialidade.

— Quando se criam leis, vários aspectos são analisados, e se a lei trata de questão política, como eleições ou campanha eleitoral, não cabe ao tribunal dar uma opinião sobre o tema, mas dizer se aquilo é compatível ou não com a Constituição. Se isso é ser político, então o Supremo é um tribunal político — disse Zavascki ao “Consultor Jurídico” em 2014.

No campo criminal, Teori costumava ser duro. Ele mantinha a maior parte das prisões determinadas pela primeira instância diante do pedido de liberdade dos investigados. Foi assim recentemente, com o empreiteiro Marcelo Odebrecht. Em dezembro de 2016, quando o STF abriu ação penal para investigar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por peculato, Teori fez crítica pesada ao Ministério Público e à Polícia Federal pela demora em concluir as investigações do caso.

— Se critica muito a demora, por ser foro privilegiado. Não se pode culpar o STF pela demora na investigação. Quem realmente investiga é a Polícia Federal e o Ministério Público. O Supremo é juiz, não é investigador. Não é ele que busca a prova, ele que julga — explicou Teori.

Desde que os processos da Lava-Jato começaram a chegar ao STF, o gabinete de Teori passou a ter um número maior de processos recebidos do que de decisões proferidas. Na prática, isso significa um acúmulo maior de ações sob sua responsabilidade. Para dar conta do acervo, o gabinete de Teori contava com três juízes auxiliares. Os outros ministros que contam com o mesmo auxílio têm dois. Por recomendação do ministro, seus assessores não gostam de dar declarações à imprensa.