Em um processo que se arrastou por mais de três anos na Justiça em busca do pagamento da pensão da filha, uma tomou uma decisão para comprovar que o ex-marido tinha, ao contrário do que afirmava, posses para quitar os atrasos no cumprimento dos deveres de pai.

O homem fazia passeios em praias paradisíacas, jantava em restaurantes caros, posava ao lado de cachorros de raça e da caminhonete de luxo que possuía. Tudo registrado em fotos nas redes sociais. A ex-mulher recolheu o material e solicitou que os prints fossem anexados ao processo. “Estava ostentando, produzindo provas contra ele mesmo”, diz ela.

Dito e feito: o ex-marido teve o mandado de prisão expedido pela Justiça – que reconheceu que ele dispunha de posses para ajudar na criação da filha – em 2017. O homem está foragido, sem quitar a dívida de cerca de R$ 100 mil. Mas a mulher teve o reconhecimento sobre a legitimidade do processo que abriu.

Situações como esta têm se tornado comuns, com o Poder Judiciário aceitando cada vez mais o uso de provas disponibilizadas por réus nas mídias sociais, como Facebook e Instagram, que atestam a existência de bens que possam cobrir as cifras cobradas em processos de pensão, trabalhistas e até mesmo para o pagamento de honorários advocatícios.

Blindagem patrimonial

“No Brasil, como sabemos, localizar o patrimônio de uma pessoa muitas vezes não é tão simples. Há muitos casos de blindagem patrimonial – registro dos bens em nome de outras pessoas. Com a existência de fotos das partes junto a seus bens é possível convencer o juiz de que elas estão mentindo”, afirma o professor de Direito do Ibmec, Flávio Monteiro.

Nesse sentido, ele aponta que as fotos das redes sociais tendem a ser utilizadas como prova depois que outras tentativas mais tradicionais de mapeamento de bens, como nos bancos, não são bem sucedidas.

Justiça trabalhista

Em outro caso, uma diarista do Mato Grosso também conseguiu decisão favorável na Justiça ao reunir fotos produzidas pela outra parte do processo nas redes sociais. O caso correu na Justiça do Trabalho. A ex-patroa, que dizia estar desempregada, se recusava a pagar R$ 400 por serviços prestados pela faxineira.

Mas a dona da casa não deixava de postar fotos exibindo iPhone de última geração, luxuosa festa de aniversário e aplicação de mega hair e outros luxos, conforme apontou a juíza Leda Borges de Lima, na sentença do caso. Além das diárias, a magistrada determinou que a diarista deveria receber R$ 3 mil em indenização por danos morais.

“Muitas vezes, mesmo que a parte afirme que a festa tenha sido feita por amigos ou que os bens tenham sido presentes, os juízes têm considerado o material recolhido na internet como relevante. Na avaliação da Justiça, essas provas são legítimas e são atestados da realidade econômica, principalmente quando há divergência sobre o que a parte afirma possuir e o que o que é divulgado nas redes sociais”, afirma a advogada Giselle Farinhas.

Mentirosos correm o risco de responder ao crime penal

A recomendação para quem é parte em processos envolvendo o pagamento de recursos a outras pessoas – e até mesmo ao governo, nos casos tributários – é não mentir para não correr o risco de ser pego “com a boca na botija” com as provas on-line.
“Esses casos são um alerta para que as pessoas não criem uma roupagem nos processos diversa da que é verdadeira, para que a conduta das partes seja da melhor forma possível”, afirma a advogada Giselle Farinhas. Segundo ela, além do risco de perder o processo, o réu pode responder ao crime penal por falso testemunho.

Já para quem depara com as provas na internet, a recomendação é comunicar o advogado e fazer a coleta do material o quanto antes – já que a página pode ser apagada ou ter o acesso bloqueado.

Na Justiça mineira, a acolhida desse tipo de prova tem se tornado cada vez mais forte, principalmente nas áreas trabalhistas e de família – que já tem um histórico de considerar o uso de fotos e vídeos em processos de divórcio e guarda de filhos. A adesão dos juízes às provas, ainda que crescente, varia, o que faz com que alguns advogados defendam algumas precauções.

Flávio Monteiro, do Ibmec, diz ser importante que o processo de coleta das informações seja validado em cartório pelo tabelião, por meio da notarial. “É uma proteção quanto à possibilidade de a defesa dizer que aquela foto foi manipulada digitalmente”.

Outra face

Na outra face da exposição virtual, especialistas lembram que é preciso que as partes que reivindicam receber dinheiro nos processos não exponham o caso nas redes sociais. Descrever a situação e o nome das pessoas que estão sendo processadas pode dar brecha para ações por danos morais.

WhatsApp

Além das imagens, conversas em WhatsApp têm sido consideradas em casos de contratos de prestação de serviços. Em um processo recente envolvendo um casal que entendeu que o serviço de fotografia do seu casamento não havia sido prestado da forma devida, o juiz considerou o acordo firmado no aplicativo como prova, dando ganho aos noivos.

 

Fonte: Hoje em Dia ||

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